Amizade e aprendizado coletivo

O Expresso Periférico nas quebradas traz mais uma entrevista com um jovem que tem enfrentado o processo de exclusão social que é comum para quem vive ou sobrevive nessas regiões à margem da cidade. Mas, apesar disso, ele tem conseguido conquistar espaço de inserção de cidadania, o que deveria ser comum para toda a juventude. Isso está sendo possível devido a um conjunto de esforços de iniciativas de projetos coletivos culturais no bairro, políticas públicas e seu esforço através dos estudos e participação na vida coletiva.

Jovem da periferia
Lutando pra melhorar
Escrevendo poesia
No JAMAC foi encontrar
Aprendizado da arte
Dedicado a estudar.

Sou o Ricardo Vieira de Oliveira Santos, moro na Cidade Júlia, bairro da Pedreira. Somos uma família negra periférica. Minha mãe, Teresa Vieira de Oliveira, a qual tinha uma doceria na minha rua, e meu pai, Claudionor Gomes, mecânico de máquinas de lavar roupa. Sempre estudei na escola pública do bairro, o Tiago Alberoni. Sou poeta de quebrada e assistente social.

Minha ida para o JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube) ocorreu no ano de 2006, num projeto de direitos humanos chamado de Olhares e Opiniões, para produzir um filme de curta metragem, onde foi formada a primeira turma de produção audiovisual de cinema digital. Esse curso, além do aprendizado, me possibilitou a vivência e interação com pessoas diferentes, formando, assim, um conjunto de pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+. Foi onde conheci a galera do meu coletivo, Mascate Cineclube, quando o JAMAC se tornou ponto de cultura pelo cultura viva.

Buscando conhecimento
Se tornando profissional
Nos movimentos populares
Enriquecendo seu cabedal
Combatendo as injustiças
Na assistência social.

Após passar por esse programa, o qual foi muito importante pra mim, até conseguir minha iniciação científica na universidade. Tenho formação em Educação de Direitos Humanos pelo Instituto Paulo Freire, fiz graduação em Serviço Social, atualmente estou fazendo mestrado e recentemente passei a fazer parte do Conselho Regional de Serviço Social. Nessas andanças de formação, estudei numa universidade privada através do PROUNI e depois fui para uma universidade pública, a UNIFESP, na baixada santista, onde, apesar dos perrengues, tem melhores condições para estudar.

Minha opção de graduação em Serviço Social vem numa perspectiva de ter contato e conhecer os movimentos sociais. Num período em que estudei em São Carlos, com os cursos de extensão universitária, ligados à questão da terra, tive a oportunidade de acompanhar as mulheres trabalhadoras do campo. Com a minha ida para Santos, continuei nesse processo de aprendizado, com cursos de iniciação científica e participação em congressos pelo Brasil afora. Com esse acúmulo, fui me construindo e hoje faço parte do Conselho Regional de Serviço Social.

Conhecendo os desafios
Da moçada na quebrada
Mas tem gente potente
Abrindo a nova estrada
Do cinema à pintura
Tornando-a empoderada.

Sobre os desafios para a juventude na periferia, são vários perrengues. Como já trabalhei na assistência social na região, conheço bem as carências enfrentadas pela juventude, como a falta de políticas públicas para a cultura e acesso ao lazer e espaços esportivos. Os poucos locais que existem, são muito pequenos e não atendem às necessidades da maioria da juventude. O CEU Alvarenga foi uma grande conquista, mas precisa de muito mais espaços. O filme produzido pelo JAMAC – Identidade – demonstra bem a problemática da juventude preta periférica na região da Cidade Ademar e Pedreira.

Por outro lado, gostaria de enfatizar as iniciativas culturais de coletivos da região que ajudam a amenizar estas carências mencionadas, como o Cavalo Nóia, Graffiti Com Pipoca e Mascate Cineclube. Não poderia deixar de destacar algumas das potenciais de pessoas negras do Jardim Miriam, como a Thais Scabio, cineasta; a jornalista Semayat de Oliveira, e me coloco como negro periférico, assistente social, trabalhando no sistema prisional com a juventude encarcerada, e muitas outras e outros jovens que receberam oportunidades de desenvolver seus talentos e habilidades na arte, na cultura, como no grafite, cinema, pintura, iniciativas de democratização da comunicação. Sou grato por tudo isso, que me ajudou a chegar onde estou hoje. Gratidão e Axé.

Foi um breve histórico
Deste jovem lutador
Como Luiz Gama
Gente negra um defensor
Juventude carcerária
Que o sistema condenou.

Imagem: Acervo pessoal do entrevistado

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