A impunidade e a invisibilidade são os pilares que alicerçam a abominável cultura do estupro na sociedade brasileira. Por Professora Elânia

No dia 18 de Maio de 1973, uma criança de 8 anos foi sequestrada, estuprada e assassinada no Espírito Santo. Em 18 de Maio de 2023, o crime completa 50 anos e segue impune. No dia 12 de maio de 2015, uma criança de 12 anos foi estuprada dentro de uma escola estadual paulista, por colegas de escola. Hoje, 7 anos após este crime chocante, a comunidade escolar não toca no assunto. Infelizmente, esses casos não foram os primeiros e lamentavelmente não se tratam de casos isolados. Conforme reportagem do Jornal Nacional de 20 de maio de 2015, o Hospital Pérola Byington, que acolheu a estudante paulista, referência no atendimento a mulheres e crianças vítimas de violência sexual, havia registrado apenas no ano anterior mais de 2400 atendimentos em que mais da metade das vítimas eram crianças com até 11 anos de idade.

De acordo com artigo de 2020 do Jornal Humanista da UFRGS, a cada 8 minutos um estupro é registrado no Brasil, sendo que 85% das vítimas são mulheres, 70% são crianças ou vulneráveis, e em mais de 84% dos casos o estuprador é alguém “de confiança” ou familiar da vítima. 

 A impunidade e a invisibilidade deste tema, ou, mais especificamente, o silenciamento em torno dos casos, são pilares que alicerçam a abominável cultura do estupro na sociedade brasileira. Enquanto sociedade, nos debatemos para nos livrarmos das amarras do conservadorismo e do patriarcalismo associados a um fundamentalismo religioso. Esse quadro se agravou com o golpe institucional de 2016 e a ascensão da extrema-direita no país, cujos ideais ressoam com o conservadorismo enraizado. 

A exemplo disto é possível citar o caso do Disque 100, o canal nacional de denúncias e proteção contra a violação de direitos humanos, que foi aparelhado na gestão Bolsonaro para perseguir política e ideologicamente profissionais da educação e saúde, segundo reportagem do colunista Jamil Chade. O Disque 100 é uma ferramenta importantíssima no combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, função para a qual foi criado em 1997 por iniciativa de organizações não governamentais. Apenas em 2003 o canal foi institucionalizado, tornado política nacional de responsabilidade federal e ampliado em 2010 para contemplar as demandas de minorias.

 Em memória ao caso da menina Araceli, a lei Federal nº 9.970/2000 instituiu o dia 18 de Maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 

Buscando mais sentido nas nossas relações sociais, na nossa prática pedagógica e primordialmente a defesa das nossas vidas, nós, professoras de escolas públicas, Ana Paula (EE Leonor Quadros/EMEF Sylvio Heck), Elânia (EE Leonor Quadros/EE México) Sháyra (Movimento Olga Mulheres), Vick (Mov. Olga Mulheres) e estudantes da escola estadual Leonor Quadros e municipal Sílvio Heck, iniciamos no mês de março, com o apoio do movimento feminista, um ciclo de atividades com rodas de conversa, escuta e discussão acerca do tema da violência contra a mulher.

Esta ação culminou em ato político no Dia 18 de Maio nas ruas das duas escolas, onde estudantes e professoras, com cartazes e carro de som, gritaram e chamaram a atenção da população sobre a necessidade de nos levantarmos contra violência sexual de crianças e adolescentes. As nossas estudantes, colegas de trabalho, de estudo, familiares, meninas e mulheres precisam falar e querem falar. Às vezes não podem, não sabem a quem recorrer, se sentem sozinhas. O que estamos constatando com a nossa ação é que as crianças e as/os adolescentes se sentem acolhidas e recebem de forma muito positiva a atitude de adultos lhes apoiando e falando com elas e eles sobre esse tema.

Saiba Mais

CHADE, J. Governo é denunciado no STF por usar Disque 100 para perseguição política. Uol, 09 de fev. de 2022. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/02/09/governo-e-denunciado-no-stf-por-usar-disque-100-para-perseguicao-politica.htm#:~:text=%22O%20Disque%20100%20foi%20instrumentalizado,representantes%20das%20entidades%20na%20a%C3%A7%C3%A3o.>. Acesso em 21 de maio de 2023.

CUACOSKY, S. Cultura do estupro: 85% das vítimas no Brasil são mulheres e 70% dos casos envolvem crianças ou vulneráveis. Humanista, 17 de dez. de 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/humanista/2020/12/17/cultura-do-estupro-85-das-vitimas-no-brasil-sao-mulheres-e-70-dos-casos-envolvem-criancas-ou-vulneraveis/>. Acesso em: 20 de maio de 2023.

MEDEIROS, M.S. Disque 100: uma análise da eficácia ao longo do tempo. BDM UnB, Brasília, 2014. Disponível em: <https://bdm.unb.br/bitstream/10483/9295/1/2014_MatheusdeSousaMedeiros.pdf>. Acesso em: 21 de maio de 2023.

Menina estuprada em escola de SP reconhece agressores, diz advogada. G1 Globo, São Paulo, 20 de Maio de 2015. Disponível em: <https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/05/menina-estuprada-em-escola-de-sp-reconhece-agressores-diz-advogada.html>. Acesso em: 20 de maio de 2023.

Imagens: Mauro Castro

Compartilhe:

Escrito por Expresso Periférico

Deixe um comentário