O resgate da comunicação direta no meio da população

Com a expansão de bairros periféricos no contexto de crescimento da cidade de São Paulo, estes foram abandonados à própria sorte pelo poder público. Aglomerações de moradias distantes da região central da cidade foram sendo formadas sem a mínima infraestrutura. A única saída que restou à população foi se organizar em Sociedades Amigos de Bairro, que reuniam moradores absolutamente descrentes com o poder público.

Para conquistar direitos elementares e, também, criar espaços de lazer para uma população desterrada que se encontra na periferia, as Sociedades de Amigos de Bairro, além de reivindicar melhorias básicas, quase sempre buscando um padrinho político  de ocasião, também  criaram o serviço de alto falante para comunicar aos moradores os acontecimentos e a programação das atividades culturais, mobilizações e eventos sociais.

Nos bairros e comunidades periféricas  são também erguidas, a partir das décadas de 1950/1960, comunidades  católicas; pequenas Igrejas que se constituem com múltiplas comunidades e espaços para manter os laços de fé e a cultura  com os estados de origem da população, predominantemente nordestina.

As festas do Santo Padroeiro, datas santificadas e a tradicional festa junina, encontravam no  alto falante instalado  no mastro ou no ponto mais alto da Igreja, o instrumento de comunicação  que veiculava, prioritariamente, os eventos da esfera religiosa.

Inspirado nessas referências e na retomada do contato com ações de caráter popular a partir do Jardim Miriam Arte Clube (JAMAC),  no inicio de 2008 aconteceram as primeiras conversas para criar a Rádio Poste na Praça do Jardim Miriam. Espaço que, historicamente, se tornou referência para os movimentos sociais e para os lutadores populares de toda a região.

Para viabilizar esse instrumento rústico e básico de comunicação direta, fez-se necessário adquirir uma caixa acústica e um gerador. O dinheiro surgiu a partir de um pagamento feito em função de ação  em evento onde o JAMAC estava apresentando o trabalho artístico e cultural que, naquela oportunidade,  já ganhava projeção nacional.

Com o propósito de não ser apenas falas desconectadas com a dinâmica dos acontecimentos da Praça do Miriam, que aos domingos possui uma feira livre de abrangência regional, introduzimos uma banca com livros para serem emprestados. Foi, portanto, o início da biblioteca comunitária que estamos construindo…

A primeira apresentação da Rádio Poste, denominação atribuída à ação na Praça, foi uma aula do Professor Doutor Carlos Machado que resgatou, brilhantemente, a contribuição Negra no desenvolvimento tecnológico do Brasil, quase sempre apagada da história oficial.

Dois anos após o início das atividades, numa ação colaborativa, adquirimos mais equipamentos de som para aumentar o poder de comunicação, o que elevou, também, a intensidade das ações  culturais: a transmissão de música popular, com ritmos diversos, teve como efeito a recuperação da memória afetiva da população que frequenta a Praça aos domingos.

A Rádio Poste na Praça do Jardim Miriam também serviu de referência para a retomada de manifestações em torno das datas que são caras à população trabalhadora e aos movimentos sociais. Dia da Mulher, Dia da Classe Trabalhadora, Dia da Consciência Negra e Dia dos Excluídos, passaram a constituir um calendário de ações periódicas que foram sendo  consolidadas e hoje servem de referência para outras regiões da cidade de São Paulo.

Na pandemia, a Rádio Poste cumpriu um papel fundamental: utilizando carro de som, assumiu o pioneirismo na região, circulando para alertar com relação aos cuidados básicos para inibir a proliferação do vírus. Serviu de apoio à  UBS Jardim Miriam I no alerta para prevenção e também distribuindo álcool em gel e máscaras.

A Rádio Poste também acompanhou as transformações  e a ocupação da Praça do Miriam pela “feira do rolo”, manifestação mais acabada, resultante da crise econômica e do impacto na população periférica. O espaço, que era somente praça, é, aos domingos, palco para venda  e escambo de todo tipo de quinquilharia,  revelando a dramaticidade do desemprego que impacta, sobretudo, a população periférica. É, literalmente, a “venda do almoço para comprar o jantar”, impondo a centenas de trabalhadores e trabalhadoras uma condição de subemprego que os coloca no limite da sobrevivência.

A Rádio Poste conta com o apoio dos movimentos sociais do território, de entidades como o Centro Popular de Defesa dos Direitos Humanos Frei Tito de Alencar Lima, do Jardim Miriam Arte Clube e do Comitê de Lutas por Direitos de Cidade Ademar, Pedreira e Jabaquara.

Como instrumento rústico de comunicação popular, se compararmos com as redes sociais, blogs e canais virtuais, a Rádio Poste cumpre, na sua extrema simplicidade (caixa acústica, alto falante e microfone), papel importante na comunicação direta com a população. Acreditamos que precisa ser aperfeiçoada e, assim, chegar à maioria da população dessa imensa região onde a informação e a cultura passem  a ser prioridade dos diversos coletivos que atuam na periferia.

Imagem: Aguinaldo Pansa e Acervo Rádio Poste

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2 thoughts on “Rádio Poste: comunicação e cultura na Praça do Jardim Miriam”

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