Sérgio de Sousa Pires, hoje, com 52 anos, filho de Sebastião Pires e Cimira de Sousa Pires. Por Sérgio Pires e Mauro Castro

Origem

Sérgio de Sousa Pires, hoje, com 52 anos, filho de Sebastião Pires e Cimira de Sousa Pires, baiana que também chegou a São Paulo no início dos anos sessenta. Seu Sebastião, mineiro como tantas e tantos migrantes que vieram para São Paulo na época em que a cidade estava em avançado processo de crescimento. Chega à Vila Mascote onde passou a morar com uma tia, hoje uma das áreas mais caras de classe média da Zona Sul que, à época, fazia parte da periferia sul, um brejo que ninguém queria.

O mineiro Sebastião encontra-se com a baiana Cimira no parque Trianon e logo contraem matrimônio no final dos anos sessenta.

Sérgio Pires nasce na Vila Carrão, Zona Leste de São Paulo, região em que seu pai adquire um lote, em Guaianazes. A vinda da família para a Zona Sul passou pelo bairro de Moema, onde seu Sebastião trabalhou com caseiro.

A compra do lote na Avenida Santo Afonso se deu num momento em que a região passava por um processo de crescimento e não havia, ainda, as ocupações, que se tornaram generalizadas no território. Em 1968 foi inaugurada a EMEF Antônio Sampaio Doria. Em 1973 a EE Leonor Quadros se transfere dos galpões para o gigantesco prédio que ocupa atualmente e a Avenida Cupecê estava totalmente duplicada. Era o futuro promissor que atraiu a família para o que, potencialmente, seria um grande centro regional, situação que demoraria em se confirmar.

Como filho único, nos anos 1970, e, por conta do trabalho da mãe, Sérgio ficava na Vila Mascote na casa da tia Josefa Romualdo, irmã de sua mãe, transitando entre Vila Mascote e a Santo Afonso. Estudando no Leonor Quadros, que se localizava nas proximidades da Av. Cupecê, já duplicada, colocava em risco a vida das crianças que lá estudavam, principalmente quando desacompanhadas de adultos. Então, a família optou por transferi-lo para a EMEF Habib Carlos Kyrillos.

Essa escola foi determinante na vida do jovem que consolidaria muitas amizades e, também, presenciaria a participação do pai na luta por melhorias do bairro: na Associação dos Moradores da Santo Afonso e Adjacências, na Comunidade Santo Afonso e intensamente na luta pelo primeiro Posto de Saúde do Jardim Miriam. A região era totalmente abandonada, as ruas de terra imprimiam uma marca depreciativa para o território em que, segundo Sérgio, a população se via na obrigação de esconder o endereço de moradia para ser aceito no emprego.

Na escola todas e todos se reconheciam pretos. O bullying era aceito com normalidade e Sérgio era chamado de ceguinho devido ao uso de óculos desde o terceiro ano primário, apelido que acabou aceitando, diferente de muitos amigos que deixaram a escola por conta de apelidos pejorativos.

Nos anos 1980, Sérgio acompanha o crescimento da violência o que o leva a frequentar o CEEI (Centro Educacional e Esportivo Ibirapuera), hoje CEE Mané Garrincha, clube da prefeitura na Avenida Pedro de Toledo e que foi determinante na sua formação. Frequentou todas as modalidades oferecidas. Naquela época, as crianças tinham mais independência, andavam sem acompanhamento, situação inviável nos dias de hoje, apesar de toda a precariedade e poucas oportunidades que eram oferecidas à juventude da região. Por ser filho único, segundo a leitura que faz, foi um dos poucos a terminar o Ensino Médio e, talvez, tenha sido um dos fatores que possibilitou que chegasse à universidade. 

Ainda tendo como referência os clubes esportivos, ao término do fundamental na EMEF Habib Carlos Kyrillos, Sérgio vivenciou a exclusão que a escola pública praticava, não conseguindo vaga nas escolas próximas à Santo Afonso. Alguns amigos e amigas foram para o Martins Pena, outros para o Leonor Quadros e a maioria desistiu de estudar. A Sérgio restou a opção de frequentar uma escola fora do território: o Alberto Levy, na Avenida Indianópolis.

Recuperando as memórias, Sérgio resgata o passado, quando tinha 14 anos. Todos os amigos conseguiam emprego, quase sempre como office boy e ele, apesar de muitos currículos distribuídos, não conseguia colocação. Com o tempo chegou à dura conclusão que a cor da pele era um diferencial. Chega, portanto, à conclusão que o preconceito velado estava na rejeição, imposta no momento da contratação, pois, do grupo de amigos mais próximo, era o único negro. A percepção de que era preto, acontece de maneira clara no 3° ano do nível médio. Quando estudava no Habib, todos os amigos tinham tonalidade da pele próxima da sua, poucos se diferenciavam. Porém, com a paleta da pele mais clara, era chamado pelos amigos de mulato.  Para a época, ser reconhecido como mulato era possuir alguma representação, “valorização” principalmente quando o corpo da mulher negra de pele clara foi objeto de consumo nos meios de comunicação. Logo, Sérgio achava também que não era negro. E, sem dúvida nenhuma, reconhece o racismo estrutural, presente amplamente na sociedade e mesmo no meio familiar.

Conta que, em certa ocasião, numa partida de futebol entre Brancos e Negros, foi sacado do time por passar a bola para um colega preto, o qual foi prontamente rejeitado, e o mesmo aconteceu quando passou para um colega Branco. Foi rejeitado pelos dois grupos em tom de brincadeira, mas, hoje refletindo, fica evidente a falta de percepção de quem é negro numa sociedade que não se percebe racista. Essa situação era muito comum nos anos 1980. Fez o Ensino Médio no Alberto Levy que, apesar de ser escola de passagem, também era frequentada por muitos jovens que moravam no entorno da escola, localizada num bairro de classe média, onde a realidade era totalmente diferente. Época em que se descobriu preto.

Ao término do Ensino Médio, carregando duas repetências do fundamental, a opção era entre cursar Arquitetura ou Jornalismo. Com dúvidas, próprias da adolescência, opta pelo Jornalismo para ser a voz de quem não tem voz, se reconhecendo como periférico. Se propôs a ser a voz da periferia. Como não tinha internet, obrigatoriamente era preciso trabalhar num jornal. Lembra ainda que, para a época, pouquíssimas pessoas tiveram a oportunidade de frequentar uma faculdade, dadas as carências da região.

O transcorrer dos estudos se deu no período noturno, o que causou, por conta da falta de transporte, situações em que, por diversas vezes, quando ficava até 23 horas ou mais na faculdade, tinha que recorrer ao ônibus negreiro, termo que reconhecia ser profundamente preconceituoso. Via na denominação a profunda ligação com os navios negreiros. Nesse transporte se reconhecia como escravo! Era um grupo pequeno: por volta de 20 pessoas que voltavam da faculdade e eram deixados, um a um, no percurso do “negreiro” em toda a Avenida Cupecê. Todos se conheciam! Mostra como nessa imensa região poucas e poucos tinham como frequentar a universidade no final dos anos 1980 e nos anos 1990. Hoje, por outro lado, com toda precariedade, milhares de jovens têm acesso à universidade. 

É, segundo Sérgio, determinante contribuir cada vez mais como jornalista para transformar a realidade de maneira permanente (faz alusão ao teórico marxista Leon Trotsky, que preconizava a revolução permanente) para transformar, também, a periferia em centro, com todos os equipamentos. O Jardim Miriam, que está se tornando centro, deveria ser contemplado com universidade, hospitais, etc. para operar a plena transformação e, assim, constantemente em outras regiões.

Na transição do 3° para o 4° ano, Sérgio, com profunda determinação, envia aproximadamente 50 currículos para o Diadema Jornal. E finalmente a oportunidade chegou! Mediado por um fato inusitado que marcou sua trajetória rumo à tão sonhada profissão de jornalista: o motorista do jornal foi à sua casa buscá-lo para, finalmente, ser contratado a pedido do então editor do jornal, Célio Soares. À época, início da década de 1990, os planos de estabilização econômica estavam acontecendo e a primeira matéria que Sérgio escreveu foi sobre a URV (Unidade Real de Valor), moeda de transição do Cruzeiro Real para o Real. Ficou, portanto, claro que tinha acertado na opção de ser a voz da periferia, concentrando suas pautas nos problemas que faziam parte de sua vida.

A década de 1990

Para Sérgio, os anos 90 foram extremamente difíceis para a juventude da periferia: a chegada das drogas e a falta de emprego, embaladas pela crise econômica do período, tiveram como uma das consequências o aumento exponencial de mortes entre jovens aqui da nossa periferia, como também no estado e em todo o Brasil. São particularmente negros que, às dezenas de milhares, são mortos e, como repórter policial por dois anos, cumpre o dramático dever profissional de cobrir notícias sobre a criminalidade, situação que marcou sua vida. Porém, reconhece que esse período como repórter policial lhe possibilitou um imenso crescimento profissional. Por outro lado, a falta de políticas públicas, a corrupção e problemas sociais diversos como a carência por infraestrutura (esgoto a céu aberto, transporte, educação) impactam dramaticamente na qualidade de vida, o que impõe a necessidade urgente de lutar por direitos básicos.

O jornal O Bairro sendo criado

Em 1996, o assassinato de seu primo abala profundamente a família e, desempregado após a saída do Jornal de Diadema, numa conversa informal com um ex-chefe, o qual faz algumas colocações sobre a profissão de jornalista, dizendo que jornalista é uma formação, não profissão, Sérgio discorda profundamente. E com essa inquietação encontra um amigo de infância, Sidney Barbosa, com quem decide criar um jornal. Os amigos tinham, também, uma tradição de engajamento familiar: com pais que participavam do movimento sindical, os colocavam dentro das mesmas preocupações sentidas por Sérgio e Sidney. Os dois decidiram valorizar o bairro diante das muitas precariedades e necessidades da região.

Cabe ressaltar que a criação do jornal é, também, fortemente inspirada no engajamento e na participação do pai, seu Sebastião, em todas as lutas que eram desenvolvidas na comunidade por melhorias. Junto com o Seu Adriano, o padre Tony e muitas moradoras e moradores do bairro pulsavam a determinação por conquistar melhorias que envolveram, inclusive, a participação de seu Sebastião no processo de fundação do Partido dos Trabalhadores.

À época, o prefeito era Paulo Maluf e a região ainda fazia parte do que era a Administração Regional de Santo Amaro. O jornal O Bairro foi criado nesse contexto.

Para a época, o custo para impressão do jornal era relativamente alto: aproximadamente R$ 1500,00, o mesmo que custa atualmente! Só foi possível mantê-lo na medida em que os patrocinadores acreditavam que o jornal se apresentava como uma voz para contribuir com a resolução dos muitos problemas que a região possuía. As reportagens/matérias e as revisões eram totalmente elaboradas pelo grupo fundador do periódico que saía com frequência mensal. Contava também com um grupo de colaboradores voluntários: produção de matérias culturais, advogado, jornalista para pós-revisão, a fim de evitar problemas legais, tendo em vista que um periódico com essas características pode incomodar pessoas que se beneficiam da situação de abandono dessa vasta região. O periódico circulou entre os anos 1996 e 1997.

Sérgio nos Estados Unidos

No contexto da morte do primo, do abalo provocado na família e ainda desempregado, Sérgio resolve ir para os Estados Unidos em agosto de 1997. O jornal ficou sob responsabilidade de Sidney Barbosa com apoio de Sylvio Micelli.

A estadia nos Estados Unidos foi até o final de 1999. Para Sérgio foi uma experiência enriquecedora. Entrou como turista, se colocando na condição de imigrante e não como intercambista. Longe passou a condição “de burguês ou pequeno burguês” fazendo turismo! A experiência o colocou em contato com uma situação inusitada: por já se reconhecer negro no Brasil, achava que faria parte da comunidade afroestadunidense. Nos EUA os negros são retilíneos. Não se misturam! Os relacionamentos acontecem dentro da própria comunidade para manter a negritude e os bairros são predominantemente compostos por negros, diferente do Brasil que, por razões históricas, produziu uma imensa paleta de cores. 

Como imigrante, foi enquadrado como latino, não negro e nem brasileiro. A organização para garantir direitos se dava na comunidade latina, na qual se envolveu na luta por direitos, inclusive participando nas passeatas e manifestações. 

Tinha um projeto de breve estadia, 6 meses, que se prolongou por 2 anos e meio. Durante esse tempo, estabeleceu contato com diversos brasileiros que, paulatinamente, foram perdendo as raízes brasileiras, os parentes foram morrendo, veio o casamento, filhos e não se reconheceram mais com laços familiares no Brasil. Essas pessoas continuam lutando para ter direito de se tornarem cidadãs: direito à saúde, educação, entre outros. Por conta dessa experiência, Sérgio tem um olhar muito particular com relação ao EUA. Não é uma visão macro de economia e sim uma visão micro, de quem viveu junto aos trabalhadores americanos. O trabalhador comum estadunidense não consegue fazer uma viagem de um estado para o outro. É escravo do cartão de crédito, não tem tempo, está envolvido no consumismo imediato. Esse cenário possui exceções, são aqueles que tiveram oportunidade de estudar. Reconhece que foi uma experiência muito interessante. No retorno, vai trabalhar como jornalista nos jornais do ABC.

Anos 2000: o retorno para jornal.

Nos próximos quase 6 anos, a partir de 2000, Sérgio volta a trabalhar no Diadema Jornal, agora como repórter de política e cidades do ABC. Em 2005, ao fazer uma matéria sobre uma ocupação, um político exigiu sua demissão. Na semana seguinte já estava novamente contratado, agora no Diário do Grande ABC. Este mesmo político, ao saber da contratação, exigiu novamente sua demissão. Com a denúncia e processo do fato através do vereador Wagner Lino (PT) e outros vereadores, a situação provocou, à época, grande repercussão em toda região, caracterizando perseguição ao jornalista por parte da prefeitura de São Bernardo, que era anunciante de jornais na região. No contexto da demissão, Sérgio foi trabalhar como free lancer no Jornal ABCD Maior. Foram quase 10 anos em contato com a política, escrevendo sobre a política do ABC, o que lhe rendeu profundo conhecimento da dinâmica política da região em todos os cenários. 

No transcorrer desse período, prestou concurso para jornalista na Fundação Santo André, no qual foi aprovado e teve experiências magníficas dentro da Fundação como assessor de imprensa. Muitos contatos importantes marcaram esse período. Na área da cultura, educação, do jornalismo científico e também com o professor Ricardo Alvarez, que é atual vereador de Santo André, que foi seu chefe de setor.

Em 2005, paralelo ao trabalho na Fundação, montou o jornal Gol Varzeano junto com o amigo Antônio Carlos para cobrir futebol de Várzea e a cultura da Várzea que ainda era raiz. Como esse trabalho era feito nos finais de semana, faltou fôlego! Depois, em 2015, o projeto se tornou um blog dentro de um projeto mais comercial.

O Gol Varzeano continuou por um ano e foi inviabilizado por dificuldades financeiras. A Várzea também se modificou! O terrão deu lugar a uma nova várzea! Apesar dos pequenos problemas políticos, ainda se mantém como Blog.

Ainda paralelo ao trabalho na fundação, Sérgio criou outro blog: a Gazeta do Bairro, com intenção comercial. Só que em 2015 muito do que era reivindicado na década de 1990 já havia sido conquistado. Todavia, muitos e-mails chegavam para que fosse retomada a linha da reivindicação. Olhando para essas demandas, Sérgio retomou o contato com Sidney Barbosa, agora, para lançar uma revista para contar a história do bairro e a importância do jornal OBairro, com uma visão mais à esquerda. Foram feitas algumas matérias, mas, por falta de patrocinadores, as matérias foram para o site que foi criado e está funcionando até a presente data.

Sérgio compara o projeto com o que é hoje o Expresso Periférico, o qual enxerga muito mais como uma revista e não propriamente um boletim ou um jornal. Reconhece, portanto, ser este um projeto interessante e importante para a região!

OBairro Cidade Ademar, enquanto site, é diferente do Foco do Jardim Miriam e da TV Alvarenga. Esses veículos de comunicação noticiam o dia a dia. Cumprem, ainda segundo o Sérgio, um papel fundamental no processo de comunicação aqui no território.

O jornal OBairro está voltado para o jornalismo profissional, sempre olhando para os dois lados e para o resgate da história. Lembra que no meio da comunicação temos que ficar do lado do mais fraco. Todavia, quem trabalha com a comunicação deve checar as informações. Não necessariamente o lado mais fraco está sempre certo. Lembra que mesmo tendo posição de esquerda, OBairro está aberto a todas e todos que queiram divulgar suas reuniões e atividades, sempre dentro de princípios éticos. 

Para o profissional da comunicação, o jornal de bairro deve ter um formato atual de fazer jornalismo, nas pautas, nas produções das matérias e expandir a visão na parte social e psicológica. Olhar a comunidade e o mundo de forma humanista, resgatando a nossa história como pessoa e, também, do bairro. É preciso trazer uma reflexão baseada na cultura periférica, em nosso dia a dia! Faz parte  desse processo emitir opinião com liberdade de expressão, extensiva a todas e todos. Para tanto, é papel do profissional de comunicação contribuir para construir uma sociedade melhor, disseminando matérias e histórias de forma coletiva, com os vários meios de comunicação que somam com o jornal OBairro dentro do mesmo propósito.

Sérgio professor

Atualmente, trabalha também como professor de Língua Inglesa e Portuguesa da Escola Rosa Inês Borba Moreira. É formado em jornalismo pela Universidade Metodista, Letras pela Faculdade Diadema e pós-graduado em Estudos Linguísticos pela Fundação Santo André.

Imagem: Acervo do autor

Compartilhe:

Escrito por Expresso Periférico

Deixe um comentário