A resistência e a defesa para que a periferia tenha à sua disposição equipamentos públicos é histórica. Por Daniel dos Reis e Mauro Castro

A periferia de São São Paulo e, particularmente, a região de Cidade Ademar, que compreende os distritos de Pedreira e Cidade Ademar, foi ocupada por trabalhadores e trabalhadoras, quase todos e todas vindos da região Nordeste e de Minas Gerais para trabalharem no nascente parque industrial – que adquiriu forte impulso a partir das décadas de 1960 e 1970 e, também, na construção civil, que passou a ter um papel cada vez mais significativo, gerando um volume impressionante de postos de trabalho.
Esses trabalhadores e trabalhadoras, na falta de política habitacional, foram encontrar espaços para moradia nas periferias. Enquanto havia terrenos muitas áreas foram loteadas e outras tantas ocupadas, constituindo imensos bairros não formais.

Foram décadas de abandono por parte do poder público, que passou a suprir as mínimas necessidades da população a partir de muita luta e mobilização.

Em pleno século XXl essas lutas continuam!

A periferia ainda não foi incorporada plenamente à cidade formal. Diante de múltiplas carências, destaca-se o protagonismo, aqui no território, de lideranças como Daniel dos Reis, um lutador por excelência das causas populares. E fica evidente que só através de muita luta, determinação e perseverança uma iniciativa como a criação de um espaço de lazer e cultura encravado no meio da comunidade pode se concretizar. Foi assim que o campinho do BDS se tornou uma realidade para garantir a integração e o acesso ao lazer para a comunidade. Um passo muito importante para a população que reconhece no esporte e na cultura a possibilidade de ser cidadãos e cidadãs com mais direitos. Segue o depoimento do Daniel sobre como a luta garante direitos.

O campo do BDS, localizado no bairro Americanópolis, subprefeitura de Cidade Ademar SP, tem uma história de VIDA muito legal! Eu tinha 5 anos quando eu cheguei aqui na comunidade. O espaço onde o campinho está localizado era um brejo! Tinha muito sapo e mato por todo lado, estava literalmente abandonado! Os moradores foram chegando e construindo as suas casas ao lado desse local que se transformou em um campinho que começamos a usar para brincar e jogar bola. A transformação em “campo oficial” no meio da comunidade foi uma caminhada coletiva. Muitos moradores, entre os quais alguns, infelizmente, não mais estão entre nós, começaram a organizar eventos, torneios, brincadeiras e até campeonatos. Outros deram continuidade e o espaço tornou-se cada vez mais popular, sendo conhecido em muitas regiões para além da nossa comunidade. Por outro lado, essa visibilidade despertou interesse de muitos políticos que, principalmente perto das eleições, se aproximam das comunidades dizendo que irão resolver todos os problemas assim que forem eleitos. Portanto, muitas promessas foram feitas aos moradores. Porém, a população local nunca viu essas promessas serem cumpridas. Os frequentadores do espaço ficavam temerosos quando alguém chegava tirando fotos. Ficavam tristes, com medo de perder o espaço que já se consolidava como única alternativa próxima de lazer.

Lá se vão mais de 30 anos de luta por esse único espaço que a região tem!

Para garantir a efetivação da área do campinho foram feitas várias reuniões com autoridades e empresários mas, infelizmente, não tivemos respostas positivas. Por outro lado, continuamos na resistência. Muitos fizeram chacotas, brincavam, diziam que os moradores não conseguiriam o espaço para a comunidade, mas não desistimos e hoje, para além das práticas esportivas, são realizadas no campo do BDS várias ações que têm impactado na qualidade de vida de uma população que, sabidamente, é extremamente carente.

Muitas instituições, ONGS e agremiações usam o campinho para eventos. É lá também que a Associação dos Moradores da Vila das Pratas promove a entrega de cestas básicas, a festa do Dia das Crianças, a caminhada com os idosos e, aos sábados, o projeto de treinamento com futebol para crianças e adolescentes.

Entendendo a importância de práticas esportivas para a comunidade, estamos buscando emendas na área de cultura, esporte e lazer para os nossos jovens, adolescentes e moradores pois, a única área que a comunidade tem que é reconhecidamente segura. Agora, estamos promovendo um torneio de futsal em homenagem ao saudoso Fernando Carvalho, que era uma grande liderança e um tenaz organizador que lutava para consolidar esse espaço. Como grande lutador, além de tomar conta do campinho, promovia eventos como campeonatos e caminhadas.

Para garantir que o espaço possa ser reconhecido oficialmente pela municipalidade, foi iniciado um processo jurídico na Prefeitura, com a promessa do prefeito de determinar a desapropriação da área. A Subprefeitura de Cidade Ademar está acompanhando as negociações com os donos do terreno. Reforçando as tratativas que correm na esfera do poder executivo, existe um projeto de lei na Câmara Municipal de São Paulo, número 263/2017 para efetivar a desapropriação da área. O projeto se encontra nas mãos do prefeito Ricardo Nunes.

Cabe aos moradores e, em memória a todas e todos que deram parte de suas vidas para conquistar o campinho do BDS, continuar lutando até a vitória!

A periferia tem sim direito ao lazer e à cultura.

Imagens: Acervo pessoal dos autores

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Escrito por Expresso Periférico

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