Série de partilhas coletivas de cúmplices das viagens e verdades desejosas, por Coletiva de Mulheres e Caio Bonifácio*

No último dia 03/09, nós, ousadas ventanias da Coletiva de Mulheres, ocupamos o Ateliê 397. Em mais uma edição do Batuque na Cozinha, fizemos parte da programação da Exposição “Bora lá”. Entrando na ciranda de prosas, Caio Bonifácio, um dos curadores da Exposição, partilhou sua experiência em uma escrita temperada com poesia e afeto. Vem ler o primeiro “Me chamaram, eu fui”, série de partilhas coletivas de cúmplices das nossas viagens e verdades desejosas.

Em um domingão de sol, calor batendo 30°, nos encontramos com a Coletiva de Mulheres no Ateliê 397 para um Batuque na Cozinha. Com a proximidade, as conversas, risadas e o corpo em ação o clima esquentou ainda mais. Pra aliviar o calor, tivemos cervejinhas e água gelada. 

Foi um dia muito gostoso e muito bonito. No começo, arrumação e algumas conversas sobre o caminho entre o Jardim Miriam e a Barra Funda, que as mulheres da coletiva fizeram em uma van. O calor também era pauta. Falo muito do tempo, porque ele também é um estado de espírito. O sol anima e dá também aquela leseira quente.

Conversa vai, conversa vem, vamos colar os lambes! Minha expectativa era ter os lambes nas paredes internas: colamos. Elas queriam mais, então abrimos a porta da frente e deixamos gravado na fachada do 397 as intervenções poéticas da coletiva, as imagens e as forças da ventania. Esse encontro veio para transformar, e a mudança começou aí. Os papéis de reuso nos quais foram impressos os lambes revelaram novas imagens e poemas (páginas não encadernadas das publicações do JAMAC). 

As descobertas começaram aí e seguiram quando entramos e sentamos em roda, nas cadeiras de lata do 397. A mais velha cantou a Jurema para abrir a roda e os caminhos, então seguimos abrindo, cada uma a si mesma. Abrimos a cozinha: lugar ancestral da transmissão de conhecimento, laboratório para experiências gastronômicas, espaço de convivência (pra fofoca, risada, cuidado, desabafo). Essa cozinha da liberdade, do encontro entre mais velhos e mais novos, é a mesma que pode ser lugar de sofrimento (da opressão de gênero ou de uma violência geracional).

Pra mim, a cozinha é um prazer, é onde encontro minha vó que nunca conheci, toda vez que minha mãe diz que ela adoraria ter me conhecido e cozinhado comigo. Fazer compotas, conservas e fermentação natural são coisas que nos unem. Minha avó, uma mulher histórica, realizou na cozinha uma união maravilhosa entre tudo que ela aprendeu com sua mãe, com sua avó e nas casas que trabalhou. Mistura de culinária mineira, paulista, árabe, japonesa…

No fechamento do encontro, a mais velha e a mais nova cantaram, juntas, a Jurema. A Jurema cresceu com todo mundo da roda, acompanhando com palmas e vozes. Assim, fechamos para deixar aberto.

*Caio Bonifácio, nascido e criado na Brasilândia, é artista, curador, professor e pesquisador. Dá aulas de História da Arte no Cursinho Popular da ACEPUSP; foi editor da Revista Tonel, publicação independente de arte; e curador no Ateliê 397.

Imagem: Acervo da Coletiva de Mulheres

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Escrito por Coletiva de Mulheres

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