Fomos umas para as outras, barranco para encostar e o arame que nos prendeu a um amor que é diferente, nos levando de volta ao ninho. Colaboram Renata Freire, Jorge Antonio e Taís Pardo

A Coletiva de Mulheres convida nossas leitoras e leitores a fazerem uma viagem no tempo, num ano chamado 2023. Foi um período de muitas ações, intervenções e partilhas que potencializou a relação entre as integrantes, amigas (os) e parceiras (os) da Coletiva, nos permitindo reforçar a certeza de que toda a transformação em nossa sociedade embasada nas estruturas do capitalismo, racismo e machismo só ocorrerá a partir de ações coletivas.

Na matéria desse mês, convidamos as pessoas a conhecerem (ou recordarem) a trajetória da Coletiva de Mulheres no ano passado, um período com o engajamento em atividades realizadas dentro e fora do nosso território, por meio de convites de parceiros diversos e que provocaram reflexões sobre o fazer coletivo, sobre nossas origens, a importância de reconhecer e validar as variadas formas de conhecimento e as relações intergeracionais como um fator importante para o fortalecimento de vínculos numa sociedade que adoece diariamente pelo excesso de distanciamento e desinteresse entre as pessoas.

Batuque na Cozinha é o nome que damos como primeiro título para todas as nossas rodas de conversa e saraus. Neles, juntamos pessoas de forma descontraída para tratarmos de assuntos sérios e relevantes como as lutas em defesa da vida das mulheres, os engajamentos antirracistas, o combate ao fascismo, a luta de classe, entre outros.

Depois de passearmos um pouco sobre as diversas ações do ano, vamos poder encerrar esse artigo com a participação mais que especial de pessoas que viram o chamado para o último Batuque, que ocorreu em Jundiaí, e estiveram presente. São relatos de Renata Freire, Jorge Antonio e Taís Pardo repletos de afetos e força para continuarmos na luta que sabemos bem… Vai envolver você também.

Então, bora passear pelas estradas da Coletiva?

Para iniciar esse passeio, vamos recordar os textos publicados aqui no Expresso, onde foi possível mergulhar na sabedoria de nossas mais velhas complementando nosso saber para as coisas da vida. Dialogamos também sobre as violências que nos tiram do eixo, mas que não nos impedem de existir e resistir. Isso nos ajuda a ter mais ginga e fazer da escrita forte aliada para mostrar ao mundo que somos potência e sabedoria e que nossa busca é por igualdade de direitos. E mais: se nos convidam, nós vamos e carregamos outras com a  gente. 

Tudo isso, vocês podem encontrar nas matérias anteriores publicadas aqui nesta seção:

  • Viva a sabedoria das ancestrais vivas, viva Josefa Ferreira da Silva;
  • Violência contra a mulher: empoderamento e prevenção;
  • A rExistência tem voz de mulher;
  • Uma capoeirista educadora, com força de Pantera;
  • O dom da escrita;
  • Me chamaram, eu fui: Batuque na cozinha no Ateliê 397.

Teve também o lançamento do nosso livro “Rexistência tem voz de Mulher”, uma publicação da Coletiva de Mulheres em parceria com JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube), Memorial da Resistência, Expresso Periférico, Acervo Bajubá e Selo Agrupamentos. A obra mostra por onde ecoam as nossas vozes, trazendo memórias do período da ditadura com o relato de mulheres no território de Cidade Ademar, Pedreira e Jabaquara, que foram militantes aguerridas no período do golpe civil militar de 1964. Essas histórias nos ajudam a reforçar a certeza de que ninguém vai nos silenciar.

Tivemos rodas de conversa no Sesc Sorocaba, Ateliê 397 e Sesc Jundiaí, refletindo sobre os “Cheiros e Aromas do Brasil para a América Latina”. Percorremos as memórias e lembranças que o perfume das ervas e temperos despertam no nosso imaginário e em nossas realidades. Foi uma experiência sensorial que nos levou a histórias de irmãs, amigas, tias, mainhas e voinhas, nos ajudando a compreender nossos legados e nos conectar às nossas raízes.

Outra iniciativa importante foi o “Cortejo na Casa Delas”, um espaço onde as mulheres aprendem, ensinam e trocam seu saber artístico e cultural extravasando através da arte e da cultura.

Participamos também do projeto ”Avós na História”, com as Mina da História e o Jardim Miriam Arte Clube (Jamac), com narrativas e áudios sobre o papel das avós em nossas vidas, e do “Festival Risco”, um programa artístico diverso e multifacetado que conecta ativistas e artistas para refletir sobre o papel da arte na mudança de narrativas. A iniciativa também busca abrir os corações e mentes e incentivar diálogos necessários para construir um elo de solidariedade entre movimentos e coletivos trans e feministas (@riscofestival).

Realizamos o sarau “Batuque na Cozinha – Nossas Vozes”, no Centro Frei, em parceria com a Casa de Cultura, com participação vibrante das educandas e educandos do MOVA – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos. Participamos também do incrível “Sarau Cinematográfico” no Jamac, a convite das Manas da Casa Delas.

Foi realmente um ano muito intenso e como em nossas vidas reais, passamos por momentos de lutas, lutos, risos, amores, dissabores e, plagiando nossa membra Evinha Eugênia: Este ano, fomos umas para as outras, barranco para encostar e o arame que nos prendeu a um amor que é diferente, nos levando de volta ao ninho. E foi com esse amor que nosso ninho recebeu oficialmente mais três integrantes: Josefa, Marluci e Agatha.

E assim fazemos o caminho, ora deixando e ora agrupando, mas sempre prontas para novas histórias, novos abraços, novos amores que vão muito além do senso comum, nos permitindo vislumbrar uma sociedade verdadeiramente justa para todas as pessoas.

Foi nesse ir e vir que, no Batuque na Cozinha realizado no SESC Jundiaí, em parceria com a Rádio Poste e a convite do JAMAC, nos conectamos com pessoas incríveis daquele território como Renata Freire, Jorge Antonio e Taís Pardo.

Durante a roda de conversa, a troca foi tão potente que, posteriormente, pedimos que eles partilhassem com a gente e com vocês a experiência no nosso Batuque na Cozinha, como podemos acompanhar a seguir:

Renata Freire

“Hoje amanheci mais tranquila e inspirada para pensar e escrever um pouquinho sobre aquela tarde no SESC partilhada com a Coletiva de Mulheres de São Paulo. 

Confesso que o nome do encontro me chamou muito minha atenção e interesse: Batuque na Cozinha!

Minha expectativa era passar uma tarde ouvindo experiências sobre culinária, ervas aromáticas ao som de batuques… Mas para minha surpresa foi muito mais!

Percebi que era um grupo de pessoas muito amorosas e que já se conheciam há muito tempo (essa foi a impressão) por tecerem histórias, lutas e conquistas em diversas áreas como educação, gênero e cultura em um território chamado Jardim Miriam.

Pouco se falou de culinária, receitas e plantas, mas o que aconteceu ali foi uma manifestação natural de afetos regada por canções e poesias com temas variados, mas, sobretudo, a força de mulheres negras e periféricas que resistem, com muita dignidade e confiança, a todo tipo de preconceito. Foi transformador!!!

Confesso que no início fiquei um tanto frustrada por não falarem de plantas, meu interesse maior. Porém, aos poucos fui me sentindo envolvida por sentimentos de acolhimento, amorosidade e gratidão por participar daquela roda de conversa, cujas histórias de vida se entrelaçam feito raízes de árvores de uma floresta madura. Sim, todos se conheciam e moravam no Jardim Miriam, fazendo daquele território, um lugar de pertencimento que fiquei com vontade de conhecer e trocar experiências. ”

Jorge Antonio

“Saudações!

Me chamo Jorge, sou biólogo especialista em saúde pública e educador social.

Tive o prazer de participar do “Batuque na Cozinha” que aconteceu no Sesc – Jundiaí.

Fui atraído para essa oficina pelo nome, pois não sabia do que se tratava, mas como estava com muita fome e li “Batuque na Cozinha”, eu que gosto de um batuque; imaginei: vou curtir um batuque e degustar comida rsrsrs.

No início fiquei frustrado, pois vi que não tinha nem batuque e muito menos comida kkkkkk.

Quando a oficina começou pude compreender o “tom” do conteúdo. Me senti à vontade, pois pude ouvir relatos, experiências, poesias e vivências que de algum modo eram próximas a grande parte da minha trajetória profissional e de militância. 

Fiquei muito feliz e entusiasmado em conhecer os trabalhos e projetos que apresentaram no coletivo. 

Pude compartilhar um pouco da minha vivência nas políticas públicas como apoiador matricial e institucional, além de relatar minha vivência como educador social no CEDECA, vinculado a Pastoral da Criança.

Ao término da oficina, senti um gostinho de quero mais, ou seja, penso que poderíamos ter criado uma comissão / Grupo de Trabalho para pensar em projetos futuros e inserção na dinâmica cidades e regiões para a implantação e implementação de ações intersetoriais.”

Taís PardoFormada em Cinema e Audiovisual, coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benário de Jundiaí. Nosso movimento organiza e acolhe mulheres na luta contra a violência, abusos e exploração! Buscamos a libertação da mulher e uma sociedade socialista.

“O Batuque na Cozinha trouxe uma surpresa e um aconchego na alma que não se encontra facilmente por aí. 

Em um fim de tarde agradável, pudemos falar de coisas que realmente transformam a vida da gente e nos demorar naquele assunto que instiga e revoluciona: Arte direcionada ao povo e feita pelo povo. 

As conversas no encontro reafirmaram o fato de que a arte deve servir à população, emanar de nós que temos tanto a compartilhar uns com os outros. 

A presença das mais variadas faixas etárias enriqueceu a troca de experiências e visões de mundo. Pudemos ouvir poesia e ver as lindas estampas nos grandes tecidos expostos, tecidos que contam histórias e trazem a personalidade da artista que os criou. 

Trocamos ainda figurinhas sobre os movimentos dos quais fazemos parte e é nítido como convergimos nossos interesses para um mundo justo, igualitário e belo. A beleza que mora em um desenho feito em homenagem a uma mãe que já se foi, ou nas palavras de um depoimento sobre a própria vida, nas rimas de um poema, na história de pessoas fortes que lutam por um mundo melhor. 

Conhecer os temperos e ervas tradicionais do nosso Brasil foi levando a conversa para tudo mais que permeia a nossa vida, que nos faz mulheres, que nos faz seres humanos, que nos faz querer apoiar e ser apoiado (a) pelo outro (a).

Mais do que uma roda de conversa, mais do que uma exposição de arte e de história viva: um acolhimento verdadeiro desses que não esquecemos.”

E assim seguimos, com amigas e amigos com os quais transbordamos de afetos e desejos de transformar nossa sociedade numa colcha de igualdades em direitos para que todas as pessoas possam viver em liberdade, sem medo do que das armadilhas do sistema.

Colcha da Vida

Teço versos
Com minhas mãos
E cada verso
É uma emoção!

Como Penélope
Tece sua Colcha
Pra acalentar
Seu coração!

Enquanto espera
Seu amado
Pra não enlouquecer
Suas mãos ágeis
Trabalha!

E em cada fio
Vai tecendo
Seus sentimentos,
Sua emoção
E sua razão!

Assim é a vida!
Quando nossas mãos
Estão ocupadas
Construindo algo
Edificante!
Nossa mente
Deleita-se
De contente!

Fio por fio
Vamos tecendo a vida!

Dias sim
Dias não!
Vamos sobrevivendo
Com muitos
Arranhões!

Nossa Colcha
Muitas vezes
Imperfeitas!
Mas com nossa
Marca!

Pois são feitas
De suor
E lágrimas
De sol e lua!
De labuta
E canção!

Quando o esperançar
Tece o fio.
Da vida!
Nossa Colcha
De retalhos
Fica um pouco
Mais colorida!

Pra nosso amor
Entregar!
Quando ele chegar!

Marluci Ferreira

Imagem: Arquivo pessoal das pessoas colaboradoras da matéria.

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Escrito por Coletiva de Mulheres

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