Uma mulher que luta por sua independência.

Com entusiasmo, empenho, coerência no falar e fazer que a nossa entrevistada do Expresso Periférico vai nos contando e demonstrando a produção de diversos produtos artísticos, pensados e produzidos no JAMAC, como: pinturas em tecidos para exposições, sacolas, camisetas, calças, bolsas, panos de pratos e outros artigos, que além de se sentir como parte do que é criado, é também uma fonte de renda para suas despesas.

Uma mulher trabalhadora, moradora na periferia, Zona Sul de S. Paulo, como milhares de outras guerreiras que vêm para esta cidade em busca de trabalho e realização de seus sonhos. No momento desta redação, 25 de julho, data em que se comemora o dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, o Expresso Periférico se soma ao combate às ideias e práticas racistas contra as mulheres negras e na defesa de direitos e oportunidades iguais entre todas as mulheres e homens.

Menina da labuta
Que veio do sertão
Com garra e valentia
Colhendo algodão
Amando as filhas
Com o filho, a superação.

Me chamo Izabel Gomes, tenho 51 anos, nasci em Itacarambi, ao lado do rio São Francisco, Minas Gerais. A casa onde morava era lá na roça e tínhamos vários cultivos, como: feijão, arroz, milho, mandioca e outras plantações. Aos 8 ou 9 anos, estudava de manhã e à tarde ia colher algodão, num sol de 40 graus. Não nos faltavam alimentos, mas sim outros recursos. Foi quando, com 15 anos de idade, vim trabalhar em Campinas, estado de São Paulo. Depois, voltei à minha terra, levando roupas e outros utensílios para a família. Quando regressei de lá, passei a morar em São Paulo, onde resido há 35 anos.

Somos uma família de 9 pessoas, entre irmãs e irmãos. Tenho 2 filhas, a Rafaela e a Rayana, e 2 netos. Minha mãe e meu pai se casaram muito cedo, os dois na faixa etária de 15 a 16 anos. Meus avós contavam a história de que trabalhavam como escravos nos engenhos de moer cana para fazer cachaça, onde não havia cavalos ou bois para mover a engenhoca, isso era feito no braço mesmo. Minha avó Maria é viva, com 89 anos. Meu pai e meu avô já faleceram. Tive um período muito difícil, quando perdi um filho que foi visitar familiares e acabou se afogando num rio.

Recordando as festas
Um brilho no olhar
Saudade latente
E a vontade de voltar
Muitos festejos
De reis ao boi-bumbá.

Tínhamos muitas festas onde eu morava. Uma delas, que não me sai da memória, é a festa de São Gonçalo, que nunca vi aqui em São Paulo, onde as pessoas, com vestes brancas, passam dentro de um arco e com muita dança. É um pouco parecido com festa junina, de forma que fica muito bonito. Tem também as festas de boi-bumbá e santo reis, todas no mês de janeiro. As festas de São João, que se vê por aqui, nem se compara com as de lá. Tem muita animação, com as fogueiras e as comidas típicas da roça, com a presença de sanfoneiros que tocam a noite toda para o povo dançar.

Atuou em vários serviços
No JAMAC veio encontrar
oportunidades de arte
Trabalhar e estudar
Atriz em curta metragem
Encontrando seu lugar.

Já trabalhei em uma variedade de serviços: casa de famílias, transporte coletivo, açougues, sacolão, joalheria, cosméticos e outras atividades. Meu primeiro contato com o JAMAC foi quando trabalhava na agenda 21, com o Jocimar, plantando árvores pela cidade, quando chegamos nesta rua e fizemos uma reunião com a Mônica sobre este trabalho. Como aqui tinha uma planta ramificada no muro que soltava muitas folhas, falei com a Mônica se não estava precisando de uma pessoa para trabalhar na limpeza do espaço. Coincidiu que ela estava precisando mesmo, aí comecei fazendo alguns serviços, depois fui contratada e estou aqui até hoje.

Panos de prato pintados por Izabel Gomes no JAMAC

Minha vinda para cá foi e está sendo muito importante para mim, tive e tenho muito acolhimento e orientações. Minha estadia aqui se divide em duas fases: trabalhei por um tempo e, quando a saudade de minha terra bateu forte, pedi para ser despedida, porque queria voltar para minha terra e ficar perto dos familiares. Fui aconselhada a não fazer isso, mas não adiantou, fui embora. Dentro de pouco tempo voltei de novo, dei sorte, porque o trabalho estava aqui me esperando. Com incentivo da Mônica e do Bruno, voltei a estudar, pois tinha parado na 5ª série. Assim, fiz o fundamental e concluí o ensino médio também. Aqui se aprende muito, além de fazer pinturas em panos de pratos, já participei de alguns filmes de curta metragem.

Não tolera o machismo
Luta por independência
Sabe da força da mulher
Com ação e consciência
Mesma coisa no racismo
Não aceita ingerência.

Sobre a vivência entre homens e mulheres, a maioria dos homens são muito machistas, tipo assim, o homem fala para mulher: “Você não precisa de emprego lá fora, porque dou conta de pagar as contas, quero uma mulher que faça tudo dentro de casa, deixando tudo prontinho para mim”. Tenho uma amiga que o marido não quer fazer nada dentro de casa, mesmo os dois trabalhando fora. Chegou uma hora em que ela mandou ele ir embora, só assim que ele começou a fazer algumas tarefas do lar. Sou uma mulher que não aceita este tipo de coisas, quero independência e luto pra isso. Quando chegou a este ponto na minha relação, eu disse para o companheiro que ele estava procurando outra mulher, que não era eu.

Sobre discriminação racial, pessoalmente não tive grandes problemas, mas sabemos que mesmo as pessoas negras tendo estudos, estas sofrem discriminação, na hora da escolha para alguma função, onde as pessoas brancas são preferidas. Já fui cobrada de forma oposta, para deixar os cabelos de forma natural, tipo afro. Me disseram que agrido meus cabelos ao serem alisados e fico querendo ter cabelos de branco. Respondi que não é isso, cuido dos meus cabelos e gosto deles assim, faço um bom trato, pra ficar como estão. A pessoa me disse que assim, eu agredia meus cabelos, respondi que eu é que estava me sentindo agredida com as suas palavras.

Povo na periferia
Sem ter onde trabalhar
Falta saúde e comida
Uma realidade a enfrentar
Mesmo assim segue a luta
E nunca parar de sonhar.

Sobre os problemas na periferia, para mim, o mais grave é a falta de oportunidade de emprego. Se a pessoa está empregada, ela não rouba e nem fica pedindo e catando coisas pelas ruas. Embora eu tenha meu trabalho, sei que tem muita gente desempregada. Sem emprego, como as pessoas vão poder comprar comida e outras coisas? Também as pessoas precisam estudar mais, se não fica mais difícil arrumar emprego. As pessoas não têm dinheiro nem pra comprar alimentos e têm que gastar o pouco que têm nas andanças à procura de uma vaga de trabalho.

Meus sonhos aos poucos estão sendo realizados, tenho minha casa, filhas e consegui recentemente tirar minha carta de motorista, coisa que sempre quis, só agora, mais recentemente, consegui a habilitação. Agora falta o carro. Continuo sonhando. Agora almejo fazer uma faculdade. Uma outra questão que quero falar é a necessidade de manter este espaço, o JAMAC. O aluguel e os custos são muito altos, uma vez que ainda não conseguimos comprar esta área, para continuar fazendo as várias atividades culturais na região. Além disso, foi um local que durante a pandemia serviu de espaço organizativo e distribuição de cestas básicas para pessoas que estavam desempregadas e passando necessidades.

Imagens: Acervo pessoal da entrevistada e Bruno O.

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