Uma conversa – e várias indicações literárias – sobre a escolha de ter filhos e filhas ou não. 

Comecei a questionar a imposição do exercício da maternidade nos últimos anos. Para ser mais precisa, esse questionamento aflorou em mim depois que casei e que passei dos trinta anos de idade. Dentro de um relacionamento heteronormativo é frequente a curiosidade de amigos e familiares, ou até mesmo de pessoas que acabamos de conhecer, invadindo intimidades com perguntas desconcertantes como “você tem filhos?” ou “vai ter filhos quando?” e ainda “vai ser mãe-avó?”. E eu nunca sabia o que responder ou, melhor dizendo, eu nunca conseguia sair com tranquilidade dessas intimidações agressivas. 

Com o tempo comecei a perceber que esses questionamentos eram, na grande maioria das vezes, direcionados a mim e não ao meu companheiro ou a nós dois enquanto casal. Percebi também que essas perguntas incomodavam outras mulheres além de mim. Como diz Lina Meruane, no livro Contra Os Filhos, “… o que mais poderia se dizer de nós, as estranhas mulheres-sem-filhos? Continuaremos para sempre tentando nos justificar? Continuaremos respondendo a essa forma sutil de coerção que consiste em exigir esclarecimentos? (…) mesmo que não se tenham na vida, os filhos se têm para sempre na cabeça própria e na alheia. Como a marca de uma ausência (…) ou de um crime imaginário pelo qual as mulheres-sem-filhos são chamadas sempre a comparecer.”.

Essa cobrança vinda de todos os lados me levou a conversas profundas comigo mesma para tentar diferenciar essa exigência social da possibilidade de existir em mim um real desejo de conviver com um filho ou filha. Sobre esse dilema (que sei ser a realidade de algumas mulheres e não de todas), Esther Vivas, no livro Mamãe Desobediente, diz que “quando ser mãe deixou de ser um destino único, surgiu o dilema da maternidade, ou seja, ela se tornou uma opção e um desejo que passa a concorrer com muitos outros, com os quais se concilia muito mal”.

Eu me perguntava porquê as pessoas queriam e exigiam tanto um filho meu. Seria pelo desejo da convivência? Ou por amarem profundamente a existência de bebês? E me inquietava o fato de que muitas vezes essa cobrança vinha de pessoas que pouco se relacionavam cotidianamente comigo e que portanto pouco testemunhariam a existência de um filho meu. 

Fui entendendo que a questão era mais profunda. Não se tratava apenas da existência de uma nova vida. E a Sheila Heti confirmou minha percepção quando me disse, por meio do livro Maternidades, que “Uma mulher precisa ter filhos porque ela precisa estar ocupada. (…) Há algo de ameaçador em uma mulher que não está ocupada com os filhos. Uma mulher assim provoca certa inquietação. O que ela vai fazer então? Que tipo de problemas ela vai arrumar?”. 

São muitas as possibilidades de vida para as mulheres que não tem filhos. Assim como, de formas diferentes, são muitas as possibilidades de vida para as mulheres que têm filhos e uma delas é a luta para ressignificar a maternidade. E Manuela D´Ávila fala sobre isso de forma leve e direta no livro “Revolução Laura”: “Quando engravidei percebi que a sociedade reproduz a ideia de que nós mulheres somente somos plenas se formos mães. Podemos ser felizes de muitas formas. Ser mãe é uma delas.”

Não quero com esse texto versar sobre os pontos positivos e negativos da maternidade na atualidade. Quero apenas reforçar que a maternidade compulsória, composta por um conjunto imenso de subjetividades, segue assombrando e quero também compartilhar vários livros que me ajudaram nessa jornada de autoconhecimento e escolha. Aproveito para pedir encarecida que a pergunta “você tem filhos?” deixe de atravessar as rodas de conversa e de ser direcionadas quase que exclusivamente à mulheres. 

Eu escolhi ser mãe. E por ser uma mãe de colo vazio achei que não teria mais o direito de discutir sobre maternidade compulsória. Parecia que, pelo fato de o meu filho ter morrido, meus questionamentos soariam como inveja daquelas que estão de mão dadas com suas crianças. Hoje entendo que essa é só mais uma armadilha para enfraquecer o diálogo sobre maternidades (no plural). Seguimos problematizando e não impondo. 

Imagem: Renata Gibelli

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Escrito por Renata Gibelli

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