Um dos caminhos para cuidar da saúde mental é não se isolar. E quem está disposta ao encontro?

Desde o Ensino Médio, no final dos anos 90, componho um trio de amigas. Um trio daqueles que a gente propõe tatuar os apelidos da adolescência. A marca da nossa relação se constituiu na confiança. Falar e falar e falar da vida com aquilo que de mais precioso as amigas possuem: a disposição para ouvir.

Quando engravidei, elas comemoraram comigo. Meses depois, quando o coração do meu filho parou, elas seguraram minhas mãos mesmo que à distância. O tempo passou e, durante meu percurso de luto, uma delas engravidou. 

Como reage uma mãe enlutada quando uma grande amiga gesta? Eu sabia abraçar outras mães de colo vazio, escrever cartas para elas e bordar os nomes dos bebês que partiram. Agradecia ao universo quando acontecia o nascimento de um bebê arco-íris, criança que chega após um bebê breve. Mas não conseguia celebrar à vida em um outro contexto.  

Nos afastamos. Ficar perto dessa amiga era estar suscetível aos mais diversos gatilhos da maternagem que não experimentei. Não vi sua barriga crescer, não participei do seu projeto de parto, não palpitei nomes, não escutei suas histórias. E sofri por muitos motivos, principalmente de saudade.

Recentemente escolhemos nos reencontrar. Escolhemos porque conseguimos previamente dizer umas para as outras que seria um momento desafiador e que talvez não desse certo. Provavelmente surgiriam emoções desconhecidas e difíceis de lidar.

E em um sábado quente das manhãs desse setembro estávamos nós na mesa de uma padaria. No início seguimos a linha do “tá tudo bem”. Eu olhava pra gente e pensava na impossibilidade de transpassar a lacuna criada pelo tempo. Acreditei que éramos agora colegas e, em nome de um passado em comum, tomávamos um café com bate-papo.

Até que me perguntaram como eu estava e eu chorei muito e falei muito. Falei do que eu sentia, do medo que tive de elas não quererem estar perto de uma pessoa enlutada e frequentemente triste, detalhei o fato de ainda não saber quem sou após a morte do meu filho. Elas me escutaram, também falaram delas e nesse momento a gente se reencontrou. Com elas eu não fui a mãe invisível. Fui a mãe de colo vazio, que sente dor e não precisa fingir que nada aconteceu. 

Trago essa história aqui porque setembro é mês de uma grande movimentação em torno do tema saúde mental. Buscando mais sobre o assunto, encontrei no site do ministério da saúde algumas recomendações para manter da saúde mental em dia. A primeira da lista é jamais se isole e a última é reforce os laços familiares e de amizades.

Fiquei pensando sobre a complexidade do exercício dessas recomendações. Manter ou retomar contatos sociais após um momento devastador não garante um estado de bem-estar. Muito pelo contrário. Estar perto de pessoas que não validam dores pode dificultar ainda mais o equilíbrio das emoções. Como diz o escritor Gabriel Messias:

Compromisso
é ruim quando não vou, mas pior quando não me sinto presente.

Ou seja, reforçar laços é muito mais do que frequentar as festas de aniversário dos amigos, permanecer nas redes sociais ou mandar bom dia no grupo da família. Se eu houvesse apenas sentado à mesa da padaria com minhas amigas e mantido o nó na garganta que travava minhas angústias, seguiria isolada. Aliás, uma das frases que aprendi com outras mães enlutadas foi: eu te vejo. E ser vista é caminho de cura e autocuidado.

Saiba Mais

é que eu não sou um ator
e se eu sinto dor
tenho que chorar

Sou da geração do “engole o choro”. Aprendemos a segurar e esconder as emoções. Lembro das minhas professoras, principalmente na infância, dizendo “engole o choro” com grande frequência quando um conflito acontecia. Sou também de uma geração que antecede a popularização do conceito e combate ao bullying. Aquilo que a gente não nomeia fica muito mais difícil de enfrentar e éramos crianças e adolescentes orientados a ignorar as violências que vivíamos.

Escrever esse texto sobre a importância de criar espaços para falar das emoções me levou até a música AVISA, gravada pelo grupo Fala Mansa, que apresenta um chamamento à necessidade de ver e ser visto.

Quero ver, quem segura essa barra
Até a hora que eu voltar
Vou sair, pra preencher um vazio no peito
Tô meio sem jeito de falar
Quero ver, se eu cair agora
Quem é que vai me levantar

Dedico esse texto a essas duas amigas da minha vida. Não consegui trazer aqui nem um terço de tudo que gostaria de dizer sobre o simbolismo desse (re)encontro. Sinto que cruzei um portal e me tornei mais forte porque posso ser eu mesma ao lado delas. E essa força veio do amor, da disposição e das palavras da mais velha do trio me dizendo “você consegue, vai ser bom para vocês duas”. E agora deixamos de ser trio e somos cinco: nós três, uma bebê no colo e outro bebê nos corações.

Imagem: Gabriel Messias

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Escrito por Renata Gibelli

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