Ancestral viva, Josefa Ferreira da Silva é descendente de povos originários e aos 82 anos realiza e inspira sonhos em suas mais novas…

Sempre fomos nós! Nós mulheres sempre caminhamos com as nossas, nossas ancestrais, nossas avós, mães, filhas, irmãs de sangue ou apresentadas pela vida.

A fala das mais velhas foi luz e direcionamento, abertura de caminhos que mostraram nossa abundância enquanto mulheres. A voz de nossas mais velhas ecoa em nós e em algum momento, se torna a nossa própria voz. Companhia para dias de abundância e de escassez, de riso e de choro sentido, de autoamor e de busca profunda por tentar saber quem realmente se é. Resgate do eu, muitas vezes ferido.

Indo contra esse movimento de valorização e reconhecimento da importância das mais velhas, seus saberes e memórias, está o etarismo, um conjunto de estereótipos e discriminações em relação à idade de um indivíduo. Quando este indivíduo é uma mulher há ainda outros atravessamentos, o machismo e o racismo, por exemplo, que inferiorizam, tentam silenciar as vozes femininas e matar sua subjetividade e corpos físicos. 

Há 82 anos uma voz nascia, era Josefa. Josefa Ferreira da Silva, natural do município de Palmares em Pernambuco, nasceu no ano bissexto no dia 05 de setembro de 1940. Mulher filha da terra, signo de terra, pés no chão, saberes enraizados por suas mais velhas. Mulher do campo, descendente dos povos originários Pankararu, cresceu às margens do Rio Una e seus pais foram colonos na Usina 13 de Maio, uma usina de cana-de-açúcar.

Chegou em São Paulo com o marido Severino em 1972 e assim como muitas migrantes nordestinas, buscava melhoria de vida. O primeiro bairro em que morou foi Americanópolis. O marido Severino era torneiro mecânico da antiga Matarazzo, onde sofreu um acidente e se aposentou por invalidez. Anos depois, Severino faleceu. 

Consciente, militante, desbravadora à frente do seu tempo, Josefa criou quatro filhos; Zezinho, Marilene, Marileide e Alexandre. Trabalhou em casas de família, vendeu alimentos, lingerie, utensílios para casa, fez tudo que estava em seu alcance para dar dignidade à sua família após a viuvez. Esse momento em que redescobriu sua potência como mulher e trabalhadora. 

“Primeiro lugar que o marido não tem que mandar na gente. Se você olhar antigamente, se tivesse qualquer tipo de problema com seu marido e chegasse em casa fosse falar com a sua mãe, pro seu pai, ele ia falar que mulher casada não pode se separar, tem que aguentar e respeitar o seu marido. Se separar na minha casa eu não quero, que eu não quero mulher desamparada. Quer dizer, você com todo aquele sofrimento da sua vida no casamento e é pra sempre? Você ia fazer o que, menina? Você não tinha ninguém. Ninguém pra te amparar pra te dizer uma palavra, pelo menos uma palavra amiga. Hoje em dia todas as mulheres, pela luta das mulher, por tudo que elas estão lutando e por tudo que elas lutaram elas devem se sentir vitoriosa.”

Forjada na Umbanda, filha de Oyá e Caboclo Urubatuba, é também Madrinha Josefa. No início da década de 70 abriu seu terreiro no território de Cidade Ademar, o Templo de Umbanda Caboclo Urubatuba filiado à Associação Paulista de Umbanda. Benzedeira de longa data, conhecedora das propriedades e saberes das ervas e plantas, recebe em sua própria casa, pessoas em busca de cuidados físicos e espirituais, de crianças a idosos. Doa seu tempo e sua energia como missão de vida, doa seu axé e ajuda a desenvolver outras pessoas em seu caminho espiritual. 

“Cada pessoa que nasce tem o destino dele, tem o destino dela. Um nasce pra estender a mão, outro nasce pra cortar a mão daquele que estende. Não é cortar com a faca, é não ligar pra necessidade do outro. Então, que todo mundo lute pelo seu objetivo e se puder ajudar, que ajude.”

Foi alfabetizada aos 65 anos e com a humildade de quem sabe muito, costuma dizer que não sabe ler e escrever, mas logo é lembrada pelas mulheres que caminham com ela (filha, neta) que sabe, sim ler e escrever. Lê os salmos, as histórias de vida de santas e santos, trechos de um livro que gosta muito sobre ecologia e proteção do meio ambiente. Carrega a sabedoria de uma intelectual orgânica, que bebeu da fonte da vida, que aprendeu vendo, ouvindo os recados de sua ancestralidade. Mestra e aprendiz.

Sempre foi empreendedora, hoje faz sabão à base de óleo reutilizado, sempre preocupada com o meio ambiente como todo descendente de povos originários.
“Como é grande o poder da natureza”, sempre diz Josefa.

Também faz panos de prato decorados para vender. Apesar de hoje ser uma mulher aposentada e pensionista, continua produzindo e em constante movimento, como ela sempre diz “Não podemos parar!”.

“Eu me sinto muito bem como eu estou, certo? Sendo umbandista e benzedeira, cuidando dos filhos quando me procura, me sinto muito bem fazendo os panos de prato e ser feliz com meus filhos, com todo mundo, estar todo mundo junto.”

Atualmente moradora de Cidade Ademar, Josefa tem 7 netos, 11 bisnetos e a família continua crescendo. Josefa é ancestral viva dos seus. Viva Josefa!

Imagem: Andressa Maciel

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Escrito por Coletiva de Mulheres

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