O que a reforma do Ensino Médio propõe para o mundo do trabalho?

Em anos anteriores, nesta data, o Expresso Periférico apresentou dados sobre desemprego, denunciou a reforma trabalhista e resgatou a história do primeiro de maio. A memória é política e faz com que o sujeito pense sobre si e sobre o que é capaz. Aqui na região da Zona Sul nada foi construído sem antes haver luta por parte da classe trabalhadora.  Saúde, transporte e aparelhos de cultura, tudo isso, só existe porque houve mobilização popular, porque pessoas saíram de suas casas revoltadas com a falta de dignidade e se organizaram em busca de direitos. Eram pessoas como você, que passavam horas no ônibus para chegar em casa depois do trabalho e gastavam as últimas forças para se articular com vizinhos para a reivindicação de escola e posto de saúde para os filhos. Heroínas e Heróis vivos que dificilmente terão seus nomes em praças públicas, mas que ainda vivem entre a comunidade.

Há alguns anos, no entanto, um movimento ideológico fortíssimo vem alimentando o individualismo,  dizendo que o caminho de sucesso é ser “empreendedor de si” a ponto de, ao trabalhar para um aplicativo de transporte ou entrega, a pessoa se tornar “sócio” e não funcionário. Um movimento que apoiava frases como: “Não pense em crise, trabalhe”. Frases como essas são sementes que vêm sendo cultivadas muito mais cedo do que é possível imaginar e contribuem para a desarticulação da classe trabalhadora. 

Sabe-se que hoje que as entidades empresariais capturam o controle das políticas da educação básica. Grandes instituições particulares arregalam os olhos para a educação pública e possuem forte influência sobre os caminhos do país. Todas tentando convencer você de que o mundo mudou e é preciso “adaptar-se a ele” com competências socioemocionais que formam o novo sujeito. Todas com a intenção de ensinar seus filhos a terem  “tolerância ao estresse, tolerância à frustração e autoconfiança, ligadas a comportamentos que podem favorecer melhor adaptação ao ambiente” (Ideias para o desenvolvimento de competências socioemocionais, publicado pelo Instituto Ayrton Senna),  mas, ao mesmo tempo, são esses grupos que apoiam uma reforma do Ensino Médio que precariza a educação, impede a construção de pensamento crítico, retirando aulas de Sociologia, História e Geografia, além de reduzir as de Língua Portuguesa. Quem é que vai ter mais dificuldades de acessar a universidade dessa forma? Ou você acha que os estudantes de grandes escolas particulares terão menos aulas das áreas do conhecimento já citadas?  Sendo assim, o que os filhos da Zona Sul serão ensinados a “tolerar”? A que tipo de “ambiente” estes jovens terão de se adaptar?

O presente jornal te convida a compreender, há anos, que o problema não está em você, que não sabe “fazer o jogo” do empreendedorismo, que não sabe se adaptar às novas condições do mercado de trabalho, ou mesmo não é capaz ou qualificado o suficiente para ter as condições que merece. O problema não é o jogador, o problema  é  o jogo, esse sim está errado.

O mundo mudou, muda e mudará, mas nunca passará por transformação sem a presença das mãos calejadas e valentes daqueles que têm menos. Lutou-se muito para que crianças e adolescentes tivessem escolas, agora luta-se muito para que tenham direito a uma educação de qualidade que os faça pensar em sua condição e lugar, que dê a eles a chance de escolher, que resgate os nomes daqueles que lutaram por saúde, educação e cultura em seu território, enfim, que trate de solidariedade e consciência de classe.

Não dá para falar do primeiro de maio sem retomar a situação das 150 pessoas resgatadas em situação análoga à escravidão, no Rio Grande do Sul; também não se pode esquecer da denúncia a respeito das 5 pessoas em situação análoga à escravidão no festival multimilionário LollaPaloza aqui em São Paulo e tampouco sobre a situação daqueles que tiram o pão de cada dia trabalhando para aplicativos de entrega, transporte, limpeza, etc. Foram grandes empresas as denunciadas por trabalho escravo. A que tipo de condição os jovens estarão submissos sem uma educação de qualidade? Como poderão refletir sobre essas condições com esse projeto de reforma do Ensino Médio?  As conquistas trabalhistas vieram da indignação, luta e coletividade. Nenhuma conquista trabalhista nasceu da resiliência, aceitação ou mesmo jogando tudo nas mãos de Deus. Foi o pensamento crítico, a organização política e a solidariedade que trouxeram a dignidade ao povo.

Fotografia: Bruno O.

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Escrito por Gabriel Messias

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