Ditadura Civil-Militar no Brasil: denunciar e anunciar o futuro

Todo ano, dia 30 de outubro, a gente se reúne, vai lá na frente da fábrica, que era a fábrica, hoje é um condomínio que tem lá e escreve: “ aqui foi assassinado o Operário Santo Dias pela Polícia Militar”. Então eu acho que essa coisa da denúncia de como é fundamental, de estar presente , de estar denunciando, estar anunciando também o futuro, que é possível ter uma outra, um outro projeto de vida que não é esse sistema aí capitalista tão truculento que só gera violência, morte, tudo a troco do lucro. Então, eu acho que essas memórias também são importantes.

Livro: Rexistência tem voz de mulher

Esse é um trecho de um dos muitos relatos presentes no livro “Rexistência tem voz de mulher”, organizado pelas lutadoras do território: Evinha Eugênia, Florencia J. Castoldi, Marilene Geronimo e Zulmira Fonseca. O livro resgata a memória das mulheres de luta do território e conta a história de um dos piores períodos do país, a Ditadura Militar. Ainda sobre o excerto cabe a pergunta: Como pode a preservação da memória “anunciar também o futuro”?

Há uma já conhecida Adinkra africana, Sankofa, que faz a reflexão sobre voltar-se ao passado para projetar o futuro. Em sua versão mais famosa, vê-se um pássaro curvando o pescoço para trás e resgatando um ovo, elemento que poderia simbolizar o futuro. Com essa imagem é possível pensar na importância de recuperar a memória e, além de compreender o impacto dessa no presente, projetar e/ ou considerar um futuro afetado por ela. De fato, um exercício difícil quando se pensa em um país inteiro, mais ainda ao se referir a história dos oprimidos que nunca tiveram direito a voz. A luta, como você bem sabe, cara leitora, caro leitor, é cotidiana e árdua. Dessa forma, a atitude do Governo Federal em “evitar” eventos oficiais a respeito dos 60 anos do golpe militar é mais um movimento que contribui para o apagamento desse passado ainda não resolvido. Para nós, cada oportunidade importa.

Se, na gestão anterior, os então responsáveis comemoravam e exaltavam os crimes dessa época, os que agora atuam no poder não deixaram espaço para que seja feita, de maneira oficial, a denúncia do que foi o regime militar, bem como trazer novamente à tona os nomes dos desaparecidos, o luto e a busca por justiça. Não se trata de “remoer” o passado distante, mas de combater um mal que segue vivo no país. A dor da mãe de periferia que tem o filho assassinado pela Operação Escudo na Baixada Santista sai do mesmo coldre que criou o slogan “contra a pátria não há direitos”, ou dos interesses da classe média na “marcha da família com Deus”. Estamos falando aqui de um projeto de país, que também é um projeto de extermínio.

A resposta do atual Governador do Estado diante das denúncias de letalidade da polícia feitas à ONU foi: “tô nem aí”. Muito semelhante à fala do ex-presidente diante do número de mortos pela COVID em 2020: “E daí?”. Ambos do mesmo campo político, defendendo uma ideologia que se fortalece no período da ditadura militar e que hoje vem à superfície com o mesmo discurso: “Deus, pátria e família”. Será que falar sobre os 21 anos de ditadura é remoer o passado?

Reafirmar os crimes da Ditadura Civil-Militar, resgatar sua história, é trazer nitidez aos acontecimentos do presente e se responsabilizar pelo futuro. Segundo Eugênia Gonzaga, procuradora da República e ex-presidente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), em entrevista ao Brasil de Fato: “A forma de transição que o Brasil fez da ditadura para a democracia não foi uma ruptura. Foi uma transição completamente coordenada e controlada pelos próprios militares…” O assunto não está encerrado, esse passado vive e ameaça a democracia ainda hoje. 

O Expresso Periférico sempre lutou nas ruas e nas redes pela preservação dessa história no território. Hoje, não menos do que antes, a luta contra a ditadura e o fascismo é urgente, não apenas pelos desaparecidos, pelos casos como o do Santo Dias, mas contra o projeto de país defendido pela extrema direita. A memória é ferramenta de luta. Não esqueceremos dos 21 anos de opressão, faremos isso para que jamais se repita. Nunca mais.

Imagem: Geledés

Compartilhe:

Escrito por Gabriel Messias

Deixe um comentário