Primeira parte do especial sobre o educador Paulo Freire. Por Bruno O.

Na última reunião de pauta do Expresso Periférico, foi lembrado por diversas pessoas participantes que nascia em Recife há 100 anos, em 19 de setembro, o educador e filósofo Paulo Freire. Caso estivesse vivo, seria raro não o encontrar em nossas reuniões: entre militantes e trabalhadoras e trabalhadores da educação, cultura e saúde, debatendo comunicação e formação política nas bordas e para as bordas da cidade de São Paulo. Da celebração do centenário de seu nascimento, surge a proposta de um dossiê sobre o velhinho de barba branca e cabelos longos homenageado em muitas das paredes de escolas, bibliotecas e centros comunitários do país.

O educador pernambucano, falecido em São Paulo em 1997, tem sido considerado um grande alvo pelo atual presidente Jair Bolsonaro e por diversos dos membros de seu governo. Chamado de energúmeno e doutrinador marxista, Freire teve sua produção acusada de propagar ideias perigosas. 

É sobre essas ideias perigosas que queremos falar nesta série de textos. Sua produção, para além das concepções popularizadas de uma série de paradigmas teóricos ou métodos, são reflexões sobre a prática educativa popular, política, filosofia da educação e transformação social. Ao longo dos próximos meses, iremos falar sobre algumas de suas ideias a partir de nossas experiências. Para além desse grande monumento da educação que se tornou (grandiosidade que talvez não seria do agrado do próprio educador), Paulo Freire representa uma dedicação permanente com a luta pela mudança e contra as opressões.

Na conferência de abertura de um congresso em 1981, publicada posteriormente no livro “A importância do ato de ler: em três artigos que se completam” (acessível aqui), Paulo Freire aborda de forma sintética algumas das premissas de seu trabalho e a noção de vivência da educação como prática efetiva, concreta e real de libertação. A educação popular é, sobretudo, uma prática com foco na emancipação dos seres humanos e na tomada de consciência coletiva sobre a realidade, devendo ainda se basear em um processo permanente de diálogo e observação crítica da realidade.

O texto que abre o livro é muito precioso e dele vem o título desta série de textos. Freire, para reconhecer a importância do ato de ler, nos lembra que todas e todos lemos o mundo antes de ler a palavra escrita – e que essa palavra escrita jamais pode dispensar essa experiência do mundo. 

É “palavramundo”, afirma.

Ao retomar sua trajetória com a leitura, constrói a ideia de uma aprendizagem a partir do mundo e de que seus primeiros textos, palavras e letras eram encarnados no “canto dos pássaros – o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia: inventando lagos, ilhas, rios, riachos”, assim como em muitas outras imagens, sons e cheiros. Dessa intimidade com o mundo, logrou decifrar a palavra escrita e entranhar seus significados, sem sobrepor suas leituras ou apagar experiências.

É justamente aí que reside o grande perigo de seu pensamento: o canto dos pássaros produz uma política nas palavras que a reprodução mecânica de sílabas não é capaz. Conceber a aprendizagem a partir da experiência do mundo é também reconhecer a necessidade da percepção crítica e da interpretação, de uma reescrita não alienada das palavras e do mundo. O perigo está no fato de que o canto dos pássaros engendra nas leituras do mundo movimentos de ação direta de defesa e garantia da vida.

https://www.youtube.com/watch?v=a4QpxjFVYkQ

Para saber mais sobre as aves da cidade de São Paulo, acesse o livro “Aves da cidade de São Paulo”.

Imagem: Bruno O.

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Escrito por Expresso Periférico

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