Conto escrito por Celsa Paixão.

Ainda não amanheceu… lá no sitio tudo é silêncio,

Sofia desperta ainda sonolenta:

– Ai, ai meu Deus, quem me dera dormir mais um pouco.

Dá uma olhada nos cinco filhos que dormem amontoados, mal cobertos.

Ainda em meio à escuridão, vai à cozinha, raspa o fundo do pote.

Retira um pouco d’água e molha o rosto para espantar o sono mal dormido.

Dá uma olhada no tempo, mas nada enxerga além da neblina.

Fecha a porta do velho barraco e sai apressada. Precisa chegar ao trabalho antes das seis.

Tem que chegar

Antes do padeiro

Antes do leiteiro

Antes do lixeiro

Sofia sai apressada. O vento gelado bate em seu rosto.

Cabelos esvoaçados, mal penteado, vestido rústico, surrado.

Sandálias gastas, passos largos, lá vai Sofia entre becos, guetos, invasões. Passa pela Praça dos Três Poderes, Rua dos Cardeais. Encontra Floriano Peixoto, Rui Barbosa…

Para, descansa em frente à matriz, mas não há tempo para contemplar santo nenhum. Faz o sinal da cruz. Deus nosso-senhor seja louvado!

Tem que chegar

Antes do padeiro

Antes do leiteiro

Antes do lixeiro

Apressa o passo. Há quilômetros por percorrer entre Cidadania, Democracia, Avenida da Igualdade. Precisa chegar antes do amanhecer. A Casa Grande não pode esperar!

Na esquina da Rua Primeiro de Abril alguém grita:

– Sofia, espera! Sabe que dia é hoje? É 13 de maio. É um dia muito importante pra nós.

E Sofia apressada: – minha patroa disse que não é dia santo.

Não há tempo pra prosa.

Tem que chegar

Antes do padeiro

Antes do leiteiro

Antes do lixeiro

Ainda há uma longa caminhada até a Rua da Abolição.

Sofia corre.

Corre Sofia! O filho do Doutor não pode se atrasar para o colégio.

Sofia precisa chegar a Casa Grande antes do amanhecer… antes das seis.

Antes de todos.

Imagens: Bruno O.

Gravação em áudio: Michele Santos

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Escrito por Expresso Periférico

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