Por Steffano Esteves, Celso Marçal Jr., Stephanie Goede e Giovanni Giocondo

Nós, do Cursinho Popular Construção, junto com outros cursinhos populares, buscamos atuar junto aos jovens das periferias para garantir o direito ao estudo e ao acesso da universidade. Aí cabe o questionamento: o que é ser jovem, afinal?

As definições mais comuns vão desde o fator da idade, é claro, passando pela situação de pressão entre infância e vida adulta e chegando até a questão de ser um período onde a pessoa “ainda tem alguma chance”, isto é, associação da juventude com um período da vida com maior potencial de transformação.

No entanto, é interessante lembrar que o próprio conceito de juventude é uma construção cultural do último século, já que antes considerava-se o jovem apenas um “miniadulto”. Hoje em dia, existe um processo de passagem mais rápida ou mais lenta para a vida adulta, que envolve diversos marcadores sociais como trabalho, casamento, constituição de família e filhos, sair da casa dos pais, começar a pagar as próprias contas, etc. Aí já reside um dos principais pontos de tensão envolvendo o estudo: a permissão/possibilidade ou não para o jovem adiar a entrada “completa” no mercado de trabalho, alongando os anos de estudo – costumeiramente chamado de “moratória juvenil”. Esse alongamento, além da própria expectativa de melhores empregos no futuro, envolve também ampliar um momento que permite experimentação e possíveis mudanças de direção na vida.

Nesse quadro é que aparece uma das principais questões de atuação dos cursinhos populares, que é uma espécie de “cabo-de-guerra”, buscando convencer os estudantes a continuar tentando até conseguir uma universidade mais conceituada ou com mais auxílios, em vez de entrar na primeira em que for possível. Essa disputa envolve, dentro da casa, as pressões dos pais para que entrem logo em alguma universidade, de tarefas domésticas – ainda hoje muito concentradas nas mulheres da casa -, e também pressões do mercado de faculdades particulares, com campanhas agressivas de marketing portando mensagens apelativas, em contraste com a cobertura midiática geralmente negativa feita das universidades públicas.

Além disso, é essencial lembrar que tal “moratória” dos pais é mais comum para famílias brancas (setores médios), justamente as que têm mais pessoas em volta que frequentaram cursos universitários, o que mostra a continuidade de um caráter racial dessa divisão dentro da classe trabalhadora.

Aí reside outro ponto de atenção para nossa atuação como cursinho, pois os que se matriculam nos cursinhos populares já não costumam ser os estudantes mais marginalizados no ambiente da escola pública, algo que, se não tivermos cuidado, pode vir a reforçar o discurso meritocrático entre esses jovens. Isso é importante especialmente considerando a tendência dos próprios jovens obrigados a trabalhar cedo incorporarem visões conservadoras, vindas dos adultos, de que essa disponibilidade para o estudo é uma “mordomia” ou, no caso de estarem nessa situação, que “não podem reclamar”, minimizando as próprias dificuldades e subvertendo a noção de direito ao descrevê-la como “privilégio”.

Não compactuamos com essa visão, pois consideramos o estudo um direito de todos, especialmente dos jovens, e nossa atuação como cursinho popular tem sido sempre no sentido de ampliar esse direito, fortalecendo as relações com todos que desejam o mesmo.

O texto acima foi adaptado por Steffano Esteves, Celso Marçal Jr., Stephanie Goede e Giovanni
Giocondo a partir de um encontro de formação de educadores realizado pelo Cursinho Popular
Construção em 8 de maio de 2021. Agradecemos imensamente à colaboração do camarada Eduardo
Nascimento, pesquisador da USP, na mediação desse encontro.

Imagem: Acervo Casa 1

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Escrito por Expresso Periférico

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