Lutar pelo direito de morar!

O nosso entrevistado do bairro, do mês de fevereiro, é o trabalhador João Raimundo, morador da Chácara do Meio, ao lado do Parque dos Búfalos, no Jardim Apurá, Zona Sul de São Paulo, onde reside desde meados dos anos 90. Região esta, como parte das áreas de mananciais, e que vem sofrendo grandes alterações na ocupação do uso do solo, principalmente com a implantação do Conjunto Residencial Espanha a partir de 2015, como já divulgamos na 5ª e 7ª edições do Expresso Periférico.

João, como a grande maioria da população que vive nas regiões distantes do centro urbano, por um lado, sofre devido à falta de serviços públicos de qualidade, devido ao descaso das autoridades responsáveis, e, por outro, devido à pouca participação e organização da população para cobrar e fazer valer seus direitos.

Nos seus colóquios, além da história pessoal, Raimundo relata um pouco sobre os moradores deste loteamento que precisaram pagar por duas vezes o espaço onde moram e aborda também sobre: o Parque dos Búfalos; situação da classe trabalhadora; discriminação racial; mulher e machismo.

Meus pais eram migrantes.
Vieram de Minas Gerais
Nasci nas terras da garoa
Vivo em áreas de mananciais
Não tive outra opção
Faltou políticas habitacionais.

Nasci em São Paulo, meus pais vieram de Minas Gerais, tenho 61 anos, sou casado e já vivenciei muita coisa. Passei por várias experiências de trabalho: engraxate, office boy, feirante, oficina mecânica e marcenaria. Na época, fiz o curso de datilografia e comecei a trabalhar em um escritório de seguradora. Parcialmente, estudei contabilidade e, como tinha habilidades, fui me especializando na área de seguros. Me profissionalizei nesta área e passei a trabalhar como corretor de seguros, onde continuo trabalhando até hoje.

Na área onde moro, denominada Chácara do Meio, os moradores e moradoras foram enganados por um falso proprietário que vendeu os terrenos. Quando apareceu o verdadeiro dono, as pessoas tiveram que negociar e comprar a área novamente. Através da nossa Associação de Moradores, depois de um longo processo de lutas, ainda não conseguimos a regularização plena do imóvel. Recentemente, contratamos uma empresa para desmembrar os lotes e, junto à Prefeitura, fazer os procedimentos legais para que cada morador tenha a sua escritura. A documentação que temos é de uma área única e isto tem nos trazido problemas com o poder público para implantar melhorias, como a instalação da rede de esgoto, uma vez que legalmente estamos como sendo uma área particular, sendo que moram 240 famílias neste espaço.

Raridade na periferia
Quem vê fica encantada/o
De um lado Mata Atlântica
Do outro, tipo Cerrado
Pássaros sobrevoando
A natureza pedindo cuidado.

Ainda sobre a nossa região, temos ao lado o chamado Parque dos Búfalos, de uma área que sobrou após a construção do conjunto residencial, onde, desde de 2015, foi aprovado  um projeto para o parque. Mas a Prefeitura não o implantou. Como a Prefeitura não cumpre o seu papel, são os moradores e moradoras que têm feito mutirões de limpeza das trilhas, plantações de mudas de árvores e combate aos incêndios, além das idas e vindas de um grupo de pessoas, junto aos poderes públicos, cobrando a implantação do parque. Recentemente, foi publicado em alguns meios de comunicação que em breve serão iniciadas as obras, mas concretamente até agora não saiu nada.

A classe trabalhadora 
Sofrendo a exploração
Quanto mais tecnologia
Maior é a exclusão
Cortaram verbas da saúde
Moradia e educação.

Com relação à classe trabalhadora, essa está sofrendo muito, porque a inflação está comendo os salários e a situação está ficando cada vez mais difícil. Outro fator é a educação que tem piorado muito. O estado não quer investir na formação da juventude, onde os jovens não repetem de ano, mesmo não sabendo matemática e português. A classe dominante não quer que os jovens tenham boas escolas. Sendo assim, boa parte dos jovens não consegue emprego, estão vendendo balas nos faróis, entregando panfletos ou estão em empregos de terceira categoria. Junto a isso, houve  as mudanças de tecnologia e o trabalho remoto, onde se trabalha mais e os empresários pagam menos. Também, o governo não tem uma política de fixar as pessoas no campo. O fato é que estamos numa situação igual à escravidão.

O racismo e preconceito 
São filhos da mesma criação
Exclui pessoas negras
Nos momentos de inclusão
Violenta as mulheres
Repetindo a escravidão.

Na questão do racismo e discriminação com relação à população negra, nordestinos, gente obesa e pessoas que vêm de outros países, como da Nigéria, essas são rejeitadas na hora de arrumar emprego. Embora se possa apresentar o currículo, mas, na hora da seleção, estas pessoas são rejeitadas. Eu mesmo, por ser negro, já passei por algumas situações dessas. Uma vez peguei o anúncio no jornal, fui fazer um teste em um escritório de contabilidade e não fui aprovado. Peguei outro anúncio e fui fazer um teste em outro escritório, com as mesmas questões, e consegui a aprovação. Me mandaram levar os documentos para registro e o escritório foi o mesmo onde eu tinha sido reprovado e que pertencia à mesma empresa. A não aprovação no primeiro contato foi devido a cor da pele.

Sobre a mulher e o machismo, hoje em dia, tem acontecido bastante violência dentro de casa contra a mulher. Os homens acham que a mulher foi feita só para procriar. Muitos não ajudam dentro de casa, mas precisam ajudar, não no principal, como lavar roupas, mas na maioria das coisas, como limpar a casa, o quintal, lavar louça e outros afazeres. A mulher e o homem são companheiros e, se são companheiros, precisam acompanhar nos deveres da casa. Uma outra coisa que acontece: o homem não aceita algumas atitudes da mulher e quer partir para a  violência e isso se tornou ainda mais grave com a liberação de armas pelo governo federal. Em alguns estados, como os do Nordeste, o machismo é mais acentuado do que em São Paulo. A mulher é companheira do homem e não se pode bater. Esta é a minha opinião.

Imagem: João Raimundo (Acervo pessoal)

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