Acabaram as eleições, mas não a preocupação com o bolsonarismo

Acabaram as eleições, mas não a preocupação com o bolsonarismo. Há um mês que se tem notícias de manifestações antidemocráticas pelo país. Os bloqueios nas rodovias trouxeram preocupação à saúde, com o desabastecimento de vacinas e medicamentos, bem como ao funcionamento de setores essenciais para alimentação. Durante esse período, vídeos de manifestantes, em sua maioria homens brancos do sul, sudeste e centro-oeste, pedindo intervenção militar circularam na internet. Segundo o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Mario Luiz Sarrubbo, o movimento é fomentado e organizado por empresários. Mais ameaçador do que as falas dos indivíduos que compõem os atos, são os grupos silenciosos que os financiam. Os vídeos, muitas vezes lidos como caricaturais, representam a ponta de um iceberg da nossa estrutura fascista e de herança escravagista. Um bom estudo de caso para se debruçar depois do mês da Consciência Negra.

A Folha de São Paulo apontou, no dia 20 de novembro, que a maior parte das doações eleitorais privadas  foram para os partidos de direita. No segundo turno, essa concentração chegou à 89,2% das doações, boa parte delas vieram do agronegócio. Mas qual o interesse desses grupos com governos de direita, em especial os aliados ao atual presidente? Um dos nomes que possibilita uma reflexão sobre o tamanho desse problema é  Rubens Ometto, fundador do grupo Cosan, a maior processadora de cana-de-açúcar do mundo, que doou mais de 7 milhões de reais para campanhas eleitorais, a maioria delas ligadas ao atual presidente. Cabe destacar que o referido empresário não é suspeito de financiar os atos, mas financiou, sim, junto com outros empresários, um projeto fascista para o país.

Evidente que essa doação está vinculada a interesses, entre eles a política armamentista de Bolsonaro. Entre 2009 e 2010, a Cosan esteve na lista mundial de empresas que exploram o trabalho escravo e conseguiu sair dessa situação por meio de um acordo político. Atualmente, ela se beneficia da lei nº 13.870, de 17 de setembro de 2019, que flexibilizou a posse de armas de fogo em área rural, permitindo que empresas possam realizar serviços de “segurança orgânica”. Isso significa a autorização para contratar e armar funcionários para promover a segurança da propriedade, sem a necessidade de contratação de serviço de guarda patrimonial. Cana-de-açúcar, funcionários armados pelo patrão, trabalho escravo… Como não recorrer a um período tão vergonhoso da história brasileira? 

Segundo o dossiê realizado pelo site  de “Olho nos ruralistas”:  “São Paulo concentra o maior número de empreendimentos rurais com autorização para compra de armamentos, com 43 empresas. O estado é seguido por Goiás, com 19; Alagoas e Paraná, com 14 cada; e Rio Grande do Sul, com 9”. Dentre as empresas, a Cosan é recordista em autorizações para a segurança orgânica. O dossiê também aponta que empresas que receberam autorização para esse tipo de segurança “protagonizaram  casos de violência contra indígenas, camponeses e trabalhadores rurais no Pará, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco”. E, para superar o contra-argumento de que este texto cita apenas 1 empresa, segue outro pequeno trecho do documento em que mais nomes do agro revelam sua face reacionária:

“Além do conglomerado da família Ometto, há também empresas paulistas do setor alimentício, como o frigorífico Marba, adquirido pela JBS dos irmãos Joesley e Wesley Batista em 2019, e a bilionária fabricante de sucos Cutrale. Os dois grupos – JBS e Cutrale – faziam parte, até 2018, da Lista Suja do Trabalho Escravo, após o resgate de 32 trabalhadores entre 2013 e 2015”

Dossiê “Oligarquias Armadas”

Esses são apenas alguns dos dados relacionados à nocividade dos reais apoiadores do candidato derrotado, mas ainda presidente. Esses são apenas alguns casos de realidade desajeitada que escapuliram da Casa Grande durante a atual gestão. O Brasil é o quarto país que mais produz alimento no mundo, mas deixa 33,1 milhões de pessoas com fome. A cada 10 famílias, apenas 4 conseguem acesso pleno à alimentação. Das famílias negras, 65% delas vivem com insegurança alimentar, número superior ao de famílias brancas na mesma situação ( 46,8%). As falas grotescas da extrema direita não são exageros, nem caricaturas, são obras primas do colonizador, retratadas com o mais alto grau de precisão. No entanto, como obras, são meras representações dos autores e podem ser levadas embora pelo caminhão. O que preocupa é essa mão invisível que manipula o golpe.

Ainda não é possível respirar.

Imagem: Bruno O.

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Escrito por Gabriel Messias

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