Expresso periférico traz a saga de mais uma das mulheres guerreiras, que ao chegar em São Paulo, depara-se com a dura realidade social, política e econômica, que ainda perdura, afetando a população moradora da periferia da Cidade, deixando grande parte da população em situação de vulnerabilidade social. Ė dentro deste quadro de injustiças sociais que a nossa entrevistada vai trazer sua história, de engajamento e lutas coletivas em busca de políticas públicas que vão ao encontro com  as necessidades da população.

Vinda do interior
Viver na cidade
Em plena juventude
Sonhos e vontades
Se tornando militante
Mudando a realidade.

Para quem vivia em plena liberdade e tinha muitos amigos (as) em uma cidade pequena do interior, a cidade de São Paulo se apresentou como um paradoxo. No início, me sentia como um peixe fora d’água. Dentro dessa nova realidade, precisei buscar amigos (as) com quem pudesse estabelecer convivência para suportar a dura realidade da cidade grande.

Algo que alterou minha vida nesse contexto de cidade grande foi ter conhecido um grupo da juventude que frequentava a Paróquia Nossa Senhora Aparecida, do Jardim Miriam, denominado MUNIC (Mocidade Unida Cristã), no qual me inseri. Participei com intensidade do grupo, o que me permitiu conhecer outros grupos de trabalho e movimentos sociais

Ativa nos movimentos
Ela conta pra você
Com Palmeira e Resende
Na região da Cupecê
No combate à Ditadura
E apoio à greve do ABC.

Com a chegada do Padre José de Rezende Ribeiro, tive a oportunidade de receber formação teológica-política e fui adquirindo mais consciência da realidade social e política do país. Vivíamos o momento da Ditadura Militar. Simultaneamente, deu-se início a vários Movimentos Sociais: Movimento Contra Carestia, Luta pelo Ensino Médio no Jardim Miriam, Luta pela Saúde, Luta por Creche, Luta por Moradia, Luta em Defesa dos Direitos Humanos, Luta pelo Direito da População ter Água e Luz nas comunidades empobrecidas, principalmente em terrenos ocupados, etc. Foram surgindo movimentos que se desdobravam em outros.

Participei ativamente do Movimento de Luta por Creche, Saúde, Moradia e Direitos Humanos, liderados pelos pioneiros José Rezende Ribeiro e Palmira Abrante.

Havia uma grande interação entre Movimentos Sociais, Movimento Eclesial de Base e Formação Teológica-Política. Para exemplificar ,o Grupo do Apostolado de Oração, juntamente com o Grupo da Pastoral Operária, preparam cestas de alimentos para os metalúrgicos grevistas da região de São Bernardo do Campo. As Pastorais e os Movimentos Sociais prepararam feijoada e com a venda das marmitas preparadas era possível fretar ônibus para ida ao Gabinete do Prefeito de São Paulo reivindicar creches, moradia, Unidades Básicas de Saúde, hospitais. Isto significa que a Igreja, na época, era comprometida com as causas sociais e que alterou muito no cenário político.

Para cada fato ocorrido em São Paulo, no Brasil e na América Latina, que fosse de derramamento de sangue ou vitórias, significava maior incentivo em busca da terra prometida ou “terra sem males”, assim denominado pelos participantes dos Movimentos.

Militante e servidora
E ampla participação
Em vários movimentos
Fazendo reivindicações
Nas derrotas e vitórias
Com as administrações.

Simultaneamente às lutas no território de referência, fui também para a luta sindical, porque me tornei Servidora Pública e a precariedade dos Serviços Públicos colocavam desafios em defesa da qualidade do atendimento à população. Tivemos avanços e retrocessos dependendo do gestor da cidade de São Paulo. Ressalto aqui que as gestões de Luiza Erundina, Marta Suplicy (quando administrou pelo PT) e Fernando Haddad foram de extrema significância para a população, principalmente as mais vulneráveis.

A luta nunca foi em vão. Foram vários enfrentamentos com o Estado buscando a implementação de políticas de proteção e direitos sociais. Estes confrontos exerciam pressão sobre o Estado para a criação das políticas com o objetivo de oferecerem garantias sociais e propunham participação tanto na formulação de tais políticas, como da gestão das mesmas.

Da creche à saúde
Vitórias conquistadas
Escola de 2ª grau
Na região implantada
Centro da juventude
Acolhendo a moçada.

Obtivemos resultados significativos na época. Em Agosto de 1980, por exemplo, o Movimento de Luta por Creche da região Sudeste de São Paulo, o qual participei ativamente, conquistou a primeira creche da cidade de São Paulo, a creche Jardim Miriam. A partir desta primeira conquista, outras creches surgiram na sequência na região: creche Vila Élida, creche Jabaquara, creche Vila Clara, creche Jardim Luso, creche Vila Campestre, creche Rubens Granja, creche Aparecida Jerônimo, creche Vila Mira.

Depois das conquistas das creches, nós do Movimento percebemos a necessidade de atender a faixa etária das crianças acima de sete anos e assim lutamos pelos Centros da Juventude. Três Centros da Juventude surgiram desta luta: Jabaquara, Cidade Ademar e Jardim Miriam.

Através do Movimento de Saúde, conquistamos a Unidade Básica de Saúde Santo Afonso. A luta foi assim se desdobrando para outros segmentos. As comunidades tiveram acesso a água e luz, foi efetivado o Segundo Grau na Escola Estadual Leonor Quadros e a Escola de Educação Infantil (EMEI) no Jardim Miriam, construção do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Centro Frei Tito de Alencar Lima, em Americanópolis, abrangendo também o Jabaquara e Cidade Ademar.

Com as necessidades
Da maioria da população
Levantando problemas
E efetivando soluções
No serviços sociais
E sua implementação.

Como funcionária pública efetiva e nas gestões de esquerda, assumi a função de Supervisão na Assistência Social e, na condição de gestora da política territorial no Distrito do Jabaquara, nunca busquei poder, mas, sim, estabelecer uma lógica para as relações sociais, contrapondo- se ao poder do Estado às formas tradicionais de gestão em relação às questões públicas. E foi assim que alteramos a política, implantando e implementando vários serviços, preenchendo as demandas dos vazios sociais, apontadas estatisticamente no mapa territorial das vulnerabilidades sociais. Neste período, foi possível implantar esses serviços:

  • Centro de acolhida para população em situação de rua (1 localidade);
  • República para população em situação de rua (1 localidade);
  • Centros de Juventude (3 localidades);
  • Creches conveniadas (8 localidades);
  • Serviços de medida em meio aberto para adolescentes (2 localidades);
  • Serviços para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em parceria com a Vila Mariana (1 localidade);
  • Abrigos para crianças e adolescentes (3 localidades);
  • Serviços de formação profissional para adolescentes e jovens (2 localidades);
  • Serviços para pessoas com deficiência (2 localidades).
  • Serviços de ocupação e renda/cooperativa para mulheres (1 localidade);
  • Serviços de proteção para mulheres vítimas de violência direcionado em outros territórios distantes como requerido (2 localidades);
  • Núcleo de apoio jurídico e psicossocial (1 localidade).

Estes serviços tiveram grande importância no território por serem demandas pertinentes ao território, onde era muito escassa a presença do Estado.

Atualmente é impactante saber que na atual gestão muitos destes serviços foram fechados e não houve substituição dos mesmos, sendo que o Caixa da Prefeitura de São Paulo atingiu a cifra recorde de 34 bilhões de reais.

Isabel Francisca de Almeida, psicóloga e militante dos movimentos sociais.

Imagem: Juarez José

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