Condições para haja Consciência Negra.

Existe um itan muito bonito que diz: “Oxum primeiro lava suas joias antes de lavar seus filhos”. Ele fala da importância do autocuidado para que seja possível, em seguida, cuidar do outro. E para cuidar bem de si é importante que haja autoconhecimento. E para que haja autoconhecimento, é fundamental que se conheça a história de nossos ancestrais. É fundamental que se conheça também aquilo que nos cerca, pois sabendo das condições em que vivemos, sabemos também de que tipo de cuidado precisamos.

A maior parte da população brasileira é negra (56%, segundo o IBGE). A população negra também é maioria quando se fala em força de trabalho (54,9%), mas quando se analisam os dados referentes à educação, trabalho e saúde mental, por exemplo, é possível perceber uma diferença. Apenas 29,9% das pessoas negras estão em cargos de liderança e, em 2022, dos jovens de 14 a 29 anos que estavam fora da escola, 70% eram negros. Em relação às doenças emocionais, de acordo com dados do Ministério da Saúde, “o índice de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil é 45% maior que entre os brancos. E, nos últimos anos, o risco de suicídio ficou estável entre os brancos, mas aumentou 12% para a população negra.”  Celebramos em novembro a luta por direito à cidadania e dignidade dessa população, mas os dados revelam que, infelizmente, ainda é muito ruim ser negro no Brasil. Como cuidar dos nossos, se a estrutura capitalista não nos permite o autocuidado, massacrando a classe trabalhadora que mal possui tempo para descansar?

Hoje um jovem de periferia que cursa o Ensino Médio em uma escola do Estado na cidade de São Paulo, por exemplo, não tem seus direitos garantidos. Faltam professores, falta estrutura, além das consequências da “Reforma do Ensino Médio” que precarizaram ainda mais as condições de ensino e aprendizagem. Há anos os institutos financiados por capitalistas decidem políticas nacionais que projetam um trabalhador sem direitos. As reformas trabalhistas e previdenciárias, o teto de gastos e o processo de uberização do trabalho caminham juntas com a proposta educacional de formar um estudante “empreendedor de si mesmo” que “saiba se virar”. Estamos falando aqui de luta de classes, cara leitora, caro leitor. Não se promove uma educação de qualidade sem o fim da desigualdade social.

Fundamental é compreender que um jovem negro precisa saber o que levou toda a sua família a morar na periferia por inúmeras gerações. Ele precisa compreender porque ele é um dos poucos de seu núcleo familiar a acessar uma universidade, quando acessa. Ele precisa compreender porque para o seu acesso à saúde sempre foi difícil. Esse processo histórico vem marcado pelo racismo, que foi e é essencial para a efetivação do capitalismo no mundo ocidental. Sem esse conhecimento, toda a mentira do “é só você se esforçar que você consegue” fica muito fácil de ser aceita.

Quando um preto sabe de sua história, nasce o ódio, mas também a esperança. O Expresso Periférico compreende e valoriza o que diz o Itan, e luta todos os dias para que cada Oxum desse território tenha condições de lavar suas joias, porque sabemos que até o presente momento não há. O capitalismo ainda nos engole e nos usa como ferramenta para garantir dignidade ao burguês. Mesmo assim, as mulheres daqui insistem no direito de parir seus filhos, de colocá-los em escolas e universidades, de amarem e serem amadas. Tudo na marra e com muito sacrifício. Talvez, no dia em que o acesso à própria história de fato seja garantido, elas façam como os quilombolas e queimem a fazenda. No final, a fumaça subirá e veremos as ruínas do Engenho, e tudo parecerá tão antigo e absurdo. Depois, as cinzas adubarão a terra e trabalharemos pouco, trabalharemos todos e dividiremos tudo.

Imagem: Sidney Amaral, ‘Mãe preta (a fúria de Iansã)’. Obra exibida na exposição Histórias Afro-atlânticas, no Instituto Tomie Ohtake. Sidney Amaral: Entre a afirmação e a imolação – ARTE!Brasileiros (artebrasileiros.com.br)

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Escrito por Gabriel Messias

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