A vida de migrantes internacionais LGBTQI+. Por Rocio Bravo Shuña e Patricia Prudencio Torrez

Para uma Flor

A Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas, Bissexuais e Pansexuais (Rede MILBi+), com apoio do Fundo Elas+ e em parceria com o Bruno O. e a Thais Scabio do Jardim Miriam Arte Clube (JAMAC), realizou no dia 03 de dezembro a Biblioteca Humana: Trajetórias de Vida de Migrantes LGBTQI+. A biblioteca é uma proposta da rede de juntar livros da vida, de contar as histórias de corpos e sexualidades dissidentes, de diferentes nacionalidades, por meio da oralidade e da arte.

Nosso evento se contextualiza em dezembro, o mês dos Direitos Humanos. No dia 17/12 a Organização das Nações Unidas celebra o Dia Internacional das Pessoas Imigrantes. Na babilônia de SP celebramos percorrendo territórios, atravessando pontes e avenidas para abraçar as nossas e os nossos, quando, naquela tarde, foi na zona sul da cidade.

Nesse sábado chuvoso, a querida artista Mônica Nador abriu as portas do JAMAC para nos deixar ocupar o espaço, onde os diversos tecidos e livros de tramas e outras artes se foram misturando com outros tecidos vindos de nós… como aguayos (um tecido andino, geralmente retangular, usado em comunidades tradicionais na Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru), a Wiphala, a Mapuche e outras bandeiras latinoaméricas, cantando outras línguas e expressões de vida e arte que quiseram materializar sentires nesse dia.

Assim, foram apresentadas cinco histórias de existência e resistência tanto no processo de migrar como no cotidiano. Primeiramente sobre uma migração forçada como a de Laura Camacho, mulher cis lésbica, venezuelana, que no dia a dia é vitima de xenofobia e piadas e comentários estereotipados sobre seu país de origem e das mulheres de lá. Laura nos contou que conheceu diversas cidades do Brasil antes de chegar a SP, trabalhou de tudo um pouco em diversos lugares.

Depois escutamos a Cholita Drag Florencia, que compartilhou conosco sua história de migrações, de Bolivia para Argentina e logo aqui no Brasil, relatou como aprendeu a costurar perucas e assim encontrou na arte Drag outro meio para se expressar. Cholita Drag é um homem cis gay, morador  de uma ocupação na cidade de Mauá, ativista social pela moradia digna e pelos direitos da diversidade.

A seguinte história foi a de Mario Tadeo, homem trans, chaco avá guaraní boliviano, sociólogo e artista, chegou há pouco em SP, compartilhou conosco seu processo recente de migração, como a arte o trouxe  para São Paulo e nos apresentou parte do monólogo “Olhos Movem Ditos”, ainda em cartaz no Teatro Os Satyros (Praça Roosevelt, 214). 

Após isso, seguimos aos sons de uma rede de cones de linha de costura provocados pela fricção do chão, entrou em cena Natali Mamani, artista aymara boliviana, que performou a procura por sua história e suas raízes, entre vida, morte e renascimento. A linda performance se chama “As asas que meus pais me deram”.

A quinta história é da Florencia Castoldi, mulher cis lésbica argentina, a história é contada enquanto um chimarrão é bebido. Ela compartilhou conosco a relevância que tem esta migração entre tantas que ela já fez, se ressignificar dentro da dissidência e se realocar na periferia de uma grande urbe, que acrescenta à  sua vida, outras formas de existir, resistir em comum uniões, como a Coletiva de Mulheres do Expresso Periférico.

Esse dia foi muito importante para nós, porque, como rede, estamos sempre na procura de ir ampliando nossas vozes, de abrir espaços acolhedores para o diálogo e para a partilha de experiências, a fim de ressignificar a migração, não como algo uniforme e sim múltiplas formas de movimento de pessoas tão diversas umas das outras, onde a xenofobia não caiba mais nesta sociedade. Há necessidade de lembrar que o ato de migrar é constitutivo de nosso ser, portanto, não existe ser humano ilegal, nem migração ilegal.

O espaço JAMAC nos recorda amizade e solidariedade, o café e a boa conversa com companheiras, companheiros e companheires. Lembra que nos nossos países, a resistência também se construiu com a comunidade, nos centros comunitários, nas juntas de vecinos. Semanas atrás uma de nós foi à Bolívia e lá discutimos a difícil crise que o país passava com alguns dirigentes locais num espaço comunitário. Nossa conversa compartilhada por lá é um pouco parecida com a daqui, com folha de coca mastigada, também falávamos da importância do apoio uns aos outros, um dos temas, por exemplo, foi como podemos ajudar um ao outro a falar em público.

Habitar em liberdade e dignidade deveria ser direito garantido por todas as instâncias de governo e para todas as pessoas, no mundo todo. Mas sabemos que não é assim, por isso ainda somos colocadas na “periferia” do direito, na “periferia” da cidadania, nos chamam de “territórios periféricos”. Porém, acreditamos que justamente nesta periferia que a gente faz comunidades revolucionárias. Muito obrigada JAMAC e Expresso Periférico por permitir nos unir a essa comunidade!

Por fim, com o subtítulo ‘Para uma Flor’, dedicamos estas palavras à nossa companheira da Rede MILBi+ Florencia Castoldi, que foi a pessoa que nos apresentou todas essa rede acolhedora, que ganhou um espaço em nossos corações. Flor é também artista e ativista dos direitos humanos, uma referência e uma inspiração para todas nós!

Imagens: Rede MILBi+

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Escrito por Expresso Periférico

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