A educação é a maior riqueza que podemos adquirir na vida e a arte é uma das vias dessa grande avenida.

“…Um cantinho e um violão
Este amor, uma canção
Pra fazer feliz a quem se ama
Muita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar…”
(Antonio Carlos Jobim)

Quem é o nosso professor de violão? Roqueiro, escritor, poeta, chargista, artista plástico,  que busca nos sons e cores as razões para uma vida de grandes novidades. Ele conquistou as crianças do CCA – Centro de Crianças e Adolescentes Frei Tito, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que atende quase uma centena de crianças e adolescentes no contraturno escolar, com um banquinho, um violão e muito tempo para sonhar notas musicais, o Professor Vander Bourbon.

Num projeto ousado, tínhamos o professor, mas não tínhamos o violão, lançamos a campanha DOE UM VIOLÃO – A música toca corações. A solidariedade também! Alguns dias depois, já tínhamos alguns violões para iniciar nossa oficina Socioeducativa.

Vamos conhecer o professor que dá as “notas musicais” em seu violão para nossas crianças e adolescentes. 

Vander Bourbon é artista dos pincéis,  da música, das letras, ilustrador de obra literária, um dos organizadores do Sarau Poesia de Porão e faz vanguarda colocando sua arte nas camisetas personalizadas para os admiradores de sua pintura. Sua arte conversa com os olhos e corações, mas como um artista periférico que luta por inclusão de todes no mundo das artes abraçou esse projeto de inclusão na educação, respeitando, provocando e estimulando os desejos da meninada.

Transitando por diversas expressões artísticas, ele nos conta como foi descobrir todas estas possibilidades e quais influências o acompanharam e foram determinantes para acreditar na arte que é descoberta, prazer, transforma e pode nos colocar num lugar de pensadores.

As inquietações são muitas. A arte na educação é um movimento de inclusão? A música estimula a criança para outros aprendizados? 

Vander com propriedade e muita sensibilidade acredita que a educação é a maior riqueza que podemos adquirir na vida e a arte é uma das vias dessa grande avenida. A arte dialoga com a história da humanidade. 

Podemos dizer que a arte está em tudo: na tecnologia, na ciência, em todos os setores da sociedade.

Antes da escrita, as primeiras manifestações artísticas que tivemos conhecimento, foram as pinturas rupestres, dos povos pré-históricos, toda cultura indígena ao redor do mundo usou seus corpos como manifestações artísticas, tanto para atos religiosos quanto para guerrear, além de todo artesanato e utensílios de caça, a arquitetura greco-romana influenciou grandes conceitos de arte para o mundo, além de toda produção de grandes pintores, músicos, atores, artesãos. Essas manifestações foram moldando e conduzindo o pensamento e desenvolvimento do ser humano ao longo dos séculos. 

Talvez essa seja a razão de Vander se definir como mais um desses produtores de inquietação mental, para o desenvolvimento social.  “Vejo a arte como um placebo, um remédio natural para conduzir os percalços da vida.”

Vander Bourbon

Para ele, a música ou o aprendizado de um instrumento musical é de grande importância para as crianças, trabalha intensivamente a coordenação motora, desenvolve a percepção, estimula a criatividade e é um mecanismo de inclusão social. “Ninguém precisa aprender um instrumento para se tornar profissional, acredito que contribui para o desenvolvimento em quaisquer outras áreas profissionais que  forem seguir.”

Mas o Expresso Periférico quer saber: como tudo começou? “Eu iniciei meu aprendizado instrumental tocando guitarra com quatorze anos de idade e, ao longo desse tempo, toquei diversos estilos musicais, em centenas de palcos, em alguns estados do Brasil, até México e Peru, mas passei por algumas situações onde a música me colocou como um agente social e me deu um novo significado na vida.”

E teve histórias marcantes neste trajeto? “Um amigo se emocionou me ouvindo tocar Cartola, ao lembrar do pai falecido, que levava ele para as escolas de samba, quando pequeno. Numa outra ocasião, um casal de amigos que me pediu para cantar Tente outra vez, do Raul Seixas, pois o filho estava prematuro na UTI, onde terminamos a música todos aos prantos. Mas os momentos de maior emoção foram cantar em velório, onde fui solicitado por 2 vezes. Não teve momento de maior emoção como essas situações.”

Vander diz que sua decisão de fazer essa oficina de violão com as crianças e adolescentes do CCA Frei Tito, foi pautada na certeza de que a música pode ser um agente social com  potências para resgatar a autoestima de talentos escondidos.

Argumenta ainda que nem todos têm possibilidade e  condições de acessar a musicalidade na vida. “Quantos talentos deixamos de produzir por falta de investimento, assim como é no esporte? Acredito que a música deveria ser grade curricular nas escolas, bem como educação financeira. Devemos ter uma atenção especial com as crianças para formarmos cidadãos desenvolvendo o melhor de suas habilidades.”

Vander lembra que ele, como toda criança sonhadora, se alimentou do desejo de ser jogador de futebol e lutou muito pra isso: ”Joguei por 5 anos em categorias de base da Portuguesa e São Paulo. Daí passei por uma cirurgia, onde fiquei alguns meses parado. Nesse tempo ‘ocioso’, com uns 14 anos, gostava muito de desenhar e, como adorava os HQs do Conan, me divertia desenhando os personagens. Certa vez, numa loja, vi um disco do Iron Maiden ‘Seventh son of a Seventh son’ e me encantei pela capa, pedi para minha mãe comprar e, quando coloquei para ouvir, decidi que queria ser guitarrista. A partir dessa decisão, esqueci a bola e entrei de cabeça na música, nunca mais larguei a guitarra.”

Ficamos curiosos em saber quais foram as influências do nosso professor Vander, este artista plural que acolhe e coloca seu talento à disposição da comunidade. Diz ele: “Meus pais sempre foram minhas maiores influências, tive muita sorte por isso, sempre me deram suporte para meus anseios artísticos. Gosto da arte e de artistas que usam seus trabalhos como uma reflexão social. Raul Seixas sempre fez esse trabalho de maneira ímpar, assim como o Redson da banda Cólera, com um ativismo ambiental. O Blues sempre me inspirou muito, é o lamento dos escravos moldando o mundo da arte.”

Por mais que Vander tenha sua fonte inspiradora no rock’n roll, teve passagem, como guitarrista,  na Banda de Rap Código 13, onde fez algumas apresentações no mesmo palco que Racionais, Thaíde & DJ Hum, RPW, Câmbio Negro, dentre outros. 

Percorrendo por diversos gêneros e movimentos musicais, Vander acredita que a força social da mensagem do rap é de suma reflexão para o quanto somos massacrados pelas políticas públicas.

Vander nos diz que se encanta com as obras do artista Picasso, uma delas ao representar os horrores da guerra civil espanhola, na belíssima pintura “Guernica”. Que gosta de artistas que se posicionam contra o autoritarismo e que lutam por liberdades.

Como ele se encanta com Picasso, nós nos encantamos com sua obra que teve sua primeira exposição “RESISTÊNCIA TROPICALISTA” durante o 6º Encontro Literário – Caiu na Rede é Cultura, nas salas do CCA Frei Tito.  Durante sete anos, Vander ilustrou bandas, livros, camisetas, capa de discos e telas, a política nacional, inspirando-se na exuberância da fauna e flora brasileira, nas cores tropicais de Tarsila, no cenário surrealista/psicodélico de Frida, Dali e Magritte.

Nosso professor acredita que “a arte visual,  além de provocar diversos tipos de emoções, é uma forma educacional de desenvolvimento social muito importante para o ser humano. É uma das formas de nos conectarmos com o mundo através dos tempos, de refletir sobre acontecimentos e um indicativo de direção futura. Portanto, incentive o que está próximo a você a se conectar com essa atividade essencial para nossa sobrevivência.

Vander  se sentiu lisonjeado com o convite para organização desta exposição: “É a confirmação de um trabalho pincelado ao longo de anos, onde pude mostrar um tanto do meu pensamento, materializado em cores. Foi um grande incentivo, nesse caminho que tanto me identifica, para prosperar e lutar para conquistar novos objetivos.”

Ele aproveitou para ressaltar que fazer essa exposição no Frei Tito, foi a “cereja do bolo”, um local tão acolhedor e de resistência a favor da educação e desenvolvimento de crianças. Agradeceu a todos que o receberam tão bem e deram o suporte necessário para esse momento importante no seu desenvolvimento artístico.

“Espero que a arte sempre aponte um caminho, onde as pessoas possam transformar a si mesmas para poder transformar o mundo, num lugar onde todos possamos respeitar nossas diferenças e tornar nossa transitória passagem nesse plano um pouco menos dolorosa.”

Vander Bourbon

E nossos pequenos artistas o que estão achando dessa vivência?

Ouvimos a gerente de Serviços Regilânia Monte e a Assistente Técnica Daniele Lins, que são defensoras do projeto e argumentam que: 

“A arte e a musicalidade fazem parte do cotidiano e das atividades socioeducativas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – Centro de Crianças e Adolescentes Frei Tito. Sempre foi um anseio desenvolver uma oficina com instrumentos musicais no Serviço. A oficina de violão vem para complementar as vivências do conviver e aprender, pois, através dessa atividade, é possível desenvolver a atenção, o cuidado, trabalhar sentimentos e extravasar através do aprendizado e do desenvolvimento das habilidades que a musicalidade proporciona.

Para o início desta ação, iniciamos uma corrente solidária para arrecadação de violões para a oficina. Conseguimos seis (06) violões e iniciamos a oficina no mês de setembro. Infelizmente com vagas limitadas devido à quantidade de instrumentos que possuímos. Entretanto, assim como as crianças, estamos radiantes de poder contar neste semestre com o parceiro/voluntário que veio somar com as nossas atividades socioeducativas, despertando o talento musical, pertencimento, fortalecimento de vínculos e estimulando o empoderamento e protagonismo das crianças.  

Vander Bourbon chegou trazendo alegria, disponibilidade, solidariedade e muita habilidade, contagiando as crianças e os funcionários do CCA.  As crianças ficam aguardando ansiosas o dia da oficina, a empolgação e alegria dos que já estão em atividade é tão contagiante que já temos um outro grupo aguardando vagas para poderem participar da oficina. Mesmo com poucas oficinas, as crianças já demonstram as suas conquistas e aprendizagens contando aos quatro cantos a destreza, desenvoltura e familiaridade com o instrumento musical.” 

Os  futuros concertistas romperam o silêncio, pegaram o violão e deram seus acordes.

Robert Pharrel: É muito legal, até agora eu já aprendi bastante coisa. O que mais gosto é de tocar.

Ian Nascimento: Muito, muito legal. O que mais gosto na oficina é de aprender. Eu já aprendi o Dó, Ré, Mi, Fá e a música do Batman. Dou nota 10 para o Professor Vander e para a oficina de violão.

Livia Danielly: Estou gostando da oficina porque estou aprendendo a tocar violão, que era o meu maior sonho.

Heloiza Nunes: O que mais gostei na oficina foi de tocar violão.

Pedro Santos: Bom, interessante, muito legal! Eu aprendo muitas coisas com o violão, como o toque das casinhas e o toque do Batman. Oficina nota 10. O Vander é um professor  muito bom, legal e sabe ensinar.

Vander Bourbon, obrigada por realizar sonhos, pela disposição de acolher as crianças com tanto afeto e desejos desse mundo que queremos para todes, por verter emoções dos corações das pequenas cidadãs e cidadãos. 

A arte salva, cura, subverte e tumultua o lugar comum. É generosa, pode ser ofertada para o mundo e persegue um prazer pela vida e existência do outro. É esse estado de convulsão, de inspiração, criação e disposição.

Centro Frei Tito de Defesa dos Direitos Humanos, dentre diversas atividades, desenvolve programa socioeducativo com crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, em duas de suas unidades. 0 CCA Frei Tito que funciona na sede da instituição e o CCA Cidade Júlia que funciona num imóvel alugado para esse fim, atendendo cerca de 380 crianças e adolescentes e 290 famílias. O Centro Frei Tito mantém sete salas do MOVA – Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, atendendo cerca de 150 educandos, sendo duas salas na sede própria e as outras cinco na Igreja Católica do bairro Jardim Miriam.

Numa perspectiva de educação popular e libertadora, com a metodologia freiriana que possibilita dialogar e conhecer identidades individuais e coletivas, são valorizadas todas as formas de saber dos educandos.  

Mantém parcerias com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), para a formação de consciência alimentar e consumo de produtos orgânicos, fazendo a ponte campo – cidade, sem atravessadores. Atua na formação popular, em parceria com a Escola de Cidadania de Cidade Ademar e Pedreira  com cursos certificados pela UNIFESP e na comunicação popular tem parceria com a Rádio Poste, (atividade mensal desenvolvida na Praça do Jardim Miriam) e o Expresso Periférico, (jornal virtual), instrumentos de comunicação direta entre os movimentos sociais e a população em geral. Realiza Saraus, almoços temáticos, rodas de conversa, além de participar anualmente do Encontro Literário – Caiu na Rede é Cultura e firmar parcerias com instituições como o JAMAC – Jardim Miriam Arte Clube.

O Centro Popular de Defesa dos Direitos Humanos Frei Tito de Alencar Lima é mais que uma instituição. É um espaço onde todas as pessoas podem experienciar o que há de mais profundo e verdadeiro na prática pela defesa dos direitos humanos.

Imagem: Acervo pessoal Vander Bourbon

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Escrito por Evinha Eugênia

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