Antes de comentarmos a questão do título, gostaríamos de levantar outro questionamento…

Filho do senhor vai embora
Tempo de estudos na cidade grande
Parte, tem os olhos tristes
Deixando o companheiro na estação distante
(NASCIMENTO, Milton. Morro Velho. 1967)

INTRODUÇÃO

Antes de comentarmos a questão do título, gostaríamos de levantar outro questionamento: a quem interessa o modelo de reforma proposto, que reduz a formação crítica e acaba com as chances de muitos trabalhadores e filhos de trabalhadores se prepararem para a universidade pública e gratuita? No Brasil colônia e império a produção era essencialmente agrícola. Enquanto a metrópole acumulava riqueza, a mão de obra escrava – indígena e negra – era explorada e os descendentes deste grupo representa a maioria dos necessitados dos dias atuais. A pequena produção artesanal ficava nas mãos dos mestres de ofício que a ensinavam aos jovens aprendizes. A manufatura começa lentamente e a industrialização tardia, chega efetivamente nos anos 1930. A família perde sua base econômica agrícola, que é transferida para o espaço fabril, tornando-se necessário uma educação voltada para o mundo do trabalho e as crianças precisam ser preparadas para atuarem na cadeia produtiva, quando se tornarem adultas. A submissão ao Contrato Social e ao conjunto de leis do Estado burguês exige indivíduos alfabetizados, pois a alegação do desconhecimento da Lei não é álibi.

A escola pública, apesar do grande esforço dos trabalhadores do setor, que se desdobram em atender o alunado mesmo com as péssimas condições em um espaço nem sempre laico, universal e de qualidade – prepara mão de obra barata. Convém lembrar que a escola pública não cobra mensalidades, mas não é gratuita: ela é mantida com o dinheiro dos impostos (que no Brasil são mais de 50) pago por toda a comunidade, de forma direta ou indireta, isto é, ela é mantida por todos os cidadãos. Já o filho da classe burguesa recebe educação em estabelecimentos com infraestrutura para o seu aprendizado, com disciplinas para seu desenvolvimento intelectual e crítico, sendo qualificado, para comandar os pontos chaves da sociedade (diretoria de empresas, cargos públicos eletivos ou não, poder judiciário, a grande mídia, etc.), repetindo um comportamento secular onde uma gigantesca vala separa a massa de trabalhadores e filhos de trabalhadores e a elite dominante. 

A proposta de universalização da Educação no Brasil é recente. Remonta aos anos 1970, com a LDB de 1971 (a Lei 5692/71). O avanço da atividade industrial e a necessidade de mão de obra levou a elite brasileira a ampliar o acesso a educação formal. A Lei 9394/96 – a nova LDB, Lei de Diretrizes Básicas para a Educação – em atendimento ao dispositivo da Constituição Federal de 1988 – a Constituição Cidadã, regulamentou a Educação Básica, no que tange a investimentos, responsabilidades e perspectivas que, apesar de suas limitações, seria um passo adiante. Contudo, as práticas desenvolvidas nos anos seguintes foram desarticulando as propostas sem apresentar melhorias. 

A escola, representação em miniatura da sociedade, reproduz os problemas desta. Não podemos pensar no espaço escolar como algo apartado e imune aos problemas sociais. Ela interage produzindo e reproduzindo comportamentos comuns ao modo de produção capitalista. Isto se apresenta nas relações sociais. A violência gratuita atinge em maior grau as periferias das cidades. A expectativa de vida é menor entre os mais pobres e com menos estudos. A exploração da fé aumenta a miserabilidade desta parcela da sociedade. A paisagem das regiões periféricas, com moradias precárias e uma crescente população em vulnerabilidade social, como a população de rua, a qual ocupa marquises, praças e viadutos e atualmente sendo vítimas da higienização social, retrata a crueldade que o modo de produção capitalista trata os do “andar de baixo”. 

RECONHECIMENTO DAS PESSÍMAS CONDIÇÕES NA EDUCAÇÃO

Há anos, avaliações externas1 apontam debilidades na educação brasileira. Não seria necessário gastar tanto. Uma simples consulta feita aos profissionais da educação forneceria a mesma análise. Faltam recursos materiais nas escolas. Pesquisas apontam que poucas possuem biblioteca – as redes municipal e estadual de São Paulo utilizam o recurso de sala de leitura, pois não precisam cumprir com a legislação e contratar um bibliotecário para organizá-la – quadras – quando as têm, falta material esportivo, como bolas, redes, cestas, etc. – computadores – em muitos casos, os existentes são insuficientes e muitos desatualizados e com defeitos. Constata-se a falta de recursos humanos, principalmente professores, pois a carreira docente é cada vez menos atrativa e pouco procurada, devido a desvalorização da profissão, outrora de destaque, hoje comportando inúmeros profissionais com Síndrome de Burn Out2.

Instituições de Ensino Superior, mal avaliadas e com o objetivo único e exclusivo de enriquecer os seus proprietários, formam profissionais ainda não preparados para o exercício da docência. Convém lembrar que países desenvolvidos investem vultuosas somas em educação enquanto no Brasil valores revertidos para a educação são considerados gastos como se as crianças e adolescentes da classe trabalhadora não precisassem de estudo de qualidade. A disparidade entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento é enorme. Enquanto o Ministério da Educação contingenciou 1/3 dos investimentos em educação tendo como justificativa a queda de recursos devido a pandemia de Coronavírus, a Alemanha anunciou o investimento de 160 bilhões de euros3 em pesquisa científica para estimular a produção intelectual e cultural. Outro país com grande preocupação com a educação é a Finlândia, mundialmente reconhecida como um modelo bem-sucedido de Educação Pública, aparecendo, por vários anos consecutivos,  entre nos primeiros lugares no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Neste país nórdico, os professores são reconhecidos como uns dos profissionais mais importantes da sociedade. Para se tornar um professor e iniciar o trabalho em sala de aula é necessário possuir ao menos o título de mestre. Investindo-se naquele que terá a responsabilidade de educar as crianças e adolescentes.

REFORMA PARA MANTER TUDO COMO ESTÁ

Há alguns anos os diferentes governos propõem reformas, sempre com viés neoliberal.4 Os estabelecimentos educacionais são encarados como gastos e não investimento em uma sociedade melhor. As escolas, já sucateadas e superlotadas, passam a receber menos investimentos. Os dividendos obtidos com a cobrança de impostos prioritariamente são usados para pagamento da dívida pública, enriquecendo banqueiros. Organizações não governamentais – as ONGs,5 ligadas a grupos como o Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann (Todos pela Educação), etc. – vislumbram reformas que exclui a massa da população. Estas reformas foram desenvolvidas por tecnocratas, sem a efetiva experiência em sala de aula. Os principais interessados – discentes, docentes, pais e responsáveis – passaram por audiências públicas para análise e debate, porém os maiores interessados não tiveram a efetiva voz para se opor. Para demonstrar o descontentamento, nos anos de 2015 e 2016, estudantes de diferentes estados brasileiros ocuparam escolas. A Constituição Federal, nos artigo 205 aduz que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No artigo 21, que estabelece as obrigações da União, no inciso XXIV, prevê a criação de diretrizes e bases da educação nacional, a qual deu origem à LDB. Esta previa a elaboração de uma Base Nacional Curricular Comum. A nossa crítica é que uma reforma não altera a gênese do modelo em voga. A classe trabalhadora não é sujeito processo ensino-aprendizagem, mas apenas um partícipe subjetivo.

A SAÍDA: UMA REVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO

Reforma não deve estar no vocabulário do militante social. A ruptura com o modo de produção capitalista passa pelo movimento revolucionário. A enciclopédia Larousse define revolução como um substantivo feminino, que vem do Latim (revolutio, revolutionis), como um ato ou efeito de revolucionar (-se); sublevação, rebelião, revolta, insurreição. Já o dicionário Michaelis, a verbete revolução, tem as seguintes definições: Ato ou efeito de revolucionar (-se), de realizar mudanças profundas ou radicais; revolucionamento, revolvimento; Movimento de revolta, súbito e generalizado, de caráter político e social, por meio do qual um número significativo de pessoas procura conquistar, pela força, o governo de um país, a fim de dar-lhe nova orientação; insurreição, rebelião, sublevação. De maneira simples, o conceito de revolução pode ser entendido, destarte, como uma ruptura, uma transformação radical de determinada estrutura, qual seja, política, social, econômica, cultural ou tecnológica, isto é, tudo o que diz respeito à vida humana. Em sua obra Reforma ou revolução, Luxemburgo, a pensadora alemã chamava a atenção para a perspectiva que se avizinhava para a classe operária russa, ante um processo revolucionário onde os trabalhadores russos galgarem o poder, mas nada diferente propunha aos explorados.

A alternativa: reforma social ou revolução,
objetivo final ou movimento é, sob outra capa,
a alternativa entre o caráter do pequeno-burguês
ou proletário do movimento operário.

Os tecnocratas que se sucedem nos órgãos de decisão de educação não buscam romper com o status quo, promovendo reformas que reproduzem mecanismos que afastam a classe trabalhadora de uma possibilidade de ascensão social e culpam as vítimas do sistema com termos como meritocracia, responsabilidade, esforço individual, como se o sistema fosse igualitário. E, para justificar a reorganização curricular, os tecnocratas elencam um conjunto de supostos “benefícios” para alunos e professores. Preliminarmente, destacam a dos estudantes em aprofundarem em conhecimentos específicos que vão agregar e são importantes para o futuro profissional que cada um escolher, contudo, não há uma efetiva carreira profissional, mas treino para exercício de uma atividade suplementar a uma carreira, como auxiliar, o que inviabiliza o segundo benefício: o desenvolvimento do projeto de vida e carreira dos alunos, já que as escolas deverão priorizar atividades que promovam a cooperação, a resolução de problemas, o desenvolvimento de ideias, o entendimento de novas tecnologias, o pensamento crítico, a compreensão e o respeito. Outro suposto benefício da nova metodologia é o de proporcionar menos aulas expositivas e focar mais em projetos, oficinas, cursos e atividades práticas e significativas. Isso é treinamento profissional, já realizado por vários seguimentos da sociedade, como as centrais sindicais e escolas profissionalizantes, substituir a formação criticista e integral por treino busca implementar uma única ideologia com o novo modelo. 

Para os professores, a mudança mais prejudicial é que o novo modelo elimina a carreira hoje atrelada a um concurso em que foi aprovado e a substitui por possibilidades de contratação, como a de profissionais de notório saber para o itinerário de formação profissional e técnica. A imposição dos itinerários, sem uma ampla discussão com docentes e discentes gerou uma situação sui generis em que um finge que ensina e outro finge que aprende e o desenvolvimento intelectual fica em segundo plano. A classe trabalhadora deve vislumbrar uma revolução na educação, para que o processo ensino-aprendizado se complete efetivamente. Espaço escolar sem aspecto de presídio, com recursos materiais e humanos, salas de aulas com número menor de alunos, que contemple todas as áreas do saber e forme indivíduos críticos e preparados para o exercício da cidadania.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em qualquer pesquisa empírica, a conclusão será de que algo deve ser mudado na educação brasileira. Esta mudança deve ser ampla, contemplando recursos materiais – com acesso a bibliotecas com obras atualizadas, livros didáticos elaborados pelos professores e não atendendo interesse das editoras, equipamentos tecnológicos, como computador, data show, internet, etc. – e humanos, com controle sobre a qualidade das faculdades, plano de carreira para os professores e os demais trabalhadores em educação – com jornadas menos estafantes e um calendário factível.

A proposta de Reforma do Ensino Médio simplesmente retira disciplinas que formam o cidadão crítico, além de não contemplar a diversidade socioeconômica-cultural do Brasil, um país continental e miscigenado. Formar escritores e leitores competentes requer respeitar a diversidade. O preparo para o mundo do trabalho deve considerar a realidade local estimulando a economia regional e não produção voltada para o capitalismo internacional. Devemos pensar perspectivas o desenvolvimento sustentável, garantindo recursos naturais para as gerações futuras. Os países desenvolvidos investem valores elevados em educação e pesquisa científica. Entre os países emergentes, alguns seguem a mesma dinâmica: formar cientistas pesquisadores e promover a universalização da educação com a devida qualidade. Assim, o discente não tem condições efetivas de ter uma vida acadêmica condizente com suas necessidades e as do país. Por anos, economistas estiveram a frente do Ministério da Educação, tratando um assunto tão importante como peças de banco imobiliário. Ouvir os profissionais da educação deve ser o caminho a ser seguido pelo executivo e legislativo, de todas as esferas, e a tomada de rumo em um setor tão importante da sociedade. A questão não é aversão a mudanças, mas a quem interessa mudanças que baixam a qualidade da formação crítica do discente, tornando-o mais manipulável. A ruptura deste modelo e uma revolução na educação torna-se cada dia mais necessária. A reforma do ensino médio é a nova saúva: ou acabamos com a reforma do ensino médio, ou a reforma do ensino médio acaba com o Brasil. 

1 Várias provas externas são aplicadas – SAEB, SARESP, PISA, PROVA BRASIL, PROVA SÃO PAULO – sem clareza de objetivos, com defesa da meritocracia e extremamente onerosas ao poder público.
2 doença profissional, não reconhecida no Brasil.
Notícia: Alemanha anuncia 160 bilhões de euros para universidades e pesquisa.
4 Prática fomentada no Consenso de Washington, baseada em 13 pontos, que propõe um Estado Mínimo.
5 ONGs – Sigla de organizações não governamentais. São entidades privadas da sociedade civil, cujo propósito é defender e promover uma causa política. Essas organizações são parte do terceiro setor, grupo que abarca todas as entidades sem fins lucrativos. Buscam recursos junto a empresas privadas (destinação direta de impostos) e dinheiro público. Nota do autor: indicação de filme para ajudar a compreender a atuação das ONGs – Quanto Vale ou é por Quilo? (2005, dirigido por Sergio Bianchi).

Saiba Mais

BRASIL. LEI 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.
BOUTIN, A. C. D. B., FLACH, S. de. F. – O movimento de ocupação de escolas públicas e suas contribuições para a emancipação humana; Inter-Ação, Goiânia, v. 42, n. 2, p. 429-446, maio/ago. 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ia.v42i2.45756.
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; MENEZES, Ana Luisa Teixeira. CRIANÇAS INDÍGENAS, EDUCAÇÃO, ESCOLA E INTERCULTURALIDADE.
LUXEMBURG, Rosa. Reforma social ou revolução? In: LOUREIRO, Isabel  (org.). Rosa Luxemburgo: Textos escolhidos, vol. I, p. 1-88. São Paulo, Editora Unesp, 2011.  
SANTOS, S. R. Anton Panneköek: os Conselhos Operários e a transformação do Direito Socialista. 2019. 94 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

Imagens: Pixabay

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