Por Pastor Carlos Seino

Existe uma matéria ensinada nos seminários evangélicos denominada escatologia. 

Tal matéria está dentro dos estudos de Teologia Sistemática e diz respeito à “doutrina das últimas coisas”.

A Bíblia Sagrada, como se sabe, é composta de muitos livros, epístolas, evangelhos, entre os quais, há farta literatura chamada profética e apocalíptica. Dentro de tal literatura, entende-se que há muitas profecias que já foram cumpridas, e outras ainda a se cumprir. 

Assim sendo, a escatologia tradicional estuda essas profecias, que, segundo entendem, estão para se cumprir. 

Uma destas teorias escatológicas é a chamada “dispensacionalismo”.

Entre outras coisas, tal corrente, de origem muito recente na história do cristianismo, defende que Israel é uma espécie de relógio do mundo, demonstrando que estaríamos chegando ao cumprimento de certas profecias apocalípticas que culminariam com o retorno de Cristo.

Houve um tempo que isso tudo era teoria, debatendo-se somente em seminários e academias teológicas.

Entretanto, quando da criação do Estado de Israel, tal corrente entendeu que era um sinal de que tudo estaria acontecendo conforme sua interpretação, e maior atenção passou a ser dada ao recém-criado Estado.

As vitórias de Israel contra seus vizinhos árabes também fortaleceram a concepção de que haveria uma espécie de favor divino sobre tal nação.

Tal visão se popularizou tremendamente no meio evangélico, no qual não foi difícil fazer seus fiéis sempre torcerem por Israel. Há, em grande medida, uma enorme ingenuidade por parte dos fiéis que confundem o atual Estado de Israel com o Israel bíblico. Uma grande confusão.

A direita estadunidense, possivelmente, soube aproveitar isso muito bem, e tal tendência acabou descambando para o Brasil, com a ascensão da extrema-direita. 

Por isso, o que de certa forma era uma ingenuidade religiosa, tornou-se também uma tendência política que automaticamente joga milhares de evangélicos nesta corrente de pensamento, que simplesmente parecem ignorar todos os possíveis crimes de Israel em prol de uma visão teológica.

Simplesmente chega a ser patético ver os crentes compartilhando postagens pró-Israel como se fossem uma torcida pró-Israel bíblico. Ou ainda, ver políticos de direita usando a bandeira de Israel, que entre outras coisas, legalizou o aborto, tornando-o mais acessível do que a maioria de outros países, bem como assegurou os direitos da população LGBTQIA+, pautas estas geralmente combatidas pelos direitistas e evangélicos brasileiros. 

Tais visões deturpadas parecem cegar a visão dos seus defensores para questões das mais óbvias, que é a necessidade de se evitar a morte de civis inocentes, notadamente crianças e mulheres, conforme vem acontecendo em Gaza. Eles parecem se tornar sentimentalmente indiferentes, não importa se morrem mil, dez mil, ou cem mil palestinos.

Publicações e influenciadores de tal visão associa os palestinos com os antigos filisteus, decretam ousadamente que os tais irão perder e recebem milhares de curtidas e compartilhamentos.

Há pouco, um colega evangélico que conheço solicitou-me que fosse feita na igreja da qual sou pastor uma campanha de jejum e oração por Israel, um tal de jejum de Mordecai (personagem bíblico do período da rainha Ester, quando o povo judeu corria risco de extermínio). Eu lhe disse que só se fosse fazer jejum e orações pelo fim da guerra, por um cessar-fogo, tendo em vista os mais de trinta mil palestinos mortos por Israel, em sua maioria mulheres e crianças.

A grande maioria dessa massa de evangélicos não leem quase nada, não estudam quase nada, não se aprofundam em quase nada. Movimentam-se conforme a influência que receberam nas redes sociais e de muitos pastores. 

Assim sendo, mais uma vez, há a necessidade de muita paciência para explicar calmamente para essa gente que esse Israel que aí está nada tem a ver com o Israel bíblico. Que há milhares de judeus, inclusive ortodoxos, de dentro e fora de Israel que não compartilham da política de Netanyahu. Que há dezenas de visões escatológicas, das quais o dispensacionalismo nem é a mais antiga, nem a mais aceita na história da Igreja. Mas talvez ,acima de tudo, que evangélicos deveriam olhar a vida e ensinamentos do Senhor Jesus, que jamais usou de violência contra o ser humano, ensinou a amar até os inimigos, para que sejam simplesmente cristãos e deixem toda essa deturpação advinda de interpretações escatológicas altamente complicadas e duvidosas.

Imagens: Fotos Públicas

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