Você conhece alguém que perdeu o bebê durante a gestação ou logo após o parto? Qual era o nome desse bebê?

Na matéria desse mês vamos conhecer Renata Gibelli, que é mãe do Luiz “que viveu em suas águas por 20 semanas”. É historiadora, professora de escola pública e atua na modalidade Educação para Jovens e Adultos. 

Renata nos chama para uma conversa sobre a dor da perda de um bebê durante a gestação ou logo após o parto, sobre o luto não vivido, o poder dialogar acerca dos sentimentos, o respeito ainda necessário a ser construído em nossa sociedade para com aquelas e aqueles que vivenciam tamanha ausência.

Num texto delicado e assertivo, acolhendo nossas irmãs que vivem a solidão de uma dor muitas vezes não compreendida, nos provocando a reflexão sobre o nosso olhar para o tema, que transborda a história, memória e vida concreta que é ser mãe de uma filha ou filho que passou brevemente nessa existência, deixando o não lugar das experimentações da maternidade.

Vamos ainda conhecer o Instituto do Luto Parental e Documentário Colo Vazio. O conhecimento nos fortalece e nos ajuda na formação de uma rede verdadeiramente acolhedora.

(Renata Gibelli)

Não tocar no assunto invisibiliza a dor e nos distancia ainda mais da naturalização de algo que não precisaria ser tabu.

Você conhece alguém que perdeu o bebê durante a gestação ou logo após o parto? Qual era o nome desse bebê? Se estivesse vivo, que idade teria? Como a família foi acolhida e lidou com a perda?

Arrisco dizer que facilmente conseguimos recordar o caso de uma prima, vizinha ou colega que perdeu o bebê. E se são frequentes os casos e várias as causas que podem levar bebês à morte, por que não falamos sobre esse assunto? 

Sou uma mãe de colo vazio. Perdi meu bebê no quinto mês de gestação e isso não ocorreu de forma repentina. Durante uma consulta de emergência no pronto-socorro da maternidade, uma médica de pouco tato anunciou a proximidade da morte do meu filho motivada, provavelmente, por uma síndrome genética. 

Quero dizer que sustentei uma vida em meu ventre tendo a consciência de que logo ela deixaria de ser vida.

Interrompi a busca por nomes de meninos, a escolha do enxoval, as pesquisas sobre amamentação, o receio de ter que abrir mão do meu espaço social e as inquietações sobre como educar um garoto, que eu imaginava de pele escura, nesse Brasil racista e machista. Fiquei sem futuro. 

Passei a escutar com frequência frases que anulavam minha dor, como “logo você vai ter outro filho” ou “foi melhor assim” e ainda “a vida tem que continuar”. Percebi rapidamente que minha história incomodava as pessoas porque gravidez e morte são ideias dissociadas e assim optei por não contá-la para mais ninguém, se possível, nem para mim mesma. 

Eu, parte dessa sociedade que culturalmente não dialoga sobre a morte de bebês, segui calada. Só que a saudade muda e sem nome que eu sentia do meu filho e de tudo aquilo que eu não viveria, não passava. Não passava também a necessidade de ser reconhecida como alguém que carregava uma tristeza profunda.

Foi quando conheci um grupo de mulheres, todas elas mães de colo vazio, que escolheram outra forma de conviver, ou melhor, de sobreviver à morte de seus filhos. Essas mulheres não me disseram “vai passar”. Diferentemente, elas me apresentaram a possibilidade de humanizar o luto. Ou seja, ao invés de tentar apagar a vida breve dos nossos bebês, a proposta era criar espaço para falar das nossas feridas, revoltas e do amor por nossas crianças.

Juntas protegemos a memória dos nossos filhos, nos reconhecemos como mães e construímos nossas maternidades. Maternidades que são atípicas (já que não tivemos a chance de acompanhar o desenvolvimento dessas crianças ao longo dos anos), mas que não deixam de ser maternidade – afinal, nossos bebês existem independente do tempo que viveram.

Toda essa experiência me fez pensar no quanto é revolucionário quando mulheres se encontram.

No passado e hoje ainda, mulheres seguiram e seguem unidas lutando por diversas pautas como a igualdade de direitos, o combate à violência de gênero, o debate sobre a dupla jornada, os questionamentos sobre maternidade compulsória, a exigência de espaço na política, entre outros temas. E vale dizer que elas – nós – também se unem para falar sobre o luto, garantir leis que protegem mães enlutadas e construir o direito de sofrer pelos filhos que não vieram.

E por falar em encontro de mulheres, deixo esse trecho do poema da companheira Zulmira Fonseca e me disponibilizo a dialogar com você que tem o colo vazio.

JUNTAS
Vem companheira.
Vem com a gente caminhar.
Vamos todas bem unidas, combatendo, ensinando, transformando.
Validando nossa história.
Dando um basta no que está posto (…)

Saiba Mais

O Instituto do Luto Parental é “uma casa para quem vive a dor de se despedir de um filho”. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo a humanização do luto gestacional, perinatal e neonatal para pessoas, famílias e profissionais. Para isso, realiza encontros gratuitos, abertos e online. 

Nesses encontros, tive a chance de conhecer outras mães enlutadas e perceber que não estava sozinha. 

Mais informações: @institutodolutoparental

Colo Vazio é um documentário que apresenta seis mulheres que viram seus bebês partirem em diferentes fases da gestação ou após o nascimento. É um registro sensível que cruza histórias e sentimentos destacando a empatia entre as  mães. Além das mães, o projeto conta com o depoimento de Doulas e Psicólogas especialistas em luto parental. 

O documentário estreou dia 30 de novembro no Cine Marquise da Avenida Paulista e posteriormente foi disponibilizado para todo público no Youtube. Eu sou uma dessas seis mães. 

Mais informações: @colovazio_documentario

Imagem: Acervo da entrevistada

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