O apagamento físico e simbólico, sobretudo das mulheres negras frente as desigualdades e à COVID-19. Pela Coletiva de Mulheres

A conquista de direitos para as trabalhadoras domésticas é fruto de muita luta, sobretudo das mulheres negras.
Qual é a cor predominante das milhões de brasileiras que trabalham em casas de família? 

Por qual motivo o Dia da Trabalhadora Doméstica é “comemorado” em 27 de abril, homenageando Santa Rita de Lucca, empregada branca e italiana?

O racismo estrutural, herança escravocrata em nosso país, coloca em foco Santa Rita de Lucca e apaga o legado de pioneiras na luta por direitos como Laudelina de Campos Melo, mulher negra, ex-empregada doméstica e ativista pela categoria que em 1936 fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do Brasil.
Apenas em 1972 a categoria garantiria direitos de carteira assinada e previdência social e somente em 2013, com a aprovação da PEC das Domésticas (que teve como relatora a deputada Benedita da Silva, mulher negra, ativista e ex-doméstica desde menina), conquistariam direitos semelhantes a outras categorias profissionais, como 44 horas de trabalho semanais e remuneração por horas-extras.

Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2018 evidenciou que estávamos no topo do ranking das maiores populações de domésticas no mundo, com cerca de 5,7 milhões de mulheres (brancas e não brancas) com essa ocupação, das quais 3,9 milhões eram negras. De lá para cá o que mudou? As trabalhadoras domésticas hoje têm seus direitos assegurados? A resposta infelizmente não é animadora.
Em março de 2020 Cleonice Gonçalves, mulher negra de 63 anos, foi a primeira pessoa a morrer contaminada pela covid-19 no Brasil. Ela contraiu a doença dos patrões recém-chegados da Europa e, não tendo plano de saúde e assistência, morreu em sua residência em Miguel Pereira, sul do RJ. Os patrões se curaram, permanecem em sua residência no Leblon (um dos metros quadrados mais caros do Rio) e provavelmente já contrataram outra empregada.

Em junho do mesmo ano, em Recife, a ex-doméstica (também negra) Mirtes Renata não foi liberada em meio à crise sanitária causada pela pandemia, tendo que levar seu filho, o menino Miguel Otávio de apenas 5 anos para o trabalho. A patroa, Sari Mariana, pediu que Renata passeasse com seu cachorro, permitindo que enquanto isso o menino Miguel entrasse no elevador à procura da mãe e caísse do nono andar. Mais uma vida se foi enquanto a patroa fazia as unhas.

Também em 2020, mas desta vez em novembro, Madalena Gordiano, de 46 anos, foi resgatada após quase 4 décadas em situação análoga à escravidão (Art. 149 do Código Penal Brasileiro), “trabalhando” como empregada doméstica sem remuneração ou férias. A respeitável família Milagres Rigueira (MG) se aproveitou da vulnerabilidade de Madalena, que bateu à porta com apenas 8 anos de idade pedindo comida. Desde então, ela foi explorada, obrigada aos 20 anos a se casar com um parente idoso da família (para que pudessem recolher sua pensão) e cedida a Dalton Milagres Rigueira, professor universitário, como se fosse uma mercadoria.
Um quarto sem janela, apenas três camisetas, sem acesso a telefone ou televisão ou até mesmo itens básicos de higiene, essa era a vida de Madalena que foi resgatada após um vizinho achar um dos incontáveis bilhetes de socorro que passava por baixo da porta.

Laudelina e muitas outras mulheres negras costuram ano após ano uma rede de apoio e luta para a garantia de direitos às trabalhadoras e contra a sua desumanização. Mesmo assim, as desigualdades aumentam e a vida dessas mulheres vale menos do que as outras.

Temos o que comemorar em 27 de abril?  Quantas mulheres passaram bilhetes de socorro por baixo da porta enquanto você estava lendo?

Imagem: fotografia de Andressa Maciel dos lambes de Paulestinos

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Escrito por Coletiva de Mulheres

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