E se essa expressão ultrapassar o âmbito dos crimes contra a democracia e se tornar palavra de ordem em nossas vidas?

O início deste ano vem sendo marcado pela frase “sem anistia”. A combinação dessas duas palavras ecoou forte durante o discurso de posse do presidente Lula, fazendo referência aos crimes atribuídos a Jair Bolsonaro. E novamente passou a ser dita após a última tentativa de golpe de Estado, dessa vez com ainda mais indignação e desejo de ver responsabilizados aqueles e aquelas que atentaram contra a democracia.

Escutando e gritando essas mesmas palavras junto da massa que se reuniu na avenida Paulista em 9 de janeiro e que segue presente nos atuais blocos de carnaval (sim, esses também são espaços de protesto), escolhi trazer o significado amplo da expressão “sem anistia” para o meu colo que é, como sabem, um colo vazio.

Fazendo uma busca rápida no Google, encontramos que anistia significa perdão, cancelamento ou esquecimento de infrações. E tudo isso me fez pensar no quanto fui desencorajada, seja por amigas ou outros profissionais da saúde, a denunciar as falhas no sistema de saúde que vivenciei durante o tempo que gestei meu filho, no processo de indução de parto e nas complicações posteriores que quase comprometeram a minha própria vida.

Vale reconhecer que no desenrolar das gestações existem situações que não podem ser evitadas, como síndromes genéticas específicas, por exemplo. E que também existem diversas outras posturas médicas, sejam no pré-natal, parto ou pós-parto, que podem mudar o desfecho de muitas histórias.

E aí cabe a reflexão (que não tenho respostas prontas e trago aqui para problematizarmos juntas): Por que somos desencorajadas a denunciar erros médicos, negligências e violências obstétricas diversas? Seria a sensação de que somos pequenas demais diante do imaginário grandioso que foi construído em relação a esse grupo de profissionais que, na maioria das vezes, é composto por pessoas de classe social e intelectual distinta das que pertencemos? Ou pode ser também dificuldade em ler e compreender que o que vivenciamos dentro de um hospital é de fato resultado de uma conduta inadequada? Cabe ainda pensar em violência de gênero, desconhecimento de caminhos para formalizar denúncias e pouca visibilidade de campanhas que versam sobre combate à violência de gênero. 

Seja qual for a resposta, meu desejo é que a força da frase “sem anistia” soe forte em Brasília, no caso da família Bolsonaro, na busca de justiça por Marielle e em diversas outras esferas. Que a gente possa esgarçar essa expressão e a leve para junto de toda e qualquer ação que fira nossa dignidade humana.

Saiba Mais

Doutora Renata Lopes (@dra_renatalopes)

A doutora Renata Lopes é ginecologista obstetra e mantém um perfil no Instagram onde apresenta orientações sobre diversas sobre gestações e tira dúvidas de suas seguidoras. Seu posicionamento é bastante respeitoso quanto o tema é a morte de bebês. Recentemente fez uma postagem bastante didática e interessante, diferenciando fatalidade e falhas no sistema de saúde.

Raquel Afonso, mãe da Melissa (@raquel_afonso_quelcand)

#JustiçaParaMelissa

Conheci a Raquel nas rodas de apoio ao luto promovidas pelo Instituto do Luto Parental. Em 2020 Raquel sofreu violência obstétrica e negligência médica:

Entrei no hospital bem, com a minha filha no ventre bem, pronta para nascer, e sai do hospital sem a minha filha nos braços, com a saúde debilitada sem o útero e traumatizada. Sobrevivi para fazer Justiça pela minha filha, ela existiu foi Amada e Esperada. Estamos todos da família traumatizados. Era para minha filha estar aqui hoje saudável perfeita e tiraram a vida dela”.  

Hoje Raquel segue contando sua história para movimentar o cenário atual. Raquel luta fortemente e enfrenta todos os questionamentos que eu trouxe neste texto. Ajude a Raquel e todas nós assinando a petição que pede JUSTIÇA PARA MELISSA.

Imagem: Acervo pessoal da autora

Compartilhe:

Escrito por Renata Gibelli

Deixe um comentário