Aviso: este texto será longo e chato

Além disso, citaremos leis e dados que despertarão notas amadeiradas de revolta. Harmoniza bem com ônibus ou metrô lotado no horário de pico de volta para casa.

No dia 26 de junho foi aprovado na Câmara Municipal o novo Plano Diretor Estratégico, que, segundo a LEI No 16.050, DE 31 DE JULHO DE 2014, é “o conjunto de planos e ações que tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu território, de forma a assegurar o bem-estar e a qualidade de vida de seus habitantes. Dentre os princípios que regem esse plano estão: O direito à Cidade; Equidade, Inclusão Social e Territorial, além do Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Ou seja, é um momento em que a sociedade se organiza para planejar uma cidade que busque dar mais a quem precisa de mais e garantir dignidade, acesso à qualidade de vida e preservação do meio ambiente, entre outras coisas que você pode consultar na lei. Acontece que o texto aprovado gerou muitas críticas, pois há alguns pontos que não atendem a nenhum desses princípios.

Mas antes de explicar melhor, é bom lembrar de algo interessante, que vai te ajudar a compreender o porquê de tudo isso. Segundo o Jornal Folha de São Paulo, quase metade das doações feitas para campanhas de vereadores na cidade foi feita por pessoas ligadas ao setor imobiliário e, após entrar em contato com a proposta aprovada, o leitor poderá compreender quão generosa foi a contrapartida dos vereadores.

O projeto define regras que irão facilitar a construção de prédios perto das linhas de metrô e terminais de ônibus, bem como em miolo de bairros, ampliando as áreas construídas e garantindo que o empreendedor pague menos taxas quando atendidos os critérios estabelecidos (como a existência de comércio no térreo). Além disso, a cada 60m2 de apartamento haverá direito a uma vaga para carro. Mas você pode se perguntar: ter moradia perto de metrô e terminais não é algo bom?

O problema é que não há nada no Plano Diretor que trate de moradia popular. Segundo Débora Lima, coordenadora estadual do MTST, em entrevista para a Agência Pública: “A nova revisão autoriza as construtoras a fazerem prédios em regiões valorizadas, onde tem transporte coletivo, mas elas não estabelecem ferramentas concretas para que sejam construídas habitações populares nessas áreas. Na nossa avaliação, na prática, o trabalhador vai continuar morando longe das melhores regiões e do trabalho”.

Perceba, cara leitora, caro leitor, que o número de prédios nas regiões de metrô e terminais vai aumentar e, infelizmente, não seremos nós quem vamos morar ali. Centenas de famílias de outra classe social ocuparão apartamentos próximos ao metrô, muitos desses com área superior a 120 m2, o que dará direito a duas vagas de carro. Em um lugar em que antes moravam 3 ou quatro famílias agora poderá ser ocupado por até 2000 pessoas que farão uso de água, esgoto e energia. Haverá estrutura de saneamento básico? Haverá engenharia de trânsito para que o congestionamento não sufoque mais ainda a região? O escoamento de água no período das chuvas terá vazão em uma região totalmente impermeabilizada? Quem sofrerá os impactos de tudo isso? A presença de fachadas ativas (presença de comércio no térreo dos prédios) garantirá que o pequeno comerciante consiga pagar o aluguel ou esse espaço ficará nas mãos das grandes lojas de pet shops ou academias?

A Cidade de São Paulo conta com quase 32 mil pessoas morando na rua, segundo o Censo de 2022, enquanto, nesta mesma cidade, existem 588.978 imóveis vazios. No centro, onde se encontra a maioria deles, os prédios estão abandonados e são, em grande parte, propriedade de herdeiros e instituições religiosas. Por que não se pensa em políticas públicas para essas construções e pessoas? Todos os dias 4 milhões de pessoas saem da Zona Sul para trabalhar na região central da cidade. A periferia faz a Cidade, mas não tem o direito de vivê-la com dignidade.

A proposta aprovada busca enriquecer o setor imobiliário e não cumpre com o que a lei estabelece. A trabalhadora e o trabalhador levam horas para chegar em sua casa, assistindo a Cidade pela janela, sem tempo de acesso aos bens fundamentais para sua existência. Definitivamente, você irá construir e garantir a riqueza da maior capital da América Latina, mas não será convidado para o jantar, a não ser que sirva os pratos e lave o chão, recebendo mais horas de ônibus, moradia precária, falta de luz e de água. E perceba uma coisa, talvez a mais importante, talvez seja o dado mais violento deste texto: o primeiro golpe cruel desferido antes de tudo isso acontecer foi garantir que você não soubesse o que é o Plano Diretor e, se soubesse, não tivesse condições de pensar a respeito e se organizar com sua comunidade, porque nesta cidade você é “como se fosse da família”, mas dorme no quartinho da empregada e não pode entrar na piscina. Pronto, acabou.

Imagem: Bruno O.

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Escrito por Gabriel Messias

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