O presidente da república veta os principais pontos da lei que estabelece o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que prevê a distribuição de absorventes higiênicos.

Ser uma pessoa pobre nunca foi tarefa fácil em países com desigualdade social.
Ser uma pessoa negra nunca foi tarefa fácil em países com grande vulnerabilidade social.
Ser mulher nunca foi tarefa fácil em países com desigualdade de direitos.
Ser uma mulher não cis* nunca foi tarefa fácil em países repletos de preconceitos.
Ser do gênero feminino num país com inúmeras desigualdades sociais, racismo, preconceitos e com um genocida, machista, lesbofóbico, homofóbico como presidente, faz de cada uma dessas pessoas, uma sobrevivente.
(*Cisgênero (Cis) é o termo utilizado para se referir ao indivíduo que se identifica, em todos os aspectos, com o seu gênero de nascença)

POBREZA MENSTRUAL É UM PROBLEMA SOCIAL E DE SAÚDE PÚBLICA

Já não é mais novidade para todo o povo brasileiro que o país vem passando por um processo de desmonte e retirada de diversos direitos conquistados a duras penas. 

Quando analisamos a situação atual do Brasil, constatamos que enfrentamos problemas econômicos, políticos e sociais dos mais diversos. Tendo no poder um presidente e um grupo de ministros omissos às reais necessidades do povo brasileiro e com uma política deliberada de exclusão de direitos, nos coloca em constante situação de risco social e podemos listar um conjunto de ações que vêm potencializando o aumento do nível de desigualdade no país.

É possível apontar diversas medidas tomadas desde o início do mandato do atual presidente, que atingem de forma direta ou indireta a qualidade de vida da população, principalmente as que estão em maior vulnerabilidade social.

Podemos citar a política econômica que vem privatizando empresas que deveriam permanecer sob o comando da administração pública, garantindo a autonomia do país.

Mencionar também o desmonte dos direitos trabalhistas, que foi apresentado pelo governo, como uma reforma que prometia gerar empregos e tem sido questionado por diversos movimentos populares progressistas na ocasião, mas serviu apenas para deixar ainda mais precária a vida da classe trabalhadora, com um grande número de trabalhadores sem direitos, na informalidade e mesmo desempregados, aumentando de 12,3 milhões de pessoas desempregadas em 2017 para 14,1 milhões em 2021 (dados do IBGE).

Há também uma série de medidas que foram tomadas para impedir o avanço em estudos e pesquisas, na preservação do meio ambiente, no incentivo ao lazer e cultura, à educação, saúde, a destruição dos conselhos de participação, políticas de defesa à vida da população LGBTQIA+, à vida das mulheres, enfim, podemos listar um calhamaço de ações que afetam diretamente a vida do povo brasileiro.    

Quando analisamos essas informações, fica muito claro que o desmonte de diversas políticas conquistadas e que garantiam a defesa dos direitos humanos tem sido uma marca do governo federal de Jair Bolsonaro, implicando num retrocesso geral para o país, aumentando a miséria e a fome. Todavia, é preciso considerar também que vivemos num país machista e racista e, dessa forma, toda essa opressão que recai sobre a sociedade, de modo geral, tem um peso três vezes maior sobre as mulheres e a carga vai ficando ainda árdua quando a mulher é negra.

No início da pandemia houve um alerta da ONU: mulheres chamando a atenção de todos as autoridades políticas, sanitárias e organizações sociais sobre como a pandemia e o isolamento social poderiam afetar as mulheres, apontando o risco de aumento de violência doméstica, desemprego, diminuição ao acesso a serviços públicos diversos. Ao longo dos meses de isolamento social foi possível constatar, através de todos os meios de comunicação, que essa previsão estava correta.

Aqui mesmo, nessa coluna, apontamos em números anteriores as implicações da pandemia da vida das mulheres como profissionais de algumas áreas de atuação ou desempregadas que assumiram a tarefa de suprir as necessidades básicas de suas famílias e, em muitos casos, sem ter acesso o auxílio emergencial. Mulheres das mais diversas idades que já tinham uma jornada de trabalho tripla se tornaram reféns do descaso público, buscando alternativas para sobreviver e manter vivos os seus, fugindo das mais diversas mortes que essa pandemia potencializou: da própria Covid-19, da fome, da falta de saneamento básico, da violência doméstica, da ausência de políticas públicas para a saúde da mulher. 

E como se não bastasse todo esse histórico de ações, na primeira semana de outubro, o presidente da república veta (proíbe) os principais pontos da lei que estabelece o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (14.214/21), que prevê a distribuição de absorventes higiênicos para estudantes do ensino fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade social, em situação de rua e mulheres em privação de liberdade.

Essa lei, que é fruto do projeto de lei (PL) 4968 da deputada Marília Arraes (PT-PE), já vinha sendo apresentada para aprovação da Câmara dos Deputados desde 2019. Trata-se de uma resposta da organização de diversos coletivos feministas que já pleiteavam há mais tempo leis voltadas para a saúde menstrual, visando minimizar a exclusão social que a pobreza menstrual gera.

“De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o acesso à higiene menstrual deve ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Nesse sentido, pobreza menstrual é um conceito usado para descrever um fenômeno multidimensional que afeta as pessoas que por motivos financeiros, de infraestrutura e falta de conhecimento não têm plena capacidade de cuidar da sua menstruação. Ou seja, diz respeito não somente à questão da falta de acesso a produtos de higiene menstrual, mas também às condições de infraestrutura adequada e o acesso à informação. Ainda segundo a ONU, no Brasil, 25% das meninas entre 12 e 19 anos deixaram de ir à aula alguma vez por não ter absorventes. ” (Fonte: https://ibase.br/2021/10/08/cuidar-da-higiene-menstrual-e-um-direito-de-cidadania/opiniao/)

Pobreza menstrual é um problema social e de saúde pública. Social porque afasta as mulheres de espaços públicos como trabalho, escola e outras atividades coletivas.

Meninas se ausentam da escola até 45 dias por ano por falta de acesso a absorventes. A consequência é a redução do nível de aproveitamento escolar em relação aos meninos, provocando um desinteresse pela escola.

A distribuição de absorventes para estudantes de baixa renda, mulheres em situação de rua e mulheres no cárcere é uma questão de dignidade humana, passando prioritariamente pela higiene e saúde dessa população vulnerável e fragilizada pelo descaso e pela ausência de políticas públicas.

É mais um projeto desse governo misógino e irracional que tem um descaso pela dignidade humana, que não estabelece prioridades a partir do respeito e preservação da vida. 

Não é raro que mulheres em situação de grande vulnerabilidade social façam uso de miolo de pão, jornal, trapos para conter o ciclo menstrual e, dessa forma, aumentam as tantas misérias que enfrentam: a fome do estômago, a fome do conhecimento, a fome de dignidade e acesso à saúde pública.

Combater a pobreza menstrual é dialogar com questões básicas para além dos itens de higiene pessoal. É implementar projetos de educação social, quebrando tabus que a falta de informação ajuda a perpetuar, a criação de políticas de saneamento básico que possam garantir condições de higiene necessária para as mulheres, eliminando riscos de saúde decorrentes da ausência desses fatores básicos e indispensáveis.

As mulheres são a maioria da população brasileira (50,77%) e também são a principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Elas frequentam os serviços de saúde tanto para cuidar de si como de outros. São cuidados com filhos, pais ou idosos em geral, acompanhando vizinhos, familiares diversos.

O cuidar da saúde envolve outros cuidados como a relação com o meio ambiente, possibilidades de acesso ao lazer e cultura, alimentação saudável, condições dignas de trabalho. Os desequilíbrios nesses outros focos acarretam em insalubridade para todo ser humano. No caso das mulheres, os problemas são agravados pela discriminação nas relações de trabalho, a sobrecarga com as responsabilidades com o trabalho doméstico. As relações de discriminação e preconceitos frequentes vão fragilizando e adoecendo um número cada vez maior de mulheres na nossa sociedade. Pensar em políticas afirmativas, que garantam direitos, e preventivas com a saúde da mulher é um dever dos governantes na instância federal, estadual e municipal.

Não podemos nos calar e aceitar que, num país tão diverso e rico como o Brasil, tenhamos tantas pessoas morrendo diariamente de fome, sede, doenças geradas por falta de saneamento básico, descaso político.

Não vamos admitir que nossas mulheres e meninas encarceradas ou libertas não tenham o simples direito de viver o seu ciclo menstrual com dignidade humana.

Não vamos permitir que esse projeto de destruição dos Direitos Humanos e o desmonte de todas as políticas públicas conquistadas através da organização popular sejam vitoriosos.

Diante de tudo o que está posto, o que nos traz certo acalanto à alma é saber que ainda temos muitas pessoas e coletivos que se opõem a essa estrutura de destruição do Brasil e do povo brasileiro, acreditando e lutando todos os dias para que possamos construir um Brasil justo, igualitário, verdadeiramente democrático e feminista.

Imagem: Colagem da Coletiva de Mulheres

Compartilhe:

Escrito por Coletiva de Mulheres

Deixe um comentário