O fechamento da Polícia Federal, no começo do ano de 2020, tem sido o principal impedimento para um número massivo de pessoas regularizarem a sua situação. Por Eugenia Brage

No dia 25 de junho de 2021 comemora-se no Brasil o dia dx imigrante. Este ano, no meio da pandemia COVID-19 que já deixou mais de 500.000 mortxs, coletivos e organizações de imigrantes e refugiadxs mobilizaram-se até a Polícia Federal, ao grito de “Agendamento já! ”. Entre wiphalas, cartazes e faixas que reivindicam o direito humano à mobilidade, as pessoas presentes gritam numa só voz: “Que queremos? Agendamento já!”.

O fechamento da Polícia Federal, órgão responsável pela emissão da documentação de identidade para imigrantes e refugiadxs, no começo do ano de 2020, tem sido o principal impedimento para um número massivo de pessoas regularizarem a sua situação. Embora a Polícia Federal tenha retomado o atendimento, em agosto de 2020, imigrantes e solicitantes de refúgio denunciam dificuldades para o agendamento no site da Polícia Federal. Uma das mulheres presentes pega o microfone e fala: “Estamos cansadas de tentar várias vezes agendar na Polícia Federal e nós não conseguimos de jeito nenhum! Tem gente… um ano, ano e meio aguardando agendamento”.

A fala em feminino não é casual. Neste dia, elas reivindicam outras lutas: o papel central que elas têm nas cadeias migratórias e nas tarefas de cuidados, e apontam para o fato de serem elas as mais afetadas pela pandemia pelo fato de muitas delas serem “chefes de família que não conseguem os benefícios sociais do Brasil”.

A portaria Nº 21-DIREX/PF, de 2 de fevereiro de 2021, prorrogou o prazo para a regularização migratória dxs imigrantes com documentos de identificação expirados desde o dia 16 de março de 2020, até 16 de setembro de 2021, podendo ser feita a regularização, independentemente de aplicação de multas por atraso no registro ou excesso de permanência ocorrido nesse período. Porém, xs imigrantes e solicitantes de refúgio denunciam problemas para o agendamento online. Não se trata apenas de prorrogar o prazo, mas de entender que ser irregular ou não ter o documento é um impedimento no exercício dos direitos.

Após fechar a rua, manifestantes iniciam a leitura do manifesto elaborado pelos coletivos e organizações no alto-falante. Além de sintetizar as principais situações por elxs vivenciadas durante a pandemia, referindo-se ao agravamento das vulnerabilidades, destacam que: “A falta de documentação implica a não visibilização desta parte da população, de suas demandas e de seus direitos”. “A gente não consegue trabalhar, abrir conta em bancos, a gente não consegue… Às vezes nem cesta básica você consegue porque tem que exibir documento”, relata uma mulher refugiada. 

O pedido de “Agendamento já” faz eco numa problemática mais ampla que é que se fez visível durante a pandemia COVID-19: a irregularidade na documentação. Ao longo de 2020 esta tem sido a principal limitação para acessar o auxílio emergencial, fundamental para garantir as necessidades básicas diante da paralisação da economia. Diante disso, organizações da sociedade civil e movimentos sociais têm atuado junto destas pessoas para garantir a alimentação e itens básicos, atuando como único apoio para essas populações.

Inspirada num movimento iniciado na Espanha e impulsado pelo coletivo de Base Warmis – Convergência das Culturas -, organizou-se acampanha “Regularização já”. Ela articula mais de 15 coletivos e organizações da sociedade civil e advoga pela imediata, permanente e incondicional regularização de todxs xs imigrantes e solicitantes de refúgio que vivem no Brasil.

    No Brasil, os maiores números de imigrantes recentes provêm do Sul Global (países em desenvolvimento) e principalmente, de países da América Latina, sendo estes fluxos históricos caracterizados pela enorme frequência de movimentos humanos através das fronteiras. Quer dizer que esses movimentos não começaram com os acordos de residência. Antes disso, as pessoas também migravam, só que eram expostas a uma série de violências e opressões muito maiores, já que eram considerados “ilegais e criminosos”. Entender isso permite entender também, em palavras de uma das manifestantes, que “Nenhum imigrante é ilegal”. As pessoas que não contam com documentação não são criminosxs, são pessoas em situação de irregularidade migratória. 

No Brasil existe uma Lei Nacional de Imigração, a Lei Nº 13.445, que foi sancionada em 2017. Essa Lei, resultado de muitos anos de luta dos movimentos sociais, teve como objetivo adequar a questão migratória à Constituição Federal de 1988, num contexto de diálogo com a sociedade civil e com atores referentes à questão migratória. A Lei representou uma mudança de paradigma substituindo o antigo “Estatuto do Estrangeiro”, vigente desde a última ditadura militar, e trouxe várias mudanças significativas para a população imigrante e refugiada no Brasil ao considerar que toda pessoa do mundo tem o direito humano a migrar e ser acolhida.

Os importantes avanços no plano legislativo têm direcionado a implantação de políticas inclusivas. Porém, imigrantes e refugiadxs continuam vivenciando dificuldades no acesso a direitos básicos e serviços públicos. A pandemia da COVID-19 tem mostrado que muitas das dificuldades, além da ignorância da população a respeito da lei, a xenofobia e o racismo estrutural, relacionam-se com o fato destas pessoas estarem irregulares. Estar indocumentadx, então, é uma forma de invisibilizacão, é mais uma forma de violência que imigrantes e solicitantes de refúgio vivenciam no seu cotidiano. Muitos direitos foram conquistados, mas ainda temos um longo caminho por percorrer. Apesar das sucessivas violências “Xs irmãos imigrantes estamos aqui, estamos sendo ouvidos, já não somos invisíveis”. O pedido é claro, o Estado e os órgãos responsáveis têm que atuar com urgência. Então, em palavras de uma das mulheres ativistas: “Agendamento: polícia federal, por gentileza…”  Regularização já!

Imagem: Eugenia Brage

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Escrito por Expresso Periférico

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