As opressões e atravessamentos que a gordofobia e a as pressões estéticas promovem na vida das mulheres. Pela Coletiva de Mulheres

Provavelmente você já falou ou escutou alguma vez frases como: “Ela é gorda, mas é muito simpática.”, “Nossa, você é gorda, mas é tão bonita de rosto!”, “Você emagreceu? Agora sim, está linda.”, “Cabeça de gorda.” ou “Hoje é dia de gordice!”. Constantemente, recebemos (ou compartilhamos) pelas redes sociais memes e piadas sobre como a quarentena nos deixou mais gordas, mas você já parou para pensar como todas essas ações fazem referência a um discurso hegemônico imperante de como devem ser nossos corpos? 

De maneiras sutis ou escancaradamente, a gordofobia está presente em nosso cotidiano, sendo mais uma das discriminações e das intolerâncias às diferenças que fazem parte do convívio humano e, muitas vezes, quem a pratica, diz que é uma discussão sobre saúde, mas não é bem assim.

Quando falamos em gordofobia, lembramos de quantas vezes nossos corpos estiveram expostos ao olhar dos outros. É algo que sempre está lá quando vamos comprar uma roupa e não conseguimos encontrar o nosso tamanho, no transporte público, onde os assentos são menores e a catraca muito estreia para que os corpos maiores passem, na praia, onde só pode ser exibido um tipo específico de corpo e os demais devem ser cobertos e escondidos.

A lista de opressões e pressões estéticas é muito extensa e, cada vez mais, percebemos que os espaços não são pensados para acolher, comportar e incluir pessoas gordas, fator que as deixa desconfortáveis e expostas em diversas situações e com a constante sensação de não pertencimento e desrespeito.

Imagem: Reprodução/TV Gazeta

“Eu estou cheia de dores. À noite, eu choro só de pensar no que as pessoas falam. Eu tenho vergonha de sair”.

Esse é o depoimento de Rosângela Pereira, mulher negra de 38 anos (foto) que, em dezembro de 2019, ficou presa na catraca de um ônibus em Guarapari, no Espírito Santo. Enquanto estava presa, Rosângela foi filmada pelos demais passageiros que riam e zombavam muito da situação, mesmo em meio ao choro constrangido da mulher. 

Os bombeiros precisaram ser chamados para socorrer Rosângela e, enquanto o socorro não chegava, o ônibus seguiu viagem normalmente e o constrangimento se seguiu com risadas e uma filmagem que está no YouTube.

Em casos envolvendo obesos, gestantes, pessoas com criança de colo e idosos, o passageiro pode sim pagar a passagem e entrar pela porta do meio, este é um direito, assim como o assento preferencial, também para esta parcela da população.

A gordura passa a ser relevante em todos os vínculos e atividades sociais. Estamos constantemente expostas aos policias dos corpos, a discursos gordo-odiantes que acham que corpo gordo é errado e o relacionam diretamente com ser feio, inútil, doente. Estamos atravessadas por olhares, falas e pensamentos de pessoas que associam a gordura a algo nojento, que constantemente nos lembram do que eles pensam da concepção social do nosso tamanho. Por trás dessas atitudes está o medo de que o corpo esteja se afastando cada vez mais do que é a normalidade, a beleza, das práticas consumistas capitalistas que ditam comportamentos e padrões sociais. São, novamente, pessoas que manifestam seu ódio pelo diferente. Mas a pergunta deveria ser: Diferente de quem? A qual ideal de corpo e perfeição? A qual padrão? Cada corpo é único, não tem, naturalmente, dois corpos iguais. 

Os padrões de beleza existem. Eles representam o modelo ao que se devem aproximar todos os corpos. Eles são a violência exercida pela lógica patriarcal que impõe estereótipos de beleza, principalmente sobre as mulheres. São nossos corpos e subjetividades, as que estão mais pressionadas a responder a um mandato de beleza, como se isso fosse essencial na construção da nossa identidade, da nossa feminilidade. Ainda hoje, muitas não podem evitar “sentir-se encurraladas pelo espelho social que pede mulheres de boca fechada”.  

 (crédito: Universidade de Otago/Twitter/Reprodução)
Imagem: Universidade de Otago/Twitter/Reprodução

“Pesquisadores do Reino Unido e da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, desenvolveram o DentalSlin Diet Control, um aparelho de emagrecimento, ainda em pesquisa, que promete ajudar na luta contra a epidemia global de obesidade. O dispositivo intra-oral é instalado por um profissional odontológico nos dentes superiores e inferiores. Ele usa dispositivos magnéticos com parafusos de travamento (…) e permite que o usuário abra a boca apenas cerca de 2mm, restringindo apenas a uma dieta líquida.”

(Fonte: Correio Braziliense)

Isso não é sobre saúde! Expor uma pessoa a um aparelho como este é assustador e ainda mais assustador é desconsiderar totalmente a saúde física e mental de um paciente por ser gordo. Percebemos que a estética se sobrepõe à saúde e que a busca pela “beleza” marginaliza as pessoas gordas e legitima atrocidades por uma perda de peso não saudável.

Os comportamentos gordofóbicos se apresentam em atitudes que reforçam o preconceito, dando supremacia a estereótipos que acabam estabelecendo situações degradantes, constrangedoras. Experiências que ficam marcadas, marginalizando, desumanizando e excluindo socialmente a pessoa vítima destes ataques. Esses comportamentos acontecem não só na mídia ou redes sociais. Também acontecem na família, na escola, no trabalho e hospitais. Chovem os exemplos de histórias de dor e sofrimento. A causa do padrão rígido de como devem ser nossos corpos, os quais muitas das vezes levam ao automutilamento, isolamento, ao desprezo da própria vida.  

Frente a esta dor, lembro as palavras de Audre Lorde: “Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”. Por isso, precisamos lembrar que a luta contra o disciplinamento dos corpos, imposto através de padrões de beleza hegemônicos e inatingíveis, é uma batalha constante muitas vezes invisibilizada, pois muitas pessoas não consideram a  gordofobia um problema social. Devemos estar alertas ante a reprodução de discursos discriminatórios naturalizados, que estigmatizam e ridicularizam. 

Continuar na luta pela autonomia dos corpos, o reconhecimento da diversidade corporal, precisa ser uma atitude contínua. Juntas, vamos enfrentar o medo que a sociedade tem que nossos corpos existam e resistam. É de modo coletivo que devemos pensar como enfrentar esta problemática. Talvez um primeiro passo nesta empreitada seja: não deixar que coloquem nossos corpos em lugar do objeto de debate.

A busca pela ressignificação dos corpos das mulheres gordas não tem como objetivo tornar o corpo gordo o novo padrão e nem exaltar a obesidade negligenciando a saúde das pessoas, mas tirá-lo do lugar da marginalização, do cancelamento físico e simbólico, da hipersexualização, do repúdio e trazer a este corpo dignidade, saúde mental e direitos fundamentais. Criar novas narrativas que resgatem a autoestima e a autoapreciação, dando protagonismo aos diversos tipos de corpos existentes, pode projetar nossas possibilidades de um futuro menos discriminatório e que respeite a pluralidade.

Compartilhe:

Escrito por Coletiva de Mulheres

Deixe um comentário