Alexsandro Souza Santos: Jovem, Arquiteto e Periferia. Resistir através da Educação.

Resistir para superar estigmas e o preconceito numa sociedade que reserva e impõe à periferia a impossibilidade de sonhar com uma sociedade socialmente justa.

1- Quem é o Alex?

O Alex (Alexsandro Souza Santos) é um jovem de 22 anos, nascido no bairro de Americanopolis, que sempre sonhou em ter um futuro promissor e que jamais se deixou abater pelas adversidades do seu bairro. 

2- Nos conte um pouco sobre sua infância em Americanópolis: bairro pobre, periférico, onde a maioria da população é não branca.

Minha infância foi tranquila, pois, desde criança, sempre fui mais caseiro e dificilmente saia na rua para brincar com as crianças. Meus pais sempre tiveram o cuidado de não deixar nem eu e nem meu irmão na rua por conta da realidade do Bairro. Porém, às vezes saíamos para brincar em frente ao portão de casa e, nesses tempos, já presenciei diversas coisas erradas que infelizmente acontecem na periferia. 

Sempre fui bastante estudioso e adorava ir para a escola de manhã e para uma ONG (CEJOLE) durante a tarde. Observava muitas crianças da vizinhança, na minha faixa etária de idade, que nem na escola estavam matriculados ou até mesmo diziam que era chato ir à escola. E isso era um ponto que me chamava atenção, pois sempre aprendi que a melhor maneira de mudar a realidade na qual vivemos é através do estudo. Como aquelas crianças iriam mudar, se nem ao menos estavam matriculados e não gostavam de ir à escola?

3- É sabido que a região onde moramos é carente de recursos básicos para atender adequadamente e, principalmente, a juventude: faltam áreas de lazer, cultura…Que leitura você faz dessas carências?

Acredito que por conta da alta densidade populacional, fica difícil a implantação de áreas de lazer dentro da comunidade. Não temos espaços livres que possibilitem a implantação e os poucos que temos são privados ou ocupados por moradias irregulares e, infelizmente, quando se tem algo diferenciado como equipamentos de ginástica ou pontos de bicicletários nas pequenas praças, acontecem os vandalismos tirando toda a credibilidade da Prefeitura e Subprefeitura de implementar equipamentos públicos na região e manchando ainda mais a reputação das periferias. 

Em relação à cultura, temos alguns espaços e ONGS, mas que atendem uma  faixa etária ainda baixa, não atingindo diretamente a Juventude do bairro. E algo que cada vez mais se torna difícil é trazer atividades culturais que chamem a atenção do jovem da periferia, pois muitos já não tem mais expectativas de futuro ou estão perdidos no mundo da criminalidade. 

4- Barreiras econômicas e étnicas são/foram impeditivos para avançar na opção que você fez para seu horizonte de formação profissional?

Não, nunca foram e continuam não sendo. Hoje temos diversos métodos para mudar a realidade em que vivemos. Como citei acima, o estudo é a chave principal para o sucesso. Não importa de onde você veio, se tiver força de vontade e perseverança irá conquistar tudo o que almeja. Temos acesso a muitas informações e meios para uma bela formação profissional, através dos vestibulares e bolsas que o governo e as faculdades disponibilizam todos os anos. Claro, nada é fácil, tudo requer um esforço, dedicação e muito estudo, mas quem quer, corre atrás. E como disse meu Padrinho (Aguinaldo) uma vez, assim que conclui meu Ensino Fundamental: ”As pessoas podem tirar tudo de você, menos o seu conhecimento.“  

E levo isso para o resto da minha vida: conhecimento vale ouro. 

5- Como jovem negro e periférico, você percebe ou considera que a sociedade estabelece ou impõe estigmas em relação a todas e todos: quem vêm das periferias e ousa avançar para além do trabalho braçal?

Sim, a sociedade já tem uns estereótipos prontos em relação às pessoas dos bairros periféricos e todos aqueles que tem um segmento de vida diferente desse ainda é visto com olhares duvidosos, porque, infelizmente, a comunidade já deixou uma imagem distorcida que dificilmente é mudada, mas nós que escolhemos ter esse caminho diferente e proporcionar uma mudança de vida para conosco e nossas famílias, estamos aptos a provar para a sociedade que pessoas da comunidade também têm a capacidade de alcançar cargos que somente a Elite tem acesso. 

Também acontece de pessoas da própria comunidade criticar ou caçoar das pessoas que buscam um futuro melhor já que as mesmas não acreditam que podem sair daquela vida e acabam ficando cegas diante de todas as oportunidades que a atualidade nos proporciona e a falta de interesse pelos estudos é o principal ponto que impede de dar um passo à frente. 

6- Arquitetura é um curso frequentado pelos filhos da elite de classe média branca. Como você se percebe, sendo preto e periférico, fazendo parte dessa “reserva de mercado”?

Por muitas vezes já refleti exatamente sobre isso. Me sinto extremamente vitorioso pelo fato de ser preto e periférico e estar cursando um curso de elite, sair da comunidade e estudar numa faculdade, juntamente com jovens da classe média e alta da sociedade já é uma grande barreira vencida, mostrar que dentro das comunidades existem pessoas extremamente inteligentes que possuem a mesma capacidade ou até mais que a elite tem sido sinônimo de muita alegria, não só para mim, mas também para minha família e amigos. 

7- Nos fale um pouco das expectativas familiares com relação à sua opção e também aos horizontes para o futuro arquiteto.

Toda minha família é extremamente feliz e orgulhosa  pela minha escolha profissional, principalmente no circulo familiar mais particular. Da geração dos meus pais eu sou o primeiro a cursar um Ensino Superior. Todos os familiares de um modo geral me veem como exemplo de superação e muita luta para alcançar o patamar que eu cheguei e muito mais que ainda está por vir. Criam bastante expectativas e até brincam: ”Quando eu tiver um terreno, você vai projetar minha casa.” Recentemente fizemos uma reforma na minha casa e tive a oportunidade de colocar alguns conhecimentos que adquiri na faculdade em prática nessa reforma. Fiz o projeto de reforma do interior e o resultado ficou excelente. Tive muito orgulho de mim em saber que, através do meu conhecimento, pude proporcionar para minha família um ambiente mais aconchegante, moderno e charmoso. 

8-  Qual   a  importância do CEJOLE e da comunidade  na sua opção profissional?

O CEJOLE  foi muito importante na minha vida. Lá  pude descobrir que possuo muitos talentos, desenvolvi muitos como por exemplo as técnicas de desenho, senso crítico, criatividade etc., que me ajudam não só na faculdade como no meu dia a dia. A comunidade me fez enxergar mais além e decidir se queria uma mudança de vida ou continuar na mesma, alimentando um círculo vicioso de pessoas que não trabalham, não estudam e não correm atrás dos sonhos. 

9- No conjunto dos jovens que você está inserido na comunidade, sua formação provoca algum impacto?

Sim, a maioria dos jovens que tive vivencia na infância, acabaram presos ou no mundo da criminalidade, outros não seguiram com os estudos ou acabaram tendo filhos. Hoje me enxergam com respeito e alguns até acham que eu possuo uma qualidade financeira melhor que a deles,  pelo fato de cursar ensino superior e trabalhar. Também me enxergam como o “Garoto inteligente“ “esse ai tem futuro “ e por diversas vezes alguns ou até mesmo os pais deles me pedem ajuda em relação a alguma informação, elaboração de currículo e etc… E sempre quando posso ajudo sem problema nenhum. Então acredito que isso causa um grande impacto em saber que eu moro no mesmo lugar, que estou conquistando coisas e lugares que para eles seriam impossíveis, para pessoas que moram na comunidade. 

10- Música e arquitetura. O que nos tem a dizer?

Para mim estão super ligadas: a música me ajuda muito a desenvolver a criatividade quando estou projetando, além de estar inserida no nicho de acústica e conforto. No ramo da Arquitetura, que faz toda a diferença num projeto arquitetônico, uma casa bem projetada, com ótimo isolamento acústico, faz toda a diferença no dia a dia. E meu irmão é músico e compositor. Então, minha relação com a música é bem forte. 

11- Qual o sentido da Comunidade e sonhos de um jovem futuro arquiteto?

Quando escolhi Arquitetura e Urbanismo para minha formação profissional, um dos fatores foi olhar para a comunidade em  que vivo e observar meu entorno e essa análise me fez perceber quantas pessoas vivem em situações precárias sem uma moradia digna que muitas das vezes nem saneamento básico tem. Já que a Constituição Federal assegura o direito à moradia e à melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, por que isso não acontece na prática? 

Porque, cada vez mais, o índice populacional cresce mais e mais nas comunidades, dificultando as possibilidades de moradia digna com infraestrutura básica. A ocupação de áreas irregulares também é um grande problema, pois a realocação dessas famílias por muitas vezes é um problema que acaba gerando mais famílias em situação de rua. Sem contar que tem diversas questões governamentais e políticas. 

Todas essas questões me fizeram  enxergar o quanto o meu curso pode mudar essa realidade, através da Arquitetura Social que proporciona uma qualidade de vida e moradia melhor para famílias de baixa renda e uma interação da população com os aspectos urbanos. 

Resistir para superar estigmas e o preconceito numa sociedade que reserva  e impõe à periferia a impossibilidade de sonhar com uma sociedade socialmente justa.

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Escrito por Mauro Castro

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