Vamos conhecer Loreta Façanha e saber o que representa a campanha “Faça Bonito”

Na décima oitava edição do Expresso Periférico a Coletiva de Mulheres vem com uma matéria que é uma dobradinha de entrevista e informações, com uma Mulher incrível.

Como dialogar sobre a campanha “Faça Bonito”, que ocorre anualmente em 18 de maio, sem conhecer uma das mulheres que atua no território, mobilizando funcionários, crianças e adolescentes para uma reflexão tão necessária, urgente e importante?

Trabalhando num Serviço vinculado à Assistência Social, Loreta Façanha mostra que, quando se tem competência técnica, comprometimento profissional e amor por uma vida plena em direitos para todas e todos, é possível transformar o ambiente de trabalho num local onde se pratica a verdadeira educação em direitos humanos.

Ela menciona nessa matéria algumas pessoas que a inspiram. Será que ela já se deu conta de quantas pessoas também a tomam como referência positiva?

Então vamos conhecer um pouco mais sobre Loreta Façanha e na sequência saber o que representa o “Faça Bonito” e a importância dessa campanha no combate ao abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes.

1ª Parte: A entrevista

Coletiva de Mulheres: Quem é Loreta Façanha?

Loreta Façanha: Vou escrever na terceira pessoa pois falar de si é tão difícil. 

Loreta Façanha, filha de Glaucia, mãe de Micaelle e irmã de João, essas pessoas que fizeram e fazem parte da construção dela, não pode esquecer,claro, de pessoas que estão ou já passaram, como Paulo Gibo, que acredita e incentiva todos os dias, mesmo que no início ele não acreditava e não conhecia o trabalho que ela fazia. Claudio Alves,  que durante anos a ouviu, colocou no colo e amou da forma mais pura que alguém poderia ser amada. 

Foi criança de Projeto Social onde a mãe foi educadora por alguns anos. Grande parte da construção de quem é a Loreta se deve muito ao trabalho e às várias pessoas que a cercam. Cursou Letras, quase não conseguindo concluir por imposição de um relacionamento. Começou a estudar Direito, mas parou no meio do processo. Talvez não fosse o mundo que ela desejava   seguir. 

Contadora de histórias, acredita que o universo lúdico é o caminho para uma boa educação. Gosta de envolver as crianças e adolescentes em suas histórias e cirandas. Esses momentos são muito especiais para ela. 

Gerente de serviço de um Centro de Convivência para crianças e adolescentes, um CCA que atende 240 crianças e adolescentes. Apaixonada por livros: dramas, histórias policiais, terror e romances. Um de seus livros preferido é o Aliciador, já leu cinco vezes. Adora Fernando Pessoa, chega a ter uma parte de uma de suas poesias tatuada nas costas. Fica deslumbrada com histórias de amor, pois acredita que o ser humano não é feliz sozinho e que para cada coração existe um outro coração esperando. 

Coletiva: Há quanto tempo você está na área da Assistência Social e o que te motivou a entrar nessa área?

Loreta: Trabalha na assistência social desde os seus quinze anos, entrou nessa área por influência de sua mãe e sua tia, foi crianças do CCA Vida e Convivência, da Obra Social Santa Rita de Cássia. Foi voluntária e depois funcionária durante oito anos. Após a saída, foi para outra instituição e hoje se encontra gerenciando um CCA do Centro Frei Tito e já está nessa ONG há dez anos. Permanece no social por acreditar que o trabalho da proteção básica é importante e significativo. As crianças e os adolescentes são um excelente termômetro do trabalho, a participação, o empoderamento, o envolvimento com o serviço, demonstram quanto o trabalho é importante e motivador

Coletiva: Qual foi seu maior desafio atuando na Assistência Social? E qual sua maior realização?

Loreta: O maior desafio encontrado dentro da área de atuação foi no momento da mudança do serviço de um imóvel para outro. Precisavam encontrar um lugar para continuar atendendo 240 crianças e adolescentes e tinha que ser no bairro Cidade Julia. Quem conhece esse local sabe o quanto é difícil encontrar casas ou espaços grandes que estejam disponíveis. Foi um ano bem complicado, eram treze funcionários, 254 crianças e adolescentes e 209 famílias que contavam com esse espaço. Ainda por cima, no ano da Pandemia, tudo parecia uma loucura total. Mas foi encontrado um lugar e o serviço continua. Com muita ajuda, muitos, amigos, foi encontrado esse lugar. 

A maior realização, sem dúvida nenhuma, são todos os atendidos que já passaram pela vida da Loreta, cada um deles deixou uma memória, uma frase, um acontecimento ou uma dor. Poder acompanhá-los nas redes sociais, ler frases como “que saudades de você” ou “Lô, você é inesquecível”, ou até mesmo quando eles escrevem a música que ela canta quando vai contar história torna isso a sua maior realização. Por várias vezes, chorou sozinha ao ler palavras deixadas para ela em suas redes sociais por meninos que foram usuários do serviço onde atuava, quando ela tinha só 19 anos. 

Coletiva: Pensando na matéria que você escreveu sobre a campanha “Faça Bonito” e que vamos ler logo após a entrevista, comente com a gente: Como anda o atendimento das vítimas de abuso e violência sexual infantil na cidade de São Paulo? Elas estão recebendo o atendimento adequado?

Loreta: Falando agora abertamente e na primeira pessoa EU, o atendimento à vítimas de violência sexual está bem longe ser o adequado, muitas vezes essa criança e adolescente é exposta. Uma agressão, seja ela qual for, já é traumatizante, ainda mais uma agressão sexual. Tudo deveria ser feito com muito respeito, individualidade e de forma que a vítima não se sentisse  agredida ainda mais.

Propiciar um lugar seguro, com profissionais que saibam respeitar e não julgar. Já temos muitos protocolos e até profissionais com esse olhar mais cuidadoso e humano, mas ainda falta. Mas acredito que tudo que está sendo pensado, a abertura de mais espaço como os SPVV (Serviço de Proteção a Vítimas de Violência) é uma vitória muito significativa. 

Coletiva: Você acredita que os serviços responsáveis em receber as denúncias estão preparados para atender essa demanda?

Loreta: Preparados acredito que sim, mas a alta demanda e a quantidade de funcionários são um complicador para o atendimento desses casos. Sei que esses profissionais estão em constante formação, procuram dialogar com os outros serviços para atender da melhor maneira as vítimas.  Fazem planos de ação em conjunto e até atendimentos em parcerias. Tudo isso pensando em tornar a vida dessa vítima o mais normal possível. Mas, como já falei antes, o alto número e a falta de mais profissionais torna difícil o atendimento. 

Coletiva: O acompanhamento às vítimas e às suas famílias acontece de maneira adequada?

Loreta: Vou responder essa pergunta com um talvez. Posso falar das minhas experiências e casos que passaram no meu serviço. Sim, o acompanhamento tanto para as famílias quanto para as vítimas foi adequado, mas existem alguns fatores que… Exemplo: algumas famílias não conseguirem criar vínculo com o serviço ou só querem esquecer e fingir que nada aconteceu. Isso cria uma barreira enorme, que dificulta para qualquer profissional. Mas isso precisa ser levado em conta, porque tentar esquecer é mais fácil que tratar, na cabeça de algumas pessoas. Mas é preciso sempre cobrar do poder público a melhoria e valorização desses tipos de atendimento, melhorar cada vez mais os protocolos, tornando-os menos invasivos e mais confiáveis 

2ª Parte: 18 de maio – Faça Bonito

Parece uma data como outra qualquer, mas deveria ser uma data lembrada e enfatizada. No ano de 1973, Araceli Cabrera foi violentamente assassinada. A menina vivia com a família em Vitória do Espírito Santo.  A pedido de sua mãe, o que nunca ficou comprovado, ela foi encontrar-se com dois homens, filhos de homens muito poderosos daquele estado. Dias depois, seu corpo foi achado violado, desfigurado e mutilado. Fizeram atrocidades com a menina, deixando-a quase que irreconhecível. Na primeira tentativa de reconhecer o corpo, o pai de Araceli negou que era sua filha devido à dificuldade de reconhecer. Somente em um novo reconhecimento foi dada a certeza que era Araceli. A notícia devastou a família. 

O caso chocou a todos por se tratar de uma garotinha ainda pequena. Pessoas foram silenciadas, policiais que estavam no caso também foram afastados para não falarem sobre o que sabiam. Mesmo sendo um crime de natureza hediondo, até hoje permanece impune. 

Hoje existe toda uma mobilização por parte da saúde, assistência social e algumas secretarias para conscientizar a população sobre a campanha de Combate à Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes (Faça Bonito). Os dados estatísticos assustam muito, pois a violência sexual contra crianças no Brasil é alarmante. Como todas as outras violências. 

Dentro da assistência social, é desenvolvido um trabalho de conscientização com as famílias, crianças e a população. Os serviços de convivência e fortalecimento de vínculos encontraram estratégias lúdicas para trabalhar com esse tema, mesmo ele sendo tão duro e complicado. Algumas dessas estratégias foi a contação de história, gincanas, rodas de conversa e atividades de multimídia.  E na semana do dia de 18  maio, os serviços próximos se concentram em um determinado lugar, nas suas comunidades, para distribuírem flores, que é o símbolo da campanha, conversam com a população falando sobre a importância desse dia, fazem um movimento válido, importante e consciente. Este trabalho é importantíssimo, as crianças podem debater e colocar suas observações, encontrar meios de se defenderem e dialogar sobre todo e qualquer tipo de violência. 

Uma das ações que chama a atenção é a confecção das flores, símbolo da campanha. As crianças confeccionam e distribuem na comunidade como uma das estratégias de espalhar e contar o caso da Araceli e também de divulgação do “Faça Bonito”.

Todos precisam estar atentos, pois a violência contra crianças e adolescentes, muitas vezes, é silenciosa, devido à fragilidade desses meninos e meninas. É importante frisar: todos estão sujeitos à violência, sejam brancos, negros, ricos ou pobres. Pois, muitas vezes, essas crianças vítimas de violência sofrem chantagens para ficarem em silêncio e somente com a conscientização e o trabalho desenvolvido com o apoio da família, da escola e de toda comunidade que vamos conseguir empoderar essas crianças e adolescentes. 

Então, façamos todos nós, bonito também.

Saiba Mais

Caso saiba de algum caso de violência ou abuso sexual não se cale, disque 100 e denuncie. É anônimo e seguro.

Para buscar auxilio com profissionais busque:

Atendimento Psicológico gratuito – presencial:

  • Faculdade UNINOVE – Ambulatório de Psicologia Santo Amaro – Fone: 5546-9014 ou 5546-9127
  • Faculdade UNIP Chácara Santo Antônio – Fone: 5181-1441
  • Faculdade UNIP Vergueiro – Fone: 2166-1160
  • Universidade PUC – 3862-6070

Atendimento Psicológico gratuito – online (via whatsapp):

  • INTS – SUS – Fone: 99999-8457 ou 97158-9820

Imagem: Acervo pessoal da entrevistada

Compartilhe:

Escrito por Expresso Periférico

One thought on “Fazendo Bonito com Loreta Façanha”

Deixe um comentário