A caminhada para conseguir casas populares

Gente falante para nossa gente, o Expresso Periférico foi ao encontro de uma das mulheres lutadoras do território no Jardim Miriam, região sul de São Paulo. Sua família veio para cá na década de 70, e neste período, a classe trabalhadora estava sendo sufocada, devido aos baixos salários, alto custo de vida e um regime político de ditadura Civil-Militar, que proibia o povo de se organizar e lutar por seus direitos. Devido a esta  situação, se agravam as condições de moradia e, como consequência, a formação de grandes favelas na periferia da cidade.

Por outro lado, mesmo nestas condições, as pessoas iam perdendo o medo e se organizando em sindicatos, movimentos populares e Comunidades Eclesiais de Base, estas ligadas à Igreja Católica, que durante aquele período acolhia e apoiava o povo nas suas lutas por melhores condições de vida, e tinha grande participação feminina. É dentro desta conjunção de acontecimentos que a nossa  entrevistada, mesmo passando por um difícil problema conjugal, mas tendo o apoio de outras mulheres em vivência coletiva, vai formando a sua consciência de classe e segue firme nas lutas, entre elas, o movimento de moradia.

Ela veio do campo
Para morar na cidade
Vai contar sua história
Marcada de saudade
Cuidando da família
E da coletividade

Me chamo VANI POLETTI, nasci no dia 18/07/1963 na cidade de Quatiguá, Paraná.

Sou filha da baiana de Jacaraci, Anita Batista Poletti, e do paulista penapolense Luiz Poletti, somos em 9 filhos, 2 já falecidos. 

Me casei com 23 anos, hoje sou divorciada e tenho 2 filhos que se chamam Diogo e Nadine.

Tenho muitas lembranças da minha infância rural e adoro cavalgar!

Meus pais eram trabalhadores rurais e trabalhavam de meeiros. Tudo que plantávamos era dividido com o proprietário da fazenda e pouco sobrava para a nossa sobrevivência.

Meus pais decidiram se mudar para São Paulo no ano de 1974. Neste ano, eu completaria 11 anos de idade.

Já tínhamos parentes que moravam na região, meus avós moravam aqui, então não foi uma escolha muito difícil, teríamos uma rede de apoio e ficaríamos perto da família.

Sua mãe foi  lutadora
Fez a ação solidária
Participando na igreja
Com obra comunitária
Dividindo seus saberes
Na política e culinária.

Minha mãe sempre foi uma trabalhadora rural. Ao chegar em São Paulo, ela começou a participar da Igreja Nossa Senhora Aparecida, foi se envolvendo com um mundo que ela não conhecia no Paraná.  Ela ingressou no grupo do Apostolado de Oração e, cada vez mais, foi se envolvendo com a comunidade e criando sua identidade de liderança, carismática, solidária e que não tinha nenhuma preocupação se precisasse dividir o pão com sua vizinha. 

Trabalhou de diarista para ajudar no sustento da casa, participou do movimento para creches na região, coordenou a implantação do Programa Padaria Comunitária e o Sacolão Comunitário, políticas públicas da então prefeita Luiza Erundina e foi, por dois mandatos, conselheira tutelar na Região de Vila Mariana, pois o da Cidade Ademar ainda não existia.

Quase sem forças
Sua mãe foi energia
Fez levantar do chão
Ligando a sinergia
Aderiu os movimentos
Na luta por moradia.

Bom, tudo começou em 1993, quando me separei e fiquei em um estado muito depressivo, até mesmo com vontade de morrer, pensando em me matar dentro de casa.

Um dia minha mãe chegou em casa e eu estava toda relaxada em um estado deplorável, minha casa suja, roupas sujas espalhadas por toda parte e meus filhos sem os cuidados necessários.

Eu, que sempre mantinha minha casa impecável, limpa e ordenada, e meus filhos muito bem cuidados. Vivia para meu marido e para cuidar da casa.

Minha mãe foi minha salvadora e me puxou do fundo do poço, me aconselhou, pedindo para eu levantar a cabeça e pensar em meus filhos, que precisavam de mim, e por fim me levou para trabalhar com ela na Padaria Comunitária.

Desde então, fui conhecendo outras pessoas, me envolvendo com lideranças e fui participando mais da comunidade. 

Em 1995, participei do 1ª encontro da moradia em Brasília com a FACESP e CONAM com Vander Geraldo.

Em 1998, organizei a primeira reunião na Comunidade Perpétuo Socorro da Moradia Popular.  

Além de organizar a comunidade com o objetivo de lutar pela sua moradia, também fui participando das instâncias a nível Federal, Estadual e Municipal para entender e aprender como funcionam as políticas de habitação e também as políticas sociais como um todo.

Através desta luta, eu coordenei o nosso primeiro projeto, o Residencial Vila Patrimonial de 96 unidades, que foi criado no primeiro mandato do governo Lula pelo Programa Crédito Solidário. E continuo até hoje na luta, possibilitando que outras pessoas também conquistem sua moradia através da luta e participação popular.

Saindo do individualismo
Vivenciando a coletividade
Adquirindo consciência
Para uma nova sociedade
Dona Anita sempre junta
Envolvida na comunidade.

Pensar em uma sociedade mais justa e igualitária, não ser individualista, não foi algo muito pensado, foi um processo bem espontâneo. Foi extremamente importante, na minha adolescência, participava do encontro de jovens na comunidade da Paróquia Nossa Senhora Aparecida. Foi fundamental para meu conhecimento.

Acompanhar a luta da minha mãe pelas creches e ver que deu resultado, me fez entender que, apesar de todo esforço, há conquista. 

E a referência na moradia foi entender que a moradia é a porta de entrada para todos os outros direitos e proporcionar que outras pessoas também adquiram sua moradia.

Com certeza, ela quem me deu todo o suporte para eu ingressar nessa luta e estou até hoje. 

Expresso Periférico: Com as suas irmãs, o que se mudou nessa parceria?

Minha irmã Vera Poletti está dando a continuidade na distribuição do leite para mais de 100 famílias e idosos e está desempenhando um papel de liderança seguindo o exemplo da mãe.

Minha Irmã Vanete Poletti também atuou na luta pela moradia junto comigo e hoje ela exerce a profissão de pedagoga. E também foi fundamental na construção de liderança na comunidade.

Para obter a moradia
Precisa de organização
Famílias necessitadas
Cadastrar e ter participação
Um direito fundamental
Presente na constituição

O processo de organização se dá através da participação em determinada comunidade. A família interessada tem que se cadastrar na entidade e participar das reuniões mensais e atos reivindicatórios da necessidade das políticas de moradia e sociais.

Os principais entraves são;

– A falta de terras;

– Falta dos governantes de implementar programas de habitação para as famílias de baixa renda que mais necessitam.

Tivemos várias conquistas na luta pelo direito à moradia, que foram:

RESIDÊNCIA VILA PATRIMONIAL / 96 UH / OBRA ENTREGUE EM 2013

MORADA DO SOL – SERRANA / 122 UH / OBRA ENTREGUE EM 2018

Onde mora o sol
Na sombra mora gente
Depois de muitas lutas
E trabalho permanente
Consciência e organização
Uma  conquista potente.

Mutirão de trabalho

Trabalho é força humana
Fazendo a transformação
Casa para todas famílias
Fazendo a inclusão
Moradia digna para todos
Nos projetos de habitação.

Assinatura dos contratos

São sorrisos vibrantes
Demonstrando alegrias
Celebrado a conquista
Do direito à moradia.
Que  esteja ao alcance 
De todas as famílias.

Nuvens cinzas e claras
Fluindo na imensidão
Projetos saindo do papel
Erguidos em construção
Fruto das lutas coletivas
Planejamento e dedicação.

PROJETO SANTA SOFIA – SÃO PAULO / 192 UH / Em fase final de aprovação. Será contratada pelo Novo Programa Minha Casa Minha Entidades

“Nem em todas as lutas se têm conquistas,
Mas, todas as conquistas tiveram lutas”.

Meu sonho é viver em uma sociedade mais justa e igualitária, sem preconceito, onde a classe trabalhadora seja a prioridade dos nossos governantes em prover políticas públicas de qualidade à nossa população.

Minha referência sempre é lembrar das lutadoras da região, que foram: Dona Palmira, Dona Cecilia, Pe. Rezende, Dona Anita, minha mãe, é claro. Favelas: Livro Vila Missionária, a história dos bairros de São Paulo, Aquiles Coelho Silva. Livro O governo Goulart e o Golpe de 64, Caio Navarro de Toledo.

Imagens: Acervo pessoal da entrevistada

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