Deva, mulher, negra, periférica: resistência e persistência que esbanja alegria.

“Me chamo Devanir Alice Pedro. Nasci na Vila Mariana, na favela do Vergueiro, no ano de 1969. Com sete meses nos mudamos para o bairro da Vila Missionária, onde resido até hoje e onde também passei toda a minha infância, brincando por toda região, numa época em que podíamos ir para as pedreiras que existiam na região para ver os caminhões retirar pedras e, aos domingos, depois da missa, íamos com nossos pais até a represa onde brincávamos até à noite, com muita tranquilidade.

Tive três maravilhosos filhos. Hoje, divorciada, devo a eles a minha formação de vida, meu amadurecimento como mulher, como mãe e, sem dúvida nenhuma, com meus filhos aprendi a lutar e a vencer uma batalha a cada dia. Não foi fácil ser pai e mãe, mas foi muito gratificante e também a razão do meu entendimento da necessidade de crescermos em direção a uma sociedade igualitária e socialista. Ah, meus filhos chamam-se ROBSON, EVELIN E ROGER. 

No ano de 2006, a vida me ensinou a aceitar o mais duro golpe que uma mãe pode sofrer: uma forte infecção causada por uma meningite bacteriana tirou da minha vida minha filha EVELIN CRISTINA com apenas 18 anos de idade. Por causa dessa bactéria, ela também abortou, pois estava grávida de 5 meses. Perdi, literalmente, o chão! Uma dor imensurável, muito triste! Porém, Deus e os Orixás me fortaleceram e uma psicóloga amiga, Amanda Duarte, me trouxe de volta à realidade. Para suportar a dor e fazer a travessia, tive inteiro apoio: dos meu filhos, que sempre estiveram ao meu lado, e minha família, que foi de muita luz para mim e, também, dos amigos que se somaram à minha dor, o que muito me ajudou a suportá-la.

Sempre gostei de atuar nos poucos espaços de luta da região. No ano de 1986, conheci a dona Margô (em memória), do Parque Primavera. Uma forte liderança no bairro, que já atuava na luta por moradia. Comecei a gostar e, no ano de 2013, ingressei no Movimento de Moradia e na Coordenação do Movimento da Vila Missionária e Cidade Ademar. Hoje, faço parte do coletivo junto com a CECASUL.

Estamos, nesse momento, na luta com mais de 200 famílias. Com determinação e muita esperança de um dia, o mais breve possível, ter acesso a um lar digno, com autonomia e respeito a esse que é um direito básico e, infelizmente, apesar de ser direito constitucional, não é respeitado.

Não nos cansamos de gritar e cobrar do poder público os nossos direitos por moradia!

O movimento me trouxe muita clareza de que a luta por um teto, por um lar, é todo dia! E não podemos deixar de cobrar e lutar por nenhum direito a menos. Está escrito na Constituição, capítulo 6º, que “todo o cidadão tem direito a moradia digna”. Então, nos tempos que estamos vivendo, onde nem uma política pública nos socorre, temos que buscar e juntar nossas forças para fazer valer nossos direitos como cidadãos e cidadãs.

Hoje vejo na minha comunidade o quanto cresceu o número de famílias em situação de vulnerabilidade e quantos outros problemas temos, como desemprego, onde muitos jovem estão desamparados e muitos não resistindo a “oportunidades” fáceis que, infelizmente, podem acelerar a matança de jovens pretos e pobres. A imensa maioria das vítimas da violência policial nos bairros periféricos ou, indo para a gravidez na adolescência, onde depois vemos um sofrimento grande de mães e bebês por falta de estrutura familiar e, nas UBSs da região, a completa ausência de suporte.

Não temos espaços adequados para esporte, cultura e lazer, coisas básicas que em nossa periferia, na minha comunidade, não tem e é um sofrimento em nosso cotidiano. E não falamos ainda sobre transporte público, verdadeira calamidade!

Morando e convivendo com muitas pessoas aqui na Vila Missionária, me sinto como uma líder comunitária do lugar. Me alegro com outras pessoas fazendo festas como no Dia das Crianças e fazendo outras obras sociais. Percebi que, mesmo tendo outras responsabilidades, poderia fazer ainda mais pela comunidade. Assim, no período compreendido entre 2014 a 2016, atuei como conselheira participativa aqui da nossa região. Conseguimos, com muita batalha e persistência, trazer alguns benefícios para a comunidade.

Nesses dois últimos anos, com a pandemia, estamos numa difícil travessia e, particularmente, estou, junto com o Movimento de Moradia , entregando cestas básicas para algumas famílias. Nessa árdua batalha pela sobrevivência, pude perceber a revolta da população contra esse poder público que nos deixou desamparados num momento tão cruel, quando viraram as costas para nós. Vendo o sofrimento, o caos e todas as mortes acorridas, todo esse despreparo e o desmonte desse governo, percebo, cada vez mais, que há uma intenção em deixar, principalmente o povo periférico, abandonado. 

Muitas e muitos ficam revoltados, mas é preciso, além da opinião individual, atuarmos coletivamente. 

Sou uma mulher negra periférica candomblecista, guerreira, que já levou muito tombo e porrada nessa vida, mas estou aqui para lutar e vencer! Sonhos, tenho muitos! Principalmente para realizar junto com minhas noras Viviane e Janaína, meus netos amados Gabriel, Mikael, Enzo, Manuela e Tiago e meus filhos Robson e Roger.”

Imagens: Acervo Pessoal

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Escrito por Expresso Periférico

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