O drama da exclusão e a especulação imobiliária impondo sofrimentos e desafios. Por Geilson Sampaio

Em um país onde alguns parecem (fato) ter mais direitos que outros, deixo para sua reflexão a realidade de centenas de famílias que, por décadas, lutaram para construir suas vidas em uma das áreas mais caras da cidade, a região da Avenida Água Espraiada, que no ano de 2014, com o advento da Copa do Mundo, o governo do Estado de São Paulo decidiu construir uma linha de monotrilho que ligaria o aeroporto de Congonhas ao estádio do Morumbi. Para que todo esse “espetáculo futebolístico” pudesse ter acontecido, nos bastidores dessa grande façanha no Brasil, muitos/as outros/as deixaram de “existir”, de morar, perderam seus endereços, suas identidades, raízes, histórias, resultado massivo de um grande processo de especulação imobiliária e gentrificação. 

Nesse sentido, o fim das comunidades do “Comando” e “Buraco Quente” foi decretado sumariamente, quando ainda se imaginava que os jogos seriam disputados no território vizinho. Porém, com a competição transferida para o bairro de Itaquera, Zona Leste, as obras de mobilidade continuaram e o plano arbitrário de retirada de todas as famílias também. 

Por muitas décadas, inúmeras famílias lutaram para construir sua história, foram muitas as modificações, os sofrimentos, os desafios.  Incontáveis foram os incêndios e enchentes, consequência da falta de habitabilidade e da ausência histórica de políticas habitacionais e urbanas das cidades brasileiras. Episódios estes que eram constantemente noticiados e propagados como negligência dos/as moradores/as. Na década de 90, na gestão do então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, avenidas e viadutos rasgaram esses territórios favorecendo o mercado imobiliário em detrimento das pessoas, grandes edifícios e condomínios de custo exorbitante foram desenhados nas telas dessas regiões, dando início a um longo e permanente processo de especulação imobiliária e gentrificação dessas áreas. 

Voltando ao monotrilho Linha 17- Ouro, em meados de 2012, a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) em convênio com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU), iniciou o processo de retirada das famílias de suas casas para dar lugar a uma obra que estava no planejamento oficial da Copa do Mundo de 2014, mas que até hoje (2021), não está pronta. Mais uma obra de grandes investimentos públicos e pouco retorno para a população. 

Na época foram ofertadas duas propostas para quem fosse removido: uma indenização baseada no tempo de moradia somada às benfeitorias feitas nas casas ou a opção de inserção no programa de habitação da CDHU, em que a família ou o indivíduo recebem uma unidade habitacional, na mesma região de onde foi removido/a. Nenhuma das escolhas aconteceu sem perdas, foi um período de muitas dúvidas e aflições. As pessoas que lá habitavam tiveram que deixar seus lares, aderindo “espontaneamente” a propostas oferecidas pela CDHU/Metrô e, com o aceite, as famílias tiveram que desocupar seus imóveis imediatamente. Como procedimento padrão, a CDHU “inutilizava” as casas para evitar posteriores retornos e reocupação, procedimento esse que ia transformando a comunidade em um verdadeiro cenário de guerra, cujos destroços formavam uma mistura de entulho e lama. 

Essa trama causou na comunidade uma grande sensação de impotência e abandono, agonia essa que o Poder Público deveria e poderia ter evitado. Isso fez com que a população remanescente sofresse ainda mais com o desfazer de suas histórias e o peso ficar e lutar. Poderia ter sido diferente? Sim! Todavia, hoje fica ainda mais evidente que as famílias não eram a prioridade. Quando as pessoas, as famílias, o cidadão, o indivíduo, deixaram de ser PRIORIDADE, não sei mais no que acreditar. 

Nossa denúncia é que, ainda hoje, existem centenas de famílias aguardando suas moradias e que não querem continuar como “pipas” que foram cortadas por “Linhas” de cerol, por que não dizer de “Ouro”, que ficam pairando no ar (auxílio aluguel), como sem saber seu rumo, sua direção, sem saber onde vão cair, sendo levadas de um vento a outro flutuando no ar. 

Para saber mais e apoiar nossa luta divulguem nossa CARTA ABERTA, republicada na edição nº11 do Expresso Periférico.

Imagens: Geilson Sampaio

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Escrito por Expresso Periférico

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