A importância histórica da vacinação para o controle e prevenção das doenças e a vacinação contra a Covid-19

Por Professor Betinho

Em momentos de graves crises de saúde em escala mundial, como o vivido nos dias atuais,  por conta da pandemia da Covid-19/Coronavírus, é necessário buscar informações confiáveis, conhecimento acumulado por experiências semelhantes no passado e seguir as recomendações de especialistas da área sanitária: cientistas, médicos, entidades representativas e de pesquisa na infectologia, além da OMS (Organização Mundial da Saúde) são boas fontes de informação. Confiar na ciência e fugir de fontes de informação não confiáveis é fundamental. 

A experiência histórica nos mostra que o distanciamento social, normas de higiene, uso de máscaras e isolamento de doentes foram usados em outras epidemias e pandemias de doenças infecciosas e contagiosas como forma emergencial de solução das crises, enquanto se buscavam tratamentos, mas que a solução definitiva de controle é alcançada pelo desenvolvimento das vacinas. Doenças como poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, catapora,difteria, tétano, hepatite B, hpv, febre amarela, meningite, diferentes tipos de gripe, varíola, entre outras, são exemplos de doenças cujas vacinas já foram produzidas e são aplicadas na população, como forma de prevenção, imunização e controle. Aliás, a varíola é a única doença considerada erradicada no mundo, mas doenças graves como poliomielite, sarampo,difteria e rubéola já chegaram a zerar os casos no Brasil pela vacinação. 

As vacinas surgem justamente diante da necessidade de reduzir o número de óbitos causados por doenças contagiosas.  O termo “vacina” remonta ao ano de 1798, data de publicação do primeiro estudo sobre o tema, realizado pelo médico e cientista inglês Edward Jenner (1749-1823) a respeito da varíola. Após ouvir relatos de que trabalhadores da zona rural não pegavam a forma grave da doença, pois já haviam tido a varíola bovina, ele realizou experiências, introduzindo o líquido presente nas lesões de uma ordenhadeira infectada pela varíola bovina em um jovem de 8 anos, que manifestou uma pequena infecção, curando-se em poucos dias. Após, introduziu o pus da varíola humana no mesmo garoto e ele não desenvolveu a doença. Dessa forma, observou que os rumores tinham base científica. 

Em 1881, o cientista francês Louis de Pasteur começou a desenvolver a segunda geração de vacinas, voltadas a combater outras doenças além da varíola. A partir de então, as vacinas começaram a ser produzidas em grande escala e passaram a ser um dos principais elementos de prevenção e combate às doenças no mundo, após longas pesquisas, muitos testes e a validação dos estudos por médicos e cientistas.

Apesar das comprovadas contribuições das vacinas na prevenção das doenças e no aumento da expectativa de vida nos séculos XIX, XX e XXI, sempre houve movimentos antivacina significativos, com pessoas movidas por ignorância, preconceitos, fanatismo, falta de sensibilidade, desconfiança na ciência e, principalmente, por manipulação política e ideológica. Era de se esperar que, com os avanços científicos e com a democratização das informações, esses movimentos arrefecessem. Porém, não é o que observamos nos dias atuais e isso é perceptível em discussões sobre o tema e, de forma particular, com relação às vacinas em estudo e desenvolvimento contra a Covid-19. Vemos teorias conspiratórias e fake news  que vão desde a implementação de chips de controle nas pessoas até alteração de DNA, que a vacina pode causar autismo, infertilidade ou doenças diversas, entre outros absurdos. 

Como dito, essa desconfiança já ocorreu em outros momentos históricos. Em 1904, no Rio de Janeiro, uma revolta popular de grandes proporções chegou a ameaçar a ordem institucional estabelecida. Devido às condições sociais  de uma população concentrada em moradias de péssima qualidade (cortiços), desprovida de saneamento básico, educação, saúde e outras condições de sobrevivência, doenças como a varíola e a febre amarela aterrorizavam os habitantes da então capital do país. Como forma de combater essa realidade, uma campanha de vacinação obrigatória e compulsória, liderada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, aliada a um processo de reformas urbanas e destruição de fontes de contaminação, foi iniciada. Manipulados por interesses políticos, pela ignorância e pelo medo, moradores foram às ruas. A cidade mergulhou numa série de protestos e conflitos que ficaram conhecidos com A Revolta da Vacina. Esse motim popular, que teve depredação de edifícios, veículos, além de feridos, mortos, deportados e presos, só teve seu fim após forte repressão e a decretação do fim da vacinação obrigatória. 

Bonde virado pela população na Praça da República durante a revolta.
Fonte: Wikipedia/Wikimedia Commons

As marcas deixadas nesses dias de violência foram terríveis, pois a adesão à vacinação, que vinha crescendo, despencou e a cidade do Rio de Janeiro foi atingida em 1908 pela mais violenta epidemia de varíola de sua história. O povo, então, correu para ser vacinado, num episódio que poderia ser interpretado como uma revolta da vacina às avessas. 

Com quase um século de experiência acumulada diante dos avanços científicos e nas políticas públicas no campo da vacinação, surge o PNI (Programa Nacional de Imunizações), cujo objetivo é oferecer as vacinas de forma gratuita e com qualidade a todas as crianças que nascem anualmente em nosso país, mas também a jovens e adultos, tentando alcançar coberturas vacinais em todo território nacional, hoje como ação do SUS (Sistema Único de Saúde).

Existem muitos interesses para  além da questão sanitária quando o assunto é produção de vacinas. Elas  são fabricadas por laboratórios nacionais, internacionais ou por institutos especializados, ligados ao poder público, como o Instituto Butantan ou a Fiocruz.  Apesar de poderem ser consideradas bens de interesse comum, há os interesses econômicos relacionados aos laboratórios que realizam as pesquisas e são detentores das patentes. Nos últimos tempos, temos ouvido diuturnamente nomes como Pfizer, Sinovac, Astrazeneca, Moderna, Janssen, Sinopharm, Covaxx, Novavax, Merck, Serum, Bharat Biotech, para citar algumas das empresas internacionais com vacinas contra a Covid-19 em desenvolvimento. Mesmo sendo de interesse público, essas empresas muito mais competem do que cooperam entre si nas pesquisas. A  produção das vacinas torna-se um grande negócio, principalmente em tempos de pandemia, pois os investimentos de governos são maciços e a venda da produção é garantida mediante demanda urgente. Como efeito colateral perverso, temos a priorização dos países ricos que puderam investir nas pesquisas num primeiro atendimento, quando as vacinas começam a ficar prontas. Além disso, no planejamento da imunização, como cada país se organiza de uma maneira diferente, corre-se ainda o risco de se priorizar quem pode pagar pela vacina e não os mais vulneráveis, utilizando-se de uma lógica capitalista perversa. No Brasil, o controle das imunizações é feito pelo SUS, mas, recentemente, vimos algumas iniciativas de empresas privadas de saúde no sentido de adquirir suas próprias vacinas, nessa lógica de transformar saúde em negócio.

Podemos afirmar que as vacinas, via de regra, são seguras. Mesmo no caso das produzidas em tão curto espaço de tempo, como as vacinas contra a Covid-19 que começaram a ser aplicadas em diversos países do mundo, isso só está sendo possível devido aos avanços científicos nesses mais de dois séculos desde o aparecimento da primeira vacina e do conhecimento acumulado por muitos anos de pesquisas. Mesmo assim, antes de serem aplicadas no público geral, elas têm que passar pelo rigor científico exigido pelas agências reguladoras de cada país, no caso brasileiro da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), uma vez que, como qualquer medicamento ou mesmo alimento, existem sim possíveis efeitos colaterais leves ou mesmo reações mais graves, já que existem pessoas que podem ser alérgicas a algum componente de sua fórmula e que, portanto, não podem ser vacinadas, ou grupos impedidos de receber algumas vacinas específicas por orientação médica, como grávidas, por exemplo. Mas, no geral,  os ganhos são muito superiores aos riscos. 

A vacinação humana é uma conquista histórica irrefutável. Trata-se de um grande pacto social em que todos ganham ao prevenir e barrar doenças contagiosas que, durante muitos anos, levaram precocemente pessoas de diferentes lugares, etnias, credos e culturas. Também é uma esperança frente a novas enfermidades que surgem nessa nossa jornada no planeta. Ao contrário do que possa parecer, não é questão individual, pois, ao se vacinar, além do indivíduo se proteger, ele também protege o seu semelhante que, por alguma questão específica (alergia, gravidez, contraindicação), não pode tomar aquela vacina. Por isso, é uma questão coletiva da sociedade, que clama por um plano de vacinação relativo à Covid-19 aqui no Brasil, por exemplo.

São inaceitáveis, em pleno século XXI, que o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, tenha demorado tanto tempo a apresentar o Plano de Imunização, com cronograma de aquisição das vacinas, com a logística envolvida na compra de seringas, distribuição, armazenamento, aplicação, público envolvido dentro das prioridades, datas, etc. Mais grave é a politização realizada por mandatários de plantão, sejam eles quais forem. Não nos interessa, enquanto nação, políticos que incentivem movimentos negacionistas, contrários à ciência e que liderem, por palavras e exemplos, movimentos antivacina, baseados em desinformação, fake news, fanatismos de qualquer ordem.Também não buscamos o “pai” da vacina ou o salvador da pátria de plantão. Precisamos, sim, de bom senso. Queremos vacinas contra a Covid-19 gratuita para todos, oferecidas no PNI pelo SUS, seguindo regras claras, transparentes e objetivas, fazendo parte de uma política de estado, com caráter técnico, científico, sanitário, para o bem da população que já não suporta mais as consequências sociais, políticas e econômicas, dessa pandemia, que já nos tirou mais de duas centenas de milhares de brasileiros.

Fonte: Fotos Públicas/Governo do Estado de São Paulo

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Escrito por Prof. Betinho

Roberto Bezerra dos Santos, professor Betinho, é formado em Letras pela USP e atua na rede pública de ensino desde 1996, sendo desde 2002 professor concursado de Língua Portuguesa no município de São Paulo e desde 2003 no município de Diadema. Ativista cultural, do movimento negro (Círculo Palmarino) e Hip Hop, é presidente de time de várzea (GRE Congregação Mariana). Facebook: professorrobertobetinho Instagram: profbetinho Twiter: profbetinho1973

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