“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer” (Conceição Evaristo). Por professor João Batista, Comando de Greve da DRE- Santo Amaro.

Enquanto vos escrevo, a luta dos trabalhadores da rede municipal de educação de São Paulo já ultrapassa os 75 dias e já é, de longe, a greve mais longa da história da categoria. Mas essa greve não deve ser considerada histórica somente pela quantidade de dias de paralisação dos trabalhos e discorrerei um pouco sobre nas próximas linhas.

Vivenciamos uma das mais graves crises econômicas mundiais, desencadeada pelo “estouro da bolha” imobiliária estadunidense em 2007, que foi agudizada pela crise sanitária mundial. E, como sempre, a fatura recai sobre as costas dos trabalhadores, que sofrem um rebaixamento na qualidade de vida, que se abate na classe trabalhadora de todo o mundo. Porém, sobretudo nos países da periferia do sistema capitalista, onde a superexploração e a precarização são fatos desde há muito, a pandemia amplificou as desigualdades, espalhando, além das mortes, um empobrecimento em massa, principalmente entre a população negra. Enquanto que mais da metade dos lares brasileiros, pelo menos, reduziu a alimentação durante este período, o Brasil emplacou mais 20 nomes entre os super ricos do mundo. Sim, tem gente lucrando muito com as mortes dos nossos. Existe um banquete por sobre os caixões das centenas de milhares de falecidos por COVID-19.

Como já diziam Marx e Engels, a luta de classes existe independente da consciência deste ou daquele, às vezes escamoteada, em outras declarada. E hoje, a burguesia brasileira impõe um ataque frontal e desumano, característico da covardia “inata” da mesma. No Brasil, o genocídio que abarca a juventude pobre e negra se estende quantitativamente sobre uma parcela ainda maior da classe trabalhadora, através do impulso à propagação do vírus, por parte dos governos das três esferas. Pois a negação à ciência não é só da parte do governo federal, porque, se é verdade que o Brasil bate recordes atrás de recordes negativos em relação à pandemia, o estado de São Paulo é o campeão dentro do nosso país. As diferenças ficam apenas na disputa eleitoral para 2022, ainda mais vergonhosa quando olhamos o número de mortes diárias no país, em nosso estado e cidade. Isso mostra o quanto a vida dos trabalhadores importa para a classe dominante brasileira, seja a que possui a cara mais feia representada por Bolsonaro ou a que se autointitula democrática, representada por Dória/Covas. O desprezo pelos trabalhadores e classes populares, que nunca foi algo a se esconder pela burguesia brasileira, hoje é explícita. Pois, se é verdade que o vírus não escolhe quem contamina, a política determina quem pode se resguardar dentro de casa com a geladeira cheia e quem é obrigado a sair, se expondo, para não morrer de fome.

Diante deste cenário de Guerra é que se inicia a greve dos trabalhadores da educação da rede municipal de São Paulo. Inicia-se, pois mesmo diante da pior fase da pandemia, os governos estadual e municipal resolvem reabrir as escolas para aulas presenciais, nos empurrando para um verdadeiro “matadouro”. Assim, desde o dia 10 de fevereiro, os trabalhadores decidiram pela greve e nela seguem desde então. A cada dia a conjuntura vem fortalecendo a argumentação dos educadores de sustentação da greve, pois as escolas que não fecharam ou que pelo menos reduziram drasticamente o fluxo de pessoas por conta da greve, foram fechadas por surto de COVID-19. A greve, que teve por volta de 45% de adesão da categoria (teve, pois após três semanas de recesso e feriados, ainda não temos a atualização desses dados), enfrenta a truculência do Governo Covas/Padula, que se reúne semanalmente com coletivos ligados aos proprietários de escolas particulares e recebe as entidades sindicais dos servidores municipais na calçada. Governo esse que, desrespeitando o direito à greve, usa de “terrorismo” para com os diretores de escola para apontarem os descontos nos salários dos grevistas e que tenta vencer a “Greve pela Vida” através do cansaço e da fome.

Se enfrentando com todas essas dificuldades, a greve tomou corpo com a solidariedade dos gestores escolares, das comunidades e com a direção política dos Comandos de Greve regionais, que, diante da impossibilidade das assembleias tradicionais e da apatia das direções sindicais, surgiram, ocupando um importante espaço. Se organizaram através dos educadores nas regiões, muitos deles, chegando agora ao ativismo político da categoria. O trabalho de construção do movimento por parte dos comandos de greve e os surtos nas unidades são os principais motores de construção do nosso movimento, que sofre com o prolongamento, mas resiste com uma vanguarda sólida que está a defender as vidas dos nossos com “unhas e dentes”.

A greve, que tem como principais reivindicações: o teletrabalho emergencial; vacina para todos; auxílio emergencial/segurança alimentar; e acessibilidade à internet para nossos estudantes, faz coro junto às comunidades escolares, já que as mães, pais e responsáveis optaram, em sua maioria, em não levarem seus filhos para as escolas por saberem do risco. Também reivindica o teletrabalho emergencial e as outras demandas para que isso se efetive. Mas, ao invés do diálogo com todos(as) os envolvidos nas escolas públicas, que se preocupam com as vidas, o governo Covas prefere atender o grande empresariado das escolas particulares, editoras e demais ramos para lhes garantirem seus privilégios em detrimento à vida dos trabalhadores e de seus filhos da nossa cidade. Pois se é verdade que só o fechamento das escolas não resolve o problema da pandemia, também é verdade que nossa luta, hoje, é um dos poucos fatos que questiona a normalização das mortes e, portanto, cobra todas as condições para que possamos retornar não somente às aulas presenciais, mas à normalidade, porém, com todos em plena segurança.

É um movimento histórico, principalmente pelas vidas salvas e pelo impacto positivo na preservação da saúde de toda a população da cidade, pois já reduziu o fluxo de pessoas e, consequentemente, do vírus, tanto com os trabalhadores em greve, como também com o trabalho de convencimento da comunidade. A greve cumpre papel fundamental na luta pela sobrevivência dos trabalhadores e exige valentia. Valentia que jamais faltou aos trabalhadores da educação.

O desfecho desta luta nos parece incerto, assim como o desfecho da pandemia em nosso país. Por isso, chamamos todos a nos apoiarem. Não é possível sonhar com uma sociedade mais justa sem que isso se efetive no apoio incondicional à “Greve Pela Vida”. Se a resposta do governo é a truculência, a crueldade, nós educadores respondemos com a rebeldia “inata” à nossa profissão.

Foto: Simone Coelho

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Escrito por Expresso Periférico

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