Afinal, pra que a gente escreve?
Oito horas da noite de um domingo chuvoso. Faz 14°C no Jardim Miriam. Os participantes da chamada de vídeo trabalharam a semana inteira, o sistema capitalista com seu moedor de carne tentou tirar toda vitalidade desses corpos e, às vezes, conseguiu, deixando-os sem ar nem para a poesia. Mas reuniões como essas são especiais. Por isso, todo mês eles recolhem os estilhaços com uma vassoura, moldam-se no calor da esperança e participam dos encontros. Eles sabem.
Começam a entrar na sala, logo são visitas e anfitriões ao mesmo tempo. Sentem falta de abraços e um tira gosto. “Seu microfone tá desligado”, “ Eu não sei fazer isso, sou analfabeta nessas coisas”, “Como faz pra ver o chat?”
E é assim, na base de muito cansaço e pouco tempo, que acontecem as reuniões desse periódico que foi idealizado no final de 2019 pelos militantes e ativistas que compunham o Centro Popular de Defesa dos Direitos Humanos Frei Tito de Alencar Lima. Na época, pensou-se que seria necessário um boletim impresso com as ações do grupo, para ser distribuído nas feiras livres do território, local onde também acontecia e acontece a Rádio Poste. No entanto, com a chegada da pandemia, foi preciso oferecer esse material de forma digital. Surge dessa forma o Expresso Periférico, que nesta edição comemora a 31ª edição, mas também vem com inúmeros questionamentos: Para que escrever esse tipo de material? Com todos os recursos disponíveis hoje, esse tipo de produção é relevante?
Esse jornal é feito por pessoas de imensa história de luta e outras ainda na construção dessa. Esse é um jornal de inconformados, palavra feita de um “in”, que nos traz a ideia de negativo, junto da palavra conformado, que nos sugere: formado com, ou seja: formado junto. Sendo assim, um jornal de pessoas que não aceitam fazer parte, ou serem formadas pela vida que se performa no sistema capitalista. E, como tudo que o ser humano faz é carregado de seus afetos, essa gente escreve para se encontrar. Encontrar com você, leitora e leitor, mas também consigo mesma. Quando essa gente escreve ela se constrói, elabora-se e deixa seu corpo inconformado cada vez mais sólido, gastando levemente os dentes do moedor da máquina capitalista que o tritura todos os dias, respingando nos acasos de revolta e atos públicos para se encontrar com outros inconformados, costurando assim uma rede: um entrelaçado de fios de espessura e materiais diversos.
Redes são maleáveis, servem para acolher o sono, garantir alimento e conexão. É abrigo e armadilha. A gente escreve para se encontrar enquanto corpo político individual e coletivo.
Essa gente que escreve o Expresso Periférico, em sua maioria, ainda carrega lembranças muito vivas da ditadura militar e da luta das trabalhadoras e trabalhadores do ABC Paulista da década de 80. Gente que viu a região crescer e conquistar dignidade na base da organização popular. Gente que brigou e briga por moradia, saúde e educação. Toda essa gente se reuniu nesta noite para a edição de número 31 do Expresso Periférico. Então, cara leitora e leitor, entenda, isso não é pouca coisa. Saúde!
Saiba Mais
Para saber mais sobre o Centro Frei Tito:
Você conhece o Centro Frei Tito? – Expresso Periférico (expressoperiferico.org)
Para saber mais sobre a Rádio Poste:
[…] Rede de pessoas que motivam outras pessoas a se perceberem e a serem mais. Afinal, como bem disse o Gabriel, a gente escreve para se encontrar enquanto corpo político individual e coletivo. Viva o Expresso […]