Na quarta e última parte da entrevista com Thais Scabio, destaca sua militância em defesa da profissão, organização com cineastas dos territórios e luta para criação da Casa de Cultura de Cidade Ademar.

Expresso Periférico – Recentemente você liderou um processo de criação da TodesPlay, uma plataforma de streaming para divulgação exclusiva de conteúdos produzidos por profissionais negros: conta para os leitores do Expresso Periférico como funciona o acesso, seu conteúdo e os diferenciais? 

Thais Scabio – Ela vem também para quebrar esse estereótipo, a maioria das plataformas de streaming de exibição são comandadas por homens brancos de classe alta, são eles que escolhem o que você vai assistir nessas plataformas. Esse olhar da elite branca e hetero está nas agendas de diversos streamings. Quando a gente cria uma plataforma para quebrar esse olhar trazendo uma diversidade de produção e com conteúdos identitários. Acredito ser uma plataforma muito importante porque a maioria das nossas produções negras e principalmente as periféricas são feitas, via de regra, sem recursos públicos. Uma pesquisa da ANCINE de 2018, apresentou que apenas 4% desses recursos públicos vão para diretores e diretoras negras. A maioria dos filmes produzidos na periferia são feitos sem verba pública, produção por nossa conta e depois não temos retorno, ninguém, ninguém paga por eles e geralmente o fim desses filmes é o Youtube e, para ter uma renda no Youtube demora e um outro ou outro consegue e, que ganha muito dinheiro, são essas plataformas. 

Na Todesplay a proposta de trabalho é a divisão de lucro, é uma plataforma de assinatura e lá tem filmes do Brasil inteiro e fora também, de vários gêneros, está muito bonita e fico super orgulhosa. Nossa equipe principal é composta por várias regiões. Tem eu de São Paulo, Rafael do Pará, Uilton da Bahia e Rio, a Ana do Distrito Federal, daqui da nossa região da Cupecê, nossa assessora de imprensa, Darwin do Ceará e a Viviane Ferreira da Bahia, é um processo bem diverso e bem bonito, estou gostando muito. O valor de assinatura também deixamos popular para viabilizar o acesso das pessoas e ainda tem festivais e mostras e a parte de acesso gratuita. Viviane Ferreira é a CEO da Todesplay, presidente da APAN, cineasta e fez seu longa recentemente. Está sendo uma experiência bem importante, estou conhecendo mais dessa área tecnológica de streaming. 

Ter duas mulheres negras periféricas no controle e na organização de uma plataforma do streaming é uma quebra de paradigmas que estamos enfrentando. As pessoas acham que é um projeto social, mas o projeto é um negócio para trazer renda para o audiovisual negro, para produzir de forma independente e ter seu retorno financeiro com os filmes que produzirem. 

Expresso Periférico – Como você vê e pensa a possibilidade de parcerias com escolas públicas dos territórios, levando o cinema como ferramenta complementar para a educação? 

Thais Scabio – Eu deixei a área da educação formal faz tempo. Penso que o sistema de educação, principalmente o pensamento das Secretarias, da direção, o comando ali é muito retrógrado. Ficou para trás do mundo atual. Tenho bastante dificuldade em fazer projeto atualmente dentro da escola. Faço projeto com escolas que já tem um trabalho anterior. É bem difícil chegar com o Mascate Cineclube em uma escola sem trabalho, exibir um filme e ir embora. Até banana já levamos na tela, porque não fez sentido estarmos ali. É incrível como o mesmo aluno na escola é uma coisa e na comunidade é outra.” 

Expresso Periférico – Por fim, como a pandemia do Coronavírus afeta as produções audiovisuais e quais as alternativas para o seguimento, considerando que para 2021 não se apresenta pelas esferas públicas e seus responsáveis, perspectivas efetivas de medidas que possam conter sua evolução e acolher suas vítimas? 

Thais Scabio – Afeta, principalmente as produções grandes, que tem muita gente envolvida. O cinema é uma área coletiva, não tem como não aglomerar. As grandes produções foram muito mais afetadas, nós produzimos com poucas pessoas porque não temos grana para pagar muita gente e já conhecíamos e fazíamos muita coisa online. Em 2012 eu o Giba editamos um filme para um amigo que estava na Califórnia, já tínhamos esse home office audiovisual (…rsrsrs…) as reuniões da APAN já fazíamos “ online” com representantes do Brasil inteiro pelo Skype, pra gente foi fácil se adaptar. Lamentamos a interrupção das exibições do Mascate, paramos o Cinema na Rua porque as pessoas se aglomeram. Mas as alternativas que se apresentam para o setor, são as apresentações “online” que, alcançam mais pessoas, conseguimos interagir e conversar com muita gente, na última exibição “ online” do Mascate, tínhamos público até em Moçambique. 

Cine Mascate, exibição de filmes em locais públicos.

A tendência é a oferta cada vez maior de serviços digitais pelos órgãos públicos, seja no atendimento, seja no trâmite e emissão de documentos, coisas que poderiam ter feito muito antes ao invés de fazer as pessoas ficarem horas em filas, acho que isso foi um benefício que a pandemia trouxe, uma utilização melhor da tecnologia no Brasil. 

Nossa gratidão a Thais Scabio que documenta no Expresso Periférico essa trajetória encorajadora e permeada pelo desafio de apresentar para o mundo nosso território, seu povo e seus conflitos, mas de uma beleza que suas lentes e seus textos estimularão outros tantos jovens talentos da nossa região.

Não deixe de ler a primeira, a segunda e a terceira partes desta entrevista!

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Escrito por Evinha Eugênia

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