Recuperar a luta por transporte na região é a presente resistência para conciliar moradias e direito à locomoção com qualidade e respeito, é um desafio que temos pela frente.

Em reportagem no jornal OBairro Cidade Ademar, publicado em 8 de outubro de 2022, ficamos sabendo da iniciativa da prefeitura para construir um terminal de ônibus no Jardim Miriam.

Segundo a prefeitura do Município de São Paulo, o terminal iria beneficiar 200 mil pessoas. Todavia, 126 imóveis, predominantemente de casas populares e lojas comerciais situadas na Avenida Cupecê, seriam desapropriadas.

A área apontada pela prefeitura seria entre a Avenida Cupecê, Luiz Stolb e Francisco Alves de Azevedo, engolindo também a Rua Gomes de Amorim, totalizando 18 mil metros quadrados e consumindo, como já apontamos, uma quantidade significativa de residências com moradores que estão a pelo menos 50 anos habitando no mesmo território.

Memória

No início da década de 1960, a Avenida Cupecê já estava asfaltada. Ligava a jovem cidade de Diadema com a Avenida Washington Luiz através da rua das Flechas no Jardim Prudência. Nesse sentido, beneficiou os bairros de Jardim Miriam e Cidade Ademar, bairros dormitório que foram criados no início da década de 1950. O Jardim Miriam foi, precisamente, constituído a partir de 1954. Não possuía nenhuma infraestrutura urbana e, inicialmente, a população não tinha transporte público, sendo que para acessar um ônibus, envolvia deslocamento até a Cidade Ademar ou até a Casa Palma para tomar condução em direção às áreas centrais da cidade e Santo Amaro.

O trajeto era feito a pé, “amassando barro” até que o asfalto chegou e, por conta da iniciativa do Senhor Antônio, o primeiro ônibus passou a fazer o percurso Jardim Miriam, Cidade Ademar, Casa Palma e Santo Amaro.

A empresa do Seu Antônio era de um ônibus só que era velho e constantemente estava quebrado. Porém, era a única alternativa dos moradores do nascente bairro do Jardim Miriam que, na época, era isolado no extremo sul da cidade de São Paulo.

Por volta do início da década de 1960, a empresa de ônibus Viação São Francisco, que depois passaria a se chamar Viação Jardim Miriam, inicia o trajeto entre o centro de São Paulo, Santo Amaro e o Jardim Miriam. Para os moradores foi um ganho extraordinário, pois passavam a contar com uma empresa regular para o transporte de uma população que experimentava significativo processo de crescimento. É como se a civilização tivesse chegado! Mais para o final da década de 1960, a empresa de ônibus Canaã, que mantinha na Cidade Ademar o ponto de parada, estende as linhas até o Jardim Miriam, assim como também o faz a empresa de ônibus Paratodos.

É importante ressaltar que o poder público sempre foi muito omisso em relação ao Jardim Miriam e a bairros adjacentes, deixando na invisibilidade uma região que se tornaria uma das mais adensadas e carentes da cidade de São Paulo.

Exemplo desse abandono ficou tristemente evidenciado no processo de construção do Corredor de Trólebus ABD. Projetado para ser um corredor de Via Rápida eletrificado, foi gradativamente sendo descaracterizado e, por fim, após 20 anos de atraso no processo de construção, saiu um corredor maquiado com pontos de estrangulamento e sem o devido cuidado com a implantação das faixas tanto para ônibus como também faixas para pedestres que, no processo de construção, foi sendo descaracterizado.

Neste sentido, o interesse por um sistema de transbordo e terminal de ônibus para a região é importante, mas passa, também, por um acompanhamento por parte da população, para o terminal não trazer mais transtornos do que benefícios.

O projeto do Terminal

É evidente que a região precisa de um Terminal! Não podemos conviver com ônibus gigantescos estacionados em ruas estreitas ou no entorno de escolas, como acontece nas proximidades da EE José Nascimento, da EMEF Professor Antônio Sampaio Dória e da EE Maria Augusta da Silva Neves. Essa condição coloca em risco a comunidade escolar, particularmente crianças que devem ser protegidas dentro da Escola mas, também, no trajeto e no entorno da escola.

Soma-se aos inadequados espacos que os ônibus ocupam como terminais, o drama pelo qual passam os usuários de transporte na Praça do Jardim Miriam. Verdadeiro terminal a céu aberto, carente de infraestrutura mínima para configurar um terminal de transbordo e transferência para os bairros mais internos à região.

Outro aspecto que também choca é a evidência de que a região possui bairros extremamente adensados e, ao compararmos com outras periferias, mais jovens e mais distantes, encontramos o Jardim Miriam e região completamente abandonados.

Precisamos sim de um Terminal! Porém, onde o colocar, de tal modo que atenda satisfatoriamente os interesses da população, é o debate que a prefeitura deveria fazer com a população, a mais interessada sob todos aspectos.

Resistir para existir

A decisão da prefeitura pela construção do Terminal na área apontada no início da matéria provocou a justa resistência dos moradores que não foram consultados e os colocariam numa situação de absoluta incerteza com relação a tudo que envolve desapropriação, principalmente quando se trata de moradias e áreas populares com história sólida e amizade profunda.

Foram, aproximadamente, seis meses de intensa articulação, mobilização, intensos contatos para reverter um processo que ficou evidente ser uma proposta extremamente prejudicial às famílias que ocupam a região indicada para o Terminal há pelo menos 5 décadas…

Resistiram e venceram!

Nova área foi escolhida e, no dia 17 de março de 2023, a prefeitura de São Paulo através de decreto publicado no diário oficial do município, definiu como nova área o espaço de 20mil metros situado ao longo da Av. Cupecê, entre os números 4429 a 4687 até a rua Luís Stoub e o imóvel 1023 da Rua Alvares Fagundes.

Mais uma vez os moradores não foram consultados e, tampouco, as lideranças comunitárias locais para que o processo fosse conduzido com o mínimo de impacto sobre a comunidade estabelecida e no espaço mais adequado para atender aos interesses da população.

Fica evidente que a construção do Terminal é necessária, mas é igualmente importante envolver a comunidade no processo onde ela é a mais interessada.

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Escrito por Mauro Castro

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