Verônica Cavalcante, a Verô, aprendeu na “raça” seu ofício de Técnica de Som e os “caras” duvidam da sua capacidade e a todo momento, tem que provar por A + B que sabe e tem domínio sobre os equipamentos

Comandando a mesa que não é da cozinha, é de som, Verônica – a Verô – Técnica de Som que com muito talento e muitos botões faz o melhor som, que sai dos palcos e chega nas pistas, limpo e quebrando o silêncio das festas.

Oficineira da Casa Delas (projeto instalado no território para acolher as talentosas, as desejosas, as corajosas que estão construindo um novo lugar para todas), vai protagonizar a primeira oficina técnica para mulheres na atuação da Sonorização de Eventos.

Verônica Cavalcante, mulher negra, moradora no Jardim Apurá, zona sul de São Paulo, tem 31 anos, é mãe de 2 filhos e ganha o pão de cada dia sem amassá-lo, mas com um talento que descobriu ainda menina, Sonorização.

Herdou do pai esse fascínio pelo som e lembra que na casa da avó paterna era o pai quem comandava e ligava o som para as festas de família, Natal e Ano novo.

Ela, muito curiosa e sempre por perto, observava tudo e, quando surgia uma necessidade, soldar um cabo ou recondicionar os alto falantes, estava pronta para ajudar e assim foi ganhando confiança e encantamento pelo ofício.

Na década de 80, seu pai montou uma equipe de sonorização e foi nesse ambiente que cresceu, vivenciando o pai fazendo festas e acompanhando seu trabalho. Logo se viu envolvida e deu os primeiros passos na profissão.

Lembra que começou a operar uma Yamaha MG de 32 canais analógica, quando tinha apenas 15 anos e daí em diante sempre que o pai deixava, nas festas que ele fazia,  era contratada e operava o som.

Aprendeu na “raça” tudo que sabe, foi observando o fazer do pai ou aguçando sua curiosidade numa atividade que requer muita atenção e dedicação.

Há cinco anos decidiu trabalhar somente como técnica de som, é uma atividade árdua pelo fato de ser mulher, agravada ainda pelo fato de ter filhos, mas encara de frente as dificuldades e provocações. Os “caras” duvidam da sua capacidade e a todo momento  tem que provar por A+B que sabe e tem domínio sobre os equipamentos.

Mas, quando se coloca na frente da mesa e o som começa a rolar, a plateia de críticos e desacreditados fica em silêncio, mas não perde a oportunidade de colocar uma vírgula e reiterar que só está acontecendo porque tem o pai no apoio e outras blá, blá, blá.

Verônica ainda dribla as dificuldades da maternidade. Nem sempre consegue alguém para ficar com os filhos para trabalhar. O pai deles é presente e dá esse suporte, mas, quando não consegue, perde trabalhos e sua renda é comprometida.

Expresso Periférico – Como é seu espaço de atuação (festas, shows, eventos em geral)?

Verô

Verônica – Costumo atuar em mostras culturais, Centros Culturais de São Paulo, shows e eventos da prefeitura de São Paulo tipo Virada Cultural, saraus, eventos de algumas comunidades, etc…

Expresso Periférico – A periferia gera essa demanda ou você sai do território para buscar trabalho?

Verônica – São raras as vezes que eu saio procurando trabalho. Graças a meu trampo, as pessoas vão indicando umas para as outras, o famoso e mais eficiente meio de divulgação, o “boca a boca” rsrs.

Expresso Periférico – Existe festa sem som? Qual a sensação de dar movimento, sair do silêncio e esparramar som do palco à pista?

Verônica – Até existe festa sem som, mas é muito mais divertida as que tem som né, rsrs.

Principalmente um som de qualidade, um som que as pessoas conseguem ouvir com clareza aquilo que está sendo passado através do som, seja com DJ tocando, com o grupo tocando ao vivo ou até mesmo uma palestra. A sonorização é o reforço sonoro quando queremos alcançar uma quantidade de público.

Quando mais limpa a sonorização, melhor fica qualquer evento.

Expresso Periférico – Nesse ambiente dominado por homens, como é a disputa de espaço, levando em conta todos os recortes de gênero, raça e classe (mulher, negra e periférica)?

Verônica – É um ambiente hostil, “sujo” como todos os outros onde os homens tentam dominar. É cansativo você ter que lidar com assédio, ter que provar que você sabe o que está fazendo…

Eu já passei por situações do tipo o “cara” ficar o evento todo falando que eu estava trabalhando errado até o momento que eu me irritei e resetei a mesa de som no meio do evento e pedi pra ele arrumar. Óbvio que ele não conseguiu e o evento só voltou ao normal depois que tiraram ele do palco para eu reabilitar a mesa (NÃO FAÇAM ISSO!). Pode prejudicar a festa, mas, naquele momento, eu tinha que interromper o assediador para conseguir trabalhar e essa era a única forma de tirar aquele “cara “ da frente. De certa forma, me senti satisfeita por mostrar que ele foi um “babaca” por tentar me diminuir publicamente no meu trabalho.

Aí tem as panelinhas, muitos “caras” te ajudam, mas por trás guardam segundas intenções. A gente tem que estar sempre atenta.

Expresso Periférico – A profissional que optar por esse nicho de mercado deve ter  equipamentos próprios  ou pode ser contratada como técnica para operar o som?

Verônica – É um trampo como qualquer outro, tem cursos, tem DRT, que é a habilitação para o exercício profissional para técnico de áudio, e você pode ser registrado fixo de uma empresa.

Geralmente o equipamento é da empresa que contrata o Técnico, a não ser que você seja um locador de som. Nesse caso, você leva seu material

É sempre bom o técnico levar com ele fita crepe, fita isolante, caneta retroprojetora e fone de ouvido. São pequenas coisas que te salvam, a você e ao evento.

Expresso Periférico – Técnica de som, como o mercado trata suas trabalhadoras? Na informalidade ou contratações regularizadas?

Verônica – Pode ser contratada fixa ou freela, depende de como o técnico gosta de trabalhar ou das proposta que vão surgindo

Eu gosto de trabalhar de freela por ter a oportunidade de trabalhar com vários eventos e pessoas, mas, futuramente, pretendo pegar a estrada com alguém do rap… Racionais me nota 😂

Expresso Periférico – Como montar equipamentos necessários para operar eventos de pequeno e médio porte?

Verônica – Eu costumo dizer que a gente trabalha com o que tem.

Nem todos os locais tem material mínimo, mas a gente desenrola. O básico é: 1 mesa digital soundcraft, 1 processador DBX, 2 Sub 2×18 cada, 2 caixa 2×15 e1 titaneo, 4 direct Box, 10 pedestais,10 microfones.

Esse seria um material legal para fazer um evento pequeno sem aperto e o cliente ficar satisfeito.

Expresso Periférico – Os grandes shows artísticos têm técnicos próprios  ou geram demanda para profissionais pessoa física? Como se comporta a concorrência?

Verônica – Quanto mais profissional for o artista, mais a equipe dele é completa. A Ivete Sangalo tem o próprio técnico, o Fábio Júnior tem o próprio técnico, o grupo Galo Cantou tem o próprio técnico, o pessoal do funk já está em um patamar que também tem seu técnico.

A gente pensa que não, mas é muito importante essa função, nós fazemos com que o som chegue  limpo para o público e que o artista não force a voz, poupe a garganta.

Eu não me importo com a concorrência, o maior desafio é comigo mesma, estudar, me manter focada, não desistir, é um “trampo” que tem muito espaço e, se você tem contato, você chega mais rápido no seu objetivo, se você não tem contato… ai.. faz igual eu, risos, na raça mesmo e na melhor cara a cara, que vai dar certo.

Abraço as oportunidades que aparecerem e faço da melhor forma. Aí é esperar a colheita da semeadura, o que precisamos é de oportunidades.

Eu só preciso de uma oportunidade, o restante é luxo rsrsrs.

Expresso Periférico – Os incentivos de verba pública alcançam as (os) profissionais técnicos de som para composição de custos de um evento?

Verônica – Depois da pandemia, eu vi alguns técnicos usando esses fomentos para ensinar, formar pessoas, trocar saberes e algumas coisas do tipo. Mas, no geral, os técnicos ganham mesmo com contratação das bandas que participam dos eventos.

Pelo menos é assim a experiência com a maioria dos profissionais que conheço.

Expresso Periférico – Como a pandemia afetou sua atuação, sua renda, e como está sendo o retorno de eventos presenciais e abertos?

Verônica – A pandemia foi loucura, né? rsrs.

Eu fiquei sem trampo do começo até a volta dos eventos, me virei como muitos brasileiros, né? Fazendo outras coisas pra poder pagar as contas. Agora que vem melhorando, mas ainda são poucos os que querem pagar o valor justo pelo nosso trabalho.

O discurso para justificar essa redução de valores ainda está  sendo o de que estamos voltando devagar e ainda não dá pra pagar um valor legal e aquele que acreditam ser justo.

Expresso Periférico – A profissão requer uma disponibilidade de horário, levando em  conta que a demanda por vezes é noturna. Como as mulheres mães enfrentam a ausência de aparelhos públicos (creches ou locais  de acolhimentos para seus filhos) para exercerem a vida profissional?

Verônica – Meu filho tem o privilégio de ter um pai presente. Eu, por sorte, tenho minha irmã e irmão que, sempre que possível, ficam com meu filho quando o pai tem algum compromisso e não pode assumir.

Mas, no geral, meu filho fica todos os finais de semana com o pai para eu conseguir trabalhar e, se não fosse isso, tenho certeza que eu estaria em outra profissão.

Ninguém aceita você trabalhar com arte, ainda mais quando você é mãe, né? Mãe tem que ter trabalho formal, durante a semana, horário comercial, para assim  ser considerada mãe responsável.

Hoje mesmo um parente perguntou quando eu ia arrumar um trabalho de verdade… Complicado esse pensamento conservador e retrógrado. Além de desvalorizar sua profissão, ainda desestimula sua jornada.

Expresso Periférico – Quantas mulheres você conhece que ousaram atravessar os muros das desigualdades e optaram trilhar essa caminhada?

Verônica – Eu tive a oportunidade de conhecer duas até o momento, A Dani, que era amiga do meu pai, com quem não tenho mais contato, e a Técnica do cantor Dexter. Infelizmente, não me lembro do nome dela, mas tive a oportunidade de vê-la trabalhando na Virada Cultural em 2017.

Inclusive eu aproveito para chamar a atenção de mulheres que são técnicas e, quando ler esse artigo, por favor, vamos ser amigas, colar uma na outra, trocar experiências e trampos. Vamos nos fortalecer na luta cotidiana.  😍

Expresso Periférico – Me conta sobre a oficina que você realizará. A Casa Delas tem proporcionado experiências diversas para o território que despertam as mulheres para uma atenção maior aos seus talentos e desejos de realização. Agora, além das diversas oficinas que transitam pelo canto, cordas, percussão e rodas de bate-papo sobre temas que atravessam as mulheres em suas vidas, lança essa oficina maravilhosa de Técnica de Som. Quais exigências para participar e a expectativa de formação?

Verônica – Estou ansiosa para a realização da oficina. Juntem-se a nós, mulherio do território. Vamos falar de um lugar que cada vez mais é desafiador para nós, o técnico, que historicamente estava reservado para os homens. 

Muito feliz em poder passar um pouco do que eu sei para outras mulheres, quero ver muitas mulheres tomando de assalto e dominando esse ramo.

A exigência é você querer aprender uma nova profissão, uma nova possibilidade de trabalho, a fazer a diferença em um evento só que pelos bastidores. Vai ser uma oficina bem tranquila onde vou abordar desde fundamentos básicos do áudio até equipamentos básicos que compõem um sistema de sonorização, ou ainda, o ganho, por exemplo, de como escolher um microfone, e por aí vai.

Serão nove encontros, todos os sábados de outubro e novembro, sempre das 10hs às 12hs.

As aulas serão bem tranquilas, porém dinâmicas, e ao final do ciclo de formação, será que rola uma FESTA?

Expresso Periférico – Finalmente, conta para nós da sua participação na Virada Cultural deste ano?

Verônica – É a minha segunda participação na Virada Cultural.  A primeira foi em 2017 e a segunda agora em 2022.

É um evento muito marcante para a arte e cultura da nossa cidade, com  vários palcos, vários artistas, um evento cultural enorme que contempla todos os cantos da cidade e fazer parte disso é muito bom, tirando, claro, os perrengue que temos que enfrentar,né? rsrs.

Em 2017 eu participei do Palco Hip-Hop na rua 24 de março, a  rua da Galeria do Rock. Neste palco se apresentaram: Rimas e Melodias, Sorry Drummer, Edi rock, Bivolt, Tássia Reis entre outros.

Foram 24 horas de trabalho, os equipamentos usados foram do meu pai e nos revezamos para dormir embaixo do palco como muitos outros profissionais fazem, usando banheiro químico e sacudindo a poeira, porque o show tem que continuar. A vida de técnica é muito boa, te dá várias vivências, mas também tem muitos perrengues para solucionar. Esse ano participei da Viradinha, que são os palcos que não viram 24 horas. Cheguei às 9h no local para poder montar os equipamentos (também do meu pai Black Bingo’s Sonorização), às 20hs fui pra casa e voltei no dia seguinte. Esse foi mais tranquilo, o palco foi o de Santo Amaro, na Zona Sul. Se apresentaram Aline Barros, Benziê, Ao Cubo, entre outros artistas.

Saiba Mais

As inscrições para a Oficina Técnica de Som, acesse as redes sociais da Casa Delas a partir do dia 15/09/22!

Imagens: Acervo pessoal da entrevistada

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Escrito por Evinha Eugênia

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