As datas comemorativas sempre geram em mim um questionamento…

As datas comemorativas sempre geram em mim um questionamento. Será que o dia dos pais provoca mais alegria ou tristeza nas pessoas? A gente sabe que ela pode ser uma oportunidade de demonstração de afeto àquele que exerce a paternidade conosco, mas também sabemos dos inúmeros casos problemáticos entre pais e filhos, ou mesmo a ausência da figura paterna por motivos de abandono. Se fosse possível, no dia dos pais, acender uma luz  que apontasse tristeza ou alegria em cada casa aqui da nossa quebrada: Qual dessas luzes se sobressairia?

A ideia aqui não é fazer um discurso moralista sobre a paternidade. Também não é a de passar um pano para os pais ausentes. Seria mais um convite para refletir sobre as estruturas que nos impedem de viver essa ideia de paternidade. Já no século XIX, Marx e Engels apontavam que a ideia de família só era possível “em sua plenitude” para a burguesia: 

“Sobre que fundamento repousa a família atual, a família burguesa? Sobre o capital, sobre o ganho privado. A família, na sua plenitude, só existe para a burguesia; mas encontra o seu complemento na ausência forçada da família entre os proletários e na prostituição pública”. (p.54)

Isso porque as condições materiais em que vivemos nos impedem de estarmos com nossas famílias como gostaríamos. Muitos homens passam mais tempo fazendo a segurança de uma família rica enquanto reza para que o seu próprio filho chegue em casa com segurança. Muitas mulheres passeiam com crianças em parques de bairros ricos, enquanto deixam seus filhos com a vizinha, com muito pouco estímulo. E por aí vai. Nossa estrutura social nos impede de conviver com os nossos. Para justificar tudo isso você já deve ter escutado que o importante é tempo com qualidade e não quantidade. No entanto, você  acha esse argumento funcionaria no seu trabalho?

Agora pense em tudo que é dito a respeito de ser homem e ser pai. Geralmente vem coisas como: provedor, protetor, seguro, competente, presente, etc. Muitos homens de periferia buscam duramente  esse lugar, mas não conseguem. Às vezes se enganam nas portas dos bares e na rua, simulando relações de poder e apropriação dos espaços públicos enquanto vivem uma vida insuportável em casa, porque sabem lá no fundo que não são capazes de ser o homem que disseram que eles tinham que ser. Se estão desempregados, ou sofrem com a exploração no trabalho. Se não terminaram a escola e sentem as consequências disso, e/ou se não conseguem lidar com seus sentimentos e emoções, tomando atitudes agressivas e perigosas para sua própria família.  

O que quero mostrar é que existe uma estrutura que diz ao homem hétero, neste caso o homem pobre, o que ele deve ser e uma outra que o impede de ser. A primeira podemos chamar de patriarcado e a segunda de capitalismo. O capitalismo está relacionado à ideia de exploração por parte de um grupo dominante sobre outro na intenção de extrair riqueza, a partir da força de trabalho desse que é explorado. Já o patriarcado, nas palavras do filosofo Renato Nogueira, “corresponde a uma maneira de comportamento que coloca a heteronormatividade (os padrões do que seria um homem heterossexual) como centro do humano e o que sai disso é considerado menos humano e mais objetificado (ou seja, que pode ser tratado como objeto).”

Assim, um homem pobre que busca esse ideal de masculinidade pode facilmente  se frustrar, pois em seu trabalho ou na vida cotidiana vai se perceber como explorado, tornando esse lugar de poder impossível. Evidente que tudo isso ocorre de maneira muito complexa e existem inúmeras consequências para essa situação. Mas algumas pesquisas apontam dados preocupantes.

Segundo um levantamento do Ministério da Saúde, com base nos dados de óbitos por suicídio registrado no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de notificação de violência autoprovocadas registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAM), homens cometem 3.8 vezes mais suicídios do que mulheres. De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), publicado em 2014, a maioria dos assassinos do mundo são homens (95%), e são eles também quem compõem a maioria quando se trata de serem as vítimas de assassinatos (90%). No Brasil, segundo o Instituto IPEA: homens, negros e jovens são os que mais morrem no país.  Também são os homens quem mais morrem no trânsito. Dados do governo do Estado de SP de 2016 revelam que 77% dos mortos em acidentes de trânsito eram homens. Somado a isso, temos um dado da Associação Norte Americana de Psicologia que estima que “80% dos homens americanos sofram de uma condição conhecida como alexitimia (incapacidade de expressar, descrever ou distinguir entre emoções).

Está mais do que comprovado  que a maneira como vivemos nossa masculinidade heteronormativa é problemática. Ainda que esse pai de família não cometa nenhum desvio e seja presente e carinhoso com os seus, nesse dia dos pais ele sente no corpo e no coração as dores por todo o tempo e força de trabalho que teve de investir para garantir o sustento da família, ainda mais nesse momento de crise e desgoverno. Ele sente a pressão para ser o homem que o mundo diz que ele tem que ser. Ele precisa ser firme e precisa se sacrificar para garantir esse lugar.  Em uma sociedade capitalista como a nossa, não temos direito ao tempo com os nossos. Em uma sociedade patriarcal, o homem não pode parecer frágil, então como elaborar essas dores?

Para concluir, queria lembrar que o dia dos pais foi criado por Sylvio Bhering, em 1953. Bhering era diretor da Globo e criou esse dia para estimular o comércio no segundo semestre. Foi publicada uma nota, até um pouco discreta, na capa do jornal sobre a criação desse dia: “que cada qual medite no que deve ao pai de proteção na infância, de orientação na mocidade e de carinho e apoio durante a vida toda e obedeça aos impulsos gratos do seu coração. E que a homenagem se estenda a outras cidades, a outros países, ao mundo todo como uma pausa universal de ternura e confiança no turbilhão da vida que passa.”  Ao lado, com letras garrafais, o jornal comemora o fracasso dos comunistas franceses na  greve dos funcionários públicos da cidade. Cabe lembrar que no Brasil, neste mesmo ano, houve a greve dos 300 mil. Movimento importantíssimo que traria como consequência grandes conquistas na construção das leis trabalhistas dos país.  Foi um ano em que centenas de mães e pais de famílias de várias partes do mundo lutaram para terem o direito à família, mas o que prevaleceu foi essa notinha da rede Globo instituindo o dia dos pais. Sinceramente, não quero saber se as luzes que se acendem na quebrada são de alegria ou de tristeza. Bom seria ver, todos os dias, a luz da esperança na construção de um mundo sem exploração, para que todas e todos pudessem ter o direito à família. Que esses pais, mães e cuidadores se organizem e briguem por mais esse direito. Seguimos na luta.

Imagem: “O Dia do Papai”, na capa do Jornal O Globo do dia 15 de agosto de 1953.

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Escrito por Gabriel Messias

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