Onde está a classe operária?

“Se você corta salários, simplesmente corta o número de seus consumidores”. Esta era a contundente resposta que Henry Ford dava aos que questionavam, no começo do século XX, suas políticas salariais e sociais. Ele instituiu em suas fábricas a jornada diária de 8 horas e a semana de 40 horas, porque pensava que para o operário ser produtivo, deve ser bem remunerado e ter uma jornada menor de trabalho. Seu desejo era que os funcionários comprassem o carro fabricado por eles e, para conseguir esse objetivo, os financiou.

A maior inovação de Henry Ford foi a implantação das linhas de montagem nas suas fábricas, com produção em série e operários especializados, bem remunerados e com jornada de trabalho digna. Essas ideias inovadoras que, no começo, encontraram acirrada resistência, levadas à prática, produziram resultados surpreendentes e se espalharam por muitas empresas.

A produção em série de milhões de peças com qualidade e a eficiência das linhas de montagem são duas contribuições do sistema capitalista, que nos fornecem os meios para produzir tudo o que o ser humano precisa para viver melhor. Surgiram gigantescas aglomerações industriais e milhares de operários foram reunidos. Nem Henry Ford sonhou com tanto êxito: fábricas com 40 mil empregados juntos numa mesma unidade.

Sem querer e perceber, juntaram os operários. Facilitaram a conscientização porque estes perceberam que estavam juntos e eram fortes. Nas décadas de 1970 e 1980, a categoria dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo paralisou, quando a Volks, a Mercedes e a Ford entraram em greve. Dificilmente Henry Ford previu esse contratempo inesperado. Se tivesse vivido essas movimentações grevistas, talvez pensasse que o tiro saiu pela culatra. Seus sucessores, patrões e aliados, não perderam tempo culpando-o, choramingando ou arrancando os cabelos.

Se os operários juntos em grandes fábricas se tornaram fortes, vamos dividi-los e dispersá-los e sua fragilidade voltará. A reação dos patrões ao atrevimento da classe operária e ao sindicalismo combativo foi e é tão cruel e desumana que os efeitos de sua vingança, a terceirização, condenaram mais da metade da população mundial à aviltante pobreza, e por que não dizer, mortífera miséria. Conservaram suas automatizadas linhas de montagem, substituíram o ser humano, vulnerável à ideologização de classe, que o transforma em agente da história, por eficientes robôs.

Não importa se os carros apodrecem nos pátios das montadoras. Sem produção, não haverá emprego; sem trabalho, não existirão salários; sem dinheiro, os operários não poderão comprar nossos carros. Mas, em compensação, eles voltarão humilhados, muitos com o propósito de nunca mais lutar. Essas teses, aparentemente antifordianas, não deixam de ter sua lógica capitalista: lucro em primeiro lugar e a qualquer custo.

O lema é: dividir a classe operária, dispersá-la e reduzir drasticamente os salários. Acabar com os benefícios sociais como convênios, grêmios e restaurantes. Aumentar o desemprego assustadoramente. Depois retomar o crescimento em bases mais favoráveis. Aí sim, os lucros se multiplicarão e os salários abaixarão.

As grandes multidões perambularão pelas periferias das turbulentas cidades. Lutarão pela sobrevivência, até dentro do mundo das drogas, pois consegui-la exige uma tenaz teimosia.

De repente o mundo parou. Não foi uma greve geral fruto da união e coragem, como muitos sonhamos de realizar algum dia. Teve suas origens no medo de um vírus invisível que nos ataca e que nós mesmos o espalhamos p​or todos os países. Viaja conosco e não paga passagem. É poderoso porque é invisível: não dá a cara; ataca de surpresa e mata “o rei da natureza”: esse vírus é o coronavírus.

A COVID-19 só carrega consigo a morte física? Não. Ela se alia ao capitalismo para destruir a classe trabalhadora.

Se há 20 anos a situação da classe trabalhadora era preocupante por causa do desemprego, hoje é desesperadora.

Os efeitos da pandemia crescerão exponencialmente. Seu poder de estrago será tão devastador que desorganizará toda a sociedade; provocará tantas falências e desemprego que o trabalhador suplicará por um trabalho, não importa em que condições.

O coronavírus fragiliza tanto a classe trabalhadora que os poderosos, tendo nos nocauteado, continuam nos batendo no chão. Como falou o ministro do meio ambiente Ricardo Salles na reunião macabra do dia 22-04-20. “Vamos aproveitar que estão distraídos com o coronavírus e passemos a boiada por cima deles. Aprovemos o desmatamento da Amazonia, a flexibilização das leis trabalhistas, as mudanças na aposentadoria…”

Diante da clarividência das palavras do ministro, só é cego quem não quer ver.

Imagem: Imagem de um gerador elétrico da cidade de Fordlândia, do Acervo The Henry Ford/Flickr

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Escrito por Vicente Ruiz

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