“Mulheres são passarinhas, buscando alimento e levando para o ninho”

Cuidando, cuidando, cuidando!

E sobrecarregadas de tarefas para garantir que a Roda continue viva e em movimento.

De repente, sem aviso prévio e tempo para nos preparar, acordamos com as escolas fechadas, nosso trabalho sendo negociado (mudança de jornada, redução de salários, dispensas inesperadas). Estamos desempregadas!

Tentando encontrar palavras que pudessem acolher as mulheres que enfrentam mais um entre tantos vírus e mais uma pandemia, tropeço na única palavra que é recorrente, é feminina, é luta para sustentar a Vida, CUIDAR..

Cuidar da vida e do amor, dos filhos, dos pais, dos avós, da falta de emprego, dos armários vazios, da escassez, da mesa sem fartura até a exaustão. Ora encolhidas dentro de suas casas, ora empurradas para fora delas para tentar ocupar as poucas vagas de trabalho ofertadas ou para a fila do auxílio emergencial, para as poucas cestas de alimentos que são entregues aqui ou acolá por uma entidade, ONG, centro espírita ou grupo de mulheres que se solidarizam com essa dor. Afinal, somos as responsáveis, temos que buscar alternativas para manter a família, nosso núcleo de afeto de “pé”.

Será que conseguimos perceber onde estamos na pandemia? O que mais querem de nós?

O cansaço me diz que estamos no mesmo lugar, na solidão de pensar como enfrentar o amanhã, não saímos daqui e nossa vida foi invadida com novos medos, desafios e tarefas. Os filhos em casa – educação remota, à distância – sem condição física e material de atender às necessidades (computador, celular, internet e o precioso tempo) e verificar os protocolos do FIQUE EM CASA. Para as crianças, resta a opção de sempre, soltas na rua, expostas às fragilidades da realidade que não tem piedade delas  e viver as lutas que assombram suas mães.

Comida! Sim, comida, o inimigo que fica ali olhando, esperando e ameaçando, A FOME! Como alimentar todos em casa? Sem merenda da escola, sem o vale alimentação, sem a cesta básica, sem emprego e sem salário.

Adoecer? Não podemos adoecer, não tem hospital, leito, vagas e remédios. Tentamos nos livrar das doenças físicas, porque as emocionais que estão nos consumindo, vamos nos acostumando com todas as loucuras que não são raras.  

Este cenário sócio-econômico atinge diretamente as mulheres, que são quase 50% à frente das famílias e vivem a soma das violências da exclusão, do abandono e da invisibilidade. 

Mas essa pandemia “branca”, que privilegia aqueles que podem cumprir o distanciamento social e todos os protocolos de higiene, apenas escancara que a desigualdade de classe tem nome, endereço e ocupa as filas do auxílio emergencial: são mulheres, pobres e negras. É a precarização da vida, com o aumento da miséria, dos desalojados, da violência e do distanciamento entre os que pouco têm e os que nada têm.

O cansaço, às vezes, se abate sobre essas mulheres que a sociedade teima em não enxergar como sujeitas de direito, mas lhes dispensa o tratamento de acessórios de todas as desgraças da humanidade. Para nos eliminar, sim, somos constantemente eliminadas, dos postos de trabalho, da vida pública, da política, das universidades que se valem da superficialidade da ausência de argumentos para sufocar nossos sonhos.

Mas somos uma reação química em constante ebulição, bruxas em silêncio, aquietadas dentro dos panos, mas fazendo planos.

Nós, mulheres, somos necessárias em tempos difíceis, somos persistentes, insistentes e afetuosas. A vida para nós tem valor além da imaginação daqueles que ganham com a nossa dor.

Quando comecei a escrever este artigo, pensei em tantas mulheres que estão vivendo a solidão da pandemia, suas lutas, se aquilombando para sobreviver, se avizinhando para buscar parceiras que sejam cúmplices deste transbordamento de medos e dores, mas discorrendo por entre palavras, frases e reflexões, constato que a somatória das pequenas violências vão se agigantando nesse cotidiano feminino.

O terror da violência física, emocional, institucional, potencializou a prática das violências domésticas, principalmente nas periferias da cidade. Os índices de mulheres que vêm sofrendo ataques de seus companheiros dentro de suas casas é alarmante. Essa é uma das piores violências, acontece dentro de casa e é um fenômeno silencioso.

Os homens se acovardam diante de um NÃO e parece que são portadores de autorizações para atacar nossos corpos, desde passada de mãos não autorizadas, cantadas grosseiras, ameaças, agressões, espancamentos e estupros até culminar com o Feminicídio (crime de ódio, a vítima é morta por ser mulher) que tem ocupado o noticiário nacional e atinge mulheres de todas as classes sociais, formação e raça, porém, suas maiores vítimas ainda são as mulheres pobres e negras.

Termino esse artigo lamentando que a pandemia do Coronavírus tenha aguçado, potencializado e escancarado todas as violências praticadas contra nossos corpos, uma pandemia antiga, que parece não ter fim e precisa de todos nós para garantir e assegurar que continuemos vivas.

Estamos à exaustão, mas vivas e resistindo a essa pandemia que mostra que a humanidade está doente e a cura da humanidade carece da ação da sua parte feminina… Nossa liberdade é cara, seguimos juntas e nenhuma será deixada para trás.

NOSSAS VIDAS IMPORTAM!

Mulher exausta 

Porque sobre ela repousa 
Sou uma mulher cansada de ser forte 
Cansada de ser uma mulher incansável 
Ofereço meu corpo como suporte para a vida 
Em troca bebo frustração no poço da minha angústia

Estou cansada de ser essa mulher que se levanta antes do desabrochar do dia
E adormece após a morte da noite. 
Essa mulher que tem a obrigação de ser sólida 
O futuro do casal

Mas antes de ser mãe e esposa 
Sou uma mulher 
Livre como um pássaro
Em busca de um espaço para expressar seu talento arquitetural

Feita de carne e osso 
E não de ferro e pedra. 
Sou essa mulher que não tem o direito de falhar 
Porque levar uma bofetada seria inadmissível 

Aos olhos da sociedade
Essa mulher que não tem o direito de derramar uma lágrima 
Porque ela corre o risco de inundar a alma do seu homem. 
Eu sou essa mulher que não tem o direito de dizer não

Porque eu devia ser a maria-vai-com-as-outras de uma sociedade que não se importa comigo.
Mesmo quando seu sorriso 
Não tem vida, devo iluminar seu coração. 
Desfigurada por golpes dados como presentes 

Meu dever ordena que eu permaneça em silêncio. 
Meus direitos trancados na sepultura 
Do silêncio.
Eu deveria ficar calada.

E quando ele viola minha existência 
É um dever conjugal 
Meu corpo já não é minha propriedade 
Segundo a lei você pertencerá a ele depois de dizer sim.

Feminicídio todos os dias 
A justiça tem a orelha tapada 
Aos gritos das mulheres potentes 
Revoltadas são chamadas de rebeldes

Mulher indigna 
Segundo essa tradição masculina
Segundo a qual
Ela terá de beber sua dor em silêncio. 

Você nascerá menina, 
Crescerá esposa 
E morrerá mãe 
Me disse a sociedade.

O poema “Mulher exausta” é de Linda Kouamé, conhecida como L’Encre des Étoiles [Tinta das Estrelas]. Ela foi vencedora do Campeonato Nacional de Slam da Costa do Marfim, em 2019, e por isso participará, em 2021, da Copa do Mundo de Slam, que acontecerá em Paris e Belleville, na França. L’Encre des Étoiles, nascida em Abidjan (Costa do Marfim), é estudante de Comunicação e de Ciências Políticas. Além de slammer, também escreve romances e contos. Ela faz parte da Escola de Poetas da Costa do Marfim, que incentiva a poesia através da formação em leitura, escrita e performance.

Fotografia: Still do filme Ipa | Ipá, de Thais Scabio.

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Escrito por Coletiva de Mulheres

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