A voz das ruas retratada nas letras e poemas do artista da periferia e a parceria com as escolas

O Expresso Periférico foi buscar um artista com raízes no Jardim Miriam e que transita livremente pelas periferias com sua música rap e suas letras,  que dialogam muito com nossa realidade. Além de cantar seus raps, Ed Mauro Teixeira de Almeida, mais conhecido como Cocão Avoz, também é artista da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), coletivo capitaneado pelo poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, que, dentre tantas atividades, reunia semanalmente dezenas, às vezes centenas de artistas, às terças-feiras no Bar do Zé Batidão, no Jardim São Luís, periferia paulistana, para a realização do já consagrado Sarau da Cooperifa. Suspenso desde o início da pandemia da covid-19, o Sarau reunia  poetas periféricos que iam gentilmente compartilhar sua arte e ouvir a arte alheia. Lugar onde “o silêncio é uma prece” para ouvir o outro e onde “todo mundo aprende e ninguém ensina”, como declarou certa vez Sérgio Vaz. Além de cantar seus raps, Cocão também lançou o livro “Para não dizer que não falei das ruas”, (2019), que reúne a sua produção poética e musical  nesses tantos anos de carreira.

Expresso Periférico:  Quem é Cocão Avoz? 

Cocão Avoz: Das ruas do Jd Miriam para às ruas do Jd. São Luís, onde resido nos dias de hoje. No movimento hip-hop, juntamente com Leandrão, ajudei a fundar o grupo de rap “VERSÃO POPULAR “, em 1999,  grupo originário da COHAB Jd. São Luís. Com o grupo,  me apresentei em vários lugares da periferia. Como todo grupo no início, as primeiras apresentações foram nas escolas aos finais de semana, campos de futebol, eventos organizados nas praças e ruas das quebradas por onde andava. Ajudei na produção e execução do primeiro CD do grupo “QUEM VIU, VIU”  (2010). Continuei circulando com o rap em Casas de Cultura, Mostras Culturais, Fábricas de Cultura, entre outros espaços. Dividi palco com artistas como Criolo, Racionais, Consciência Humana, GOG, RZO, Emicida, NDEE Naldinho, entre outros. Estou à frente também da Cooperifa há 16 anos, junto com todo o time do coletivo. Circulo  também nas escolas com o “Projeto a Poesia do Rap” e acompanhei também o poeta Sérgio Vaz no projeto “Poesia contra a violência”  nas escolas da periferia. Sou um dos organizadores do “Encontro Rap”, um evento que de 2012 até 2016 deu oportunidade a vários grupos iniciantes e já atuantes da cena. Cerca de 300 grupos já participaram, junto com os demais organizadores (DJ Zeca, DJ Ney, Alex, Zóio e Taty Botelho). Em 2015, dei início a minha carreira solo, lançando músicas como “Diaristas”, “No último vagão”, “A Caminhada”, “De volta para casa” e “Ganhe o mapa”, músicas que trabalho em meus shows até hoje. Em 2019, lancei meu primeiro livro “Pra não dizer que não falei das ruas”, um livro que contém as poesias do meu rap, letras que escrevi ao longo dos anos, com prefácio do poeta Sérgio Vaz e posfácio do DJ KL Jay dos racionais MC ‘s. Atualmente, trabalho meu rap com meus companheiros de palco  Joh Contenção, DJ Negão e Henrique Damas e, com meu novo projeto, com a banda Base Orgânica (2020).

EP: Você lançou um livro intitulado “Para não dizer que não falei das ruas”, que se divide em duas partes: Jardim Miriam e Jardim. São Luís. Fale um pouco sobre sua relação com esses territórios e a inspiração para o lançamento do livro.

Cocão: O livro “Pra não dizer que não falei das ruas” nasceu através das muitas idas às escolas, minhas vivências na Cooperifa e também da necessidade de ampliar mais meu trabalho com a arte, com o hip-hop. Entendi que minhas letras poderiam chegar às pessoas em forma de livro, mantendo minha verdade cantada e também escrita. Na divisão do livro onde cito Jd. Miriam e Jd. São Luís, quebradas que me inspiram e me motivam até hoje, ainda frequento o Miriam, onde nasci. Faço questão de ir lá, andar pelas ruas onde andei de bicicleta,skate,onde tenho bons amigos, da mesma forma é no São Luís, mó amor pela quebra. Colocar no livro foi em forma de agradecimento! 

EP:  Cocão Avoz, artista periférico, rapper, membro da Cooperifa, entre tantas corridas pela arte. Como você vê a cena cultural periférica no momento? E a cena hip-hop em particular?

Cocão: Eu iniciei no movimento hip-hop em 1994/95 ouvindo rap. Ali, eu entendi como um chamado, como foi pra muitas e muitos que estão até hoje. Logo após, comecei atuando nos palcos com o Versão Popular. O tempo foi me moldando, me fazendo entender a importância da arte para a quebrada, para o cidadão. Muita coisa mudou e percebo a importância na resistência e na colocação dos movimentos culturais periféricos. O mais importante disso tudo é o envolvimento maior dos jovens negros e das mulheres que estão compactuando em grande estilo para o crescimento num todo e, assim, eu digo o mesmo para o movimento hip-hop.  

EP:  Você tem uma relação interessante com educadores e escolas, às quais você costuma visitar atendendo ao chamado dos professores. Fale um pouco da importância desse trampo.

Cocão: O professor na quebrada é uma grande referência pra nós, é  ampliador de sonhos e possibilidades. Essas parcerias, que viraram amizade, a cada dia são regadas. Eu acho muito importante, eles nos ajudam a aproximar as crianças e os jovens da nossa realidade com o entendimento de que a cultura, o esporte e a educação podem andar de mãos dadas para transformar. 

EP:  Hora de falar um pouco dos seus projetos atuais e futuros, nesse cenário tão difícil e incerto. O que Cocão Avoz tem pensado e preparado para nós?

Cocão: A humanidade passou e passa por dias difíceis, perdas e sofrimentos. Essa cabeça aqui pensa mil coisas ao mesmo tempo. Temos planos, caminhamos para executar alguns e logo temos que recuar, e acho que recuar às vezes faz parte da sobrevivência. Quero muito voltar às escola, já estão pintando uns convites, estamos estudando essas possibilidades. A meta esse ano é soltar muita música nas plataformas digitais e, quem sabe, um segundo livro… rs

Imagem: André Seiti

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Escrito por Prof. Betinho

Roberto Bezerra dos Santos, professor Betinho, é formado em Letras pela USP e atua na rede pública de ensino desde 1996, sendo desde 2002 professor concursado de Língua Portuguesa no município de São Paulo e desde 2003 no município de Diadema. Ativista cultural, do movimento negro (Círculo Palmarino) e Hip Hop, é presidente de time de várzea (GRE Congregação Mariana). Facebook: professorrobertobetinho Instagram: profbetinho Twiter: profbetinho1973

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