Governo municipal pretende entregar a gestão das Casas de Cultura a OSCs

A prefeitura de São Paulo lançou em 16 de dezembro de 2022 um chamamento público com o intuito de atribuir a organizações da sociedade civil (“OSCs”) a gestão e a manutenção da infraestrutura de 20 Casas de Cultura localizadas no município de São Paulo. O chamamento, que se encerrou em 16 de janeiro de 2023, prevê ainda a assinatura de um contrato, chamado de Termo de Colaboração, de 5 anos. No edital, que ficou aberto para consulta pública nesse período, havia uma aba que permitia possíveis contribuições da população que, em tese, seriam analisadas e poderiam ser incorporadas ao texto.

No dia 13 de janeiro de 2023, houve uma audiência pública convocada pela Secretaria Municipal de Cultura para tratar do tema da terceirização da gestão das Casas de Cultura. Apesar da ausência da secretária de cultura Aline Torres, os Movimentos Culturais de todos os cantos da cidade tomaram conta da audiência e mandaram seu recado claro contra a proposta da prefeitura e da Secretaria Municipal de Cultura de entregar a gestão e a programação das Casas de Cultura para OSCs. Há uma nova audiência pública na Câmara dos Vereadores marcada para o dia 09/03, 10h, em que o edital provavelmente será lançado pela secretária de cultura Aline Torres.

A questão vem sendo debatida há muito tempo por trabalhadores da cultura, técnicos, artistas, coletivos culturais, movimentos da sociedade civil, fóruns culturais de todos os cantos da cidade e a rejeição ao modelo proposto pela SMC é praticamente ponto pacífico. A defesa é da implementação do que propõe o Plano Municipal de Cultura em suas metas, como a reestruturação do quadro de funcionários da SMC com a realização de concursos públicos, o aumento do orçamento e o estabelecimento de um modelo de “gestão colaborativa”, com a efetivação do Conselho das Casas de Cultura, por exemplo. Foi criada “…uma frente de luta plural,suprapartidária e autônoma.  Composta por artistas, oficineiros, servidores públicos, frequentadores e as juventudes que compõem o programa jovem monitor cultural e programa criatividades . Além de entidades como o sindicato dos artistas e técnicos do estado-SATED e Cooperativa Paulista de Dança e ANISPMSP.”, conforme conta no Instagram do grupo, cujo perfil é @sosasasdecultura linktr.ee/soscasasdecultura1  Ainda segundo publicação no perfil, “O principal objetivo é defender as Casas de Cultura do projeto desestatizante da prefeitura de São Paulo”. Há também uma petição pública contra a privatização.

Fórum de Cultura de Cidade Ademar e Pedreira contra a privatização

O Fórum de Cultura de Cidade Ademar e Pedreira, em reunião online realizada no dia 02/02/2023, também debateu a situação e decidiu lançar uma Carta Manifesto com o posicionamento contrário ao modelo defendido pela atual gestão de Ricardo Nunes e Aline Torres de terceirização da gestão das Casas de Cultura, chamando a atenção para a luta de quase três décadas pela construção da Casa de Cultura da Cidade Ademar, cujo início das obras se deu nesse mês de março, e que já pode nascer privatizada, visto que a Casa jde Cultura de Cidade Ademar já consta num dos lotes de privatização mesmo sem sua infraestrutura construída. Segue a íntegra da Carta:

CARTA DE REPÚDIO À TRANSFERÊNCIA DA GESTÃO DAS CASAS DE CULTURA PARA INSTITUIÇÕES PRIVADAS

São Paulo, 06 de março de 2023

Ao Sr. Prefeito Ricardo Nunes

C/C para a Sra. Secretária de Cultura Aline Torres

 O Fórum de Cultura Cidade Ademar e Pedreira, representando coletivos culturais, artistas, espaços independentes de cultura e sociedade civil, reivindica a suspensão imediata do processo de transferência de  gestão das casas de cultura para as OSCs! 

Mais uma vez, a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), anuncia decisões sem qualquer fundamento técnico e discussão com a comunidade da cultura.  Se faz necessário aprofundar questões técnico-artísticas com os cidadãos a respeito de qualquer eventual mudança (ainda mais estrutural) no modelo de gestão cultural de tais casas e demais equipamentos culturais do município de São Paulo.

Através de lutas e mobilizações, nós Trabalhadoras e Trabalhadores da Cultura, coletividades, grupos, agentes culturais e comunidades da Cidade Ademar e Pedreira, conseguimos o início  do processo de nossa primeira casa de cultura e não  queremos que, ainda sem sua inauguração prevista, ela seja gerida por OSCs.  A periferia tem convivido,  durante anos, com as más gestões de OSCs  na saúde, na educação e na assistência social na nossa região. Como exemplo, em 2022 foram fechadas duas creches, pela prefeitura, que eram geridas por uma OSC, causando transtornos para toda a comunidade. O Hospital de Pedreira sofre com falta de contratação de médicos e enfermeiros,  prejudicando o atendimento de pacientes, conforme reportagem do G1 de 20 de julho de de 2022.  Outro exemplo é o desvio de verba da educação. Segundo a Polícia Federal e Receita Federal, OSCs  desviaram mais de R $14 milhões destinados a creches geridas por elas, tema abordado na matéria do Yahoo, de 21 de janeiro de 2021, intitulada como Máfia das Creches.

O próprio Tribunal de Contas do Município de São Paulo, em relatório oficial, aponta a falta de transparência dos serviços terceirizados, declarando que não apresentam as contas detalhadas de forma a indicar,  separadamente,  gastos com pessoal, manutenção, materiais etc., ou seja, praticamente inviabilizando a fiscalização a ser exercida, por lei, pelo próprio Tribunal. Além disso, retira também da sociedade civil o direito de apurar e fiscalizar possíveis atos de improbidade administrativa, ferindo diretamente o princípio da publicidade e transparência que rege a administração pública.

Além disso, vários estudos de monitoramento de políticas públicas apontam que terceirizar ou repassar a gestão de equipamentos públicos a empresas e organizações sociais custam MAIS aos cofres públicos do que a gestão direta! Recursos esses que poderiam ser investidos na ampliação do quadro de servidores públicos de carreira, implantação de novas casas de cultura nos distritos que têm déficit de equipamentos culturais e aumento de eventos e atividades!

Até o momento, a Secretaria de Cultura de São Paulo não compareceu em nenhuma audiência pública para apresentar argumentos e provas plausíveis de que tal ação de “privatização” da gestão das casas de cultura trará benefícios para trabalhadoras e trabalhadores da cultura, bem como para a sociedade. 

Desde 2014 o movimento cultural da cidade conquistou o retorno das Casas de Cultura para a gestão da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), conforme decreto nº 55.547, de 26 de setembro de 2014.

Com o retorno das Casas para a Secretaria, foram realizadas reformas em algumas Casas de Cultura, bem como a manutenção e ampliação de atividades de entretenimento como shows, apresentações teatrais e também formativas como as oficinas culturais, aulas dos Programas Vocacionais entre outras. Algumas casas foram inauguradas, como a CC de Guaianases e de Parelheiros, e a de Cidade Ademar está em construção. Tudo isso fazendo jus à vocação das casas e ações previstas nas deliberações das 3 Conferências Municipais de Cultura, fruto de lutas e ampla participação social, bem como do empenho de artistas, movimentos de cultura e servidores.

No entanto, desde 2016 não houve chamada de concurso e, consequentemente, não foram ampliados os quadros de servidores nas Casas, o que sempre foi uma exigência dos movimentos de cultura da cidade, e o seu não cumprimento resulta em prejuízo de funcionamento das mesmas, seguindo a lógica de sucateamento desses equipamentos.

Exigimos a implantação de uma Casa de Cultura para cada distrito das periferias, com imóvel próprio, espaço e infraestrutura adequada com profissionais da área e sem terceirizações de serviços e equipamentos.

É imprescindível a implantação de um Conselho Gestor Normativo, Consultivo e Deliberativo para cada casa de cultura, conforme a lei 11.325 de 1992 .

Desde 2020 a Casa de Cultura Itinerante da Cidade Ademar tem seu Conselho que surge do Fórum em parceria com a secretaria. Esse Conselho tem seu papel deliberativo junto a secretaria em sua programação cultural.  Construindo uma relação mais democrática, não representando uma política uniforme de participação. Porém, isso não ocorre nas outras casas de cultura. Mesmo eleitos em 2016, os conselhos gestores foram ignorados nas gestões seguintes, sendo tomadas decisões e definições de programação nas casas sem a participação da maioria dos frequentadores e artistas dos territórios. 

Retirar a deliberação desses conselhos representa um ataque direto ao nosso território periférico e seus agentes locais. 

A justificativa do governo para a privatização é que os cofres públicos estariam deficitários

 e por isso não existiria dinheiro para garantir serviços públicos com administração direta, sendo a única solução apresentada por eles a entrega dos serviços nas mãos da iniciativa privada. Sendo assim, o dinheiro é gerido de modo que traz prejuízo à população, com a não destinação dele à garantia das políticas públicas gratuitas, de qualidade e geridas de modo direto.  

A cidade de São Paulo possui alta arrecadação, inclusive houve a aprovação do maior orçamento da história com cerca de 96 bilhões!!! Portanto, dinheiro existe! Tanto é que no último relatório do Tribunal de Contas Municipal (TCM), o superávit está em R$30 bilhões. Há ainda a devolução aos cofres municipais no montante de R$190 milhões, efetuado pela Câmara Municipal de São Paulo, tendo em vista a economia feita pelo Legislativo em 2021.

E, se não existe  dinheiro, o que justifica  gastar mais com OSCs?

Diante do exposto, evidenciamos nosso descontentamento e indignação, bem como nossa disposição para o enfrentamento e amplo debate  da situação das Casas de Cultura, mesmo não tendo uma em nosso território, e de quaisquer outras terceirizações de equipamentos de cultura.

Sabendo-se que em 09 de março de 2023 ocorrerá audiência pública sobre o edital, solicitamos que o Prefeito Ricardo Nunes e a Sra Secretária de Cultura Aline Torres apresente argumentos plausíveis `a população quanto a decisão pela “transferência da gestão (privatização) das Casas de Cultura para Instituições Privadas”, que tenha diálogo com a comunidade cultural, além de dar explicações sobre o funcionamento dos conselhos participativos e de como irá funcionar a gestão da casa de cultura da Cidade Ademar, visto que não há construída sua infraestrutura. 

Na perspectiva de caminharmos para possíveis resoluções com a participação da sociedade civil e do poder público, assinam essa carta-manifesto: 

CIDADE ADEMAR E PEDREIRA CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA CULTURA!

Imagem: @soscasasdecultura

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Escrito por Prof. Betinho

Roberto Bezerra dos Santos, professor Betinho, é formado em Letras pela USP e atua na rede pública de ensino desde 1996, sendo desde 2002 professor concursado de Língua Portuguesa no município de São Paulo e desde 2003 no município de Diadema. Ativista cultural, do movimento negro (Círculo Palmarino) e Hip Hop, é presidente de time de várzea (GRE Congregação Mariana). Facebook: professorrobertobetinho Instagram: profbetinho Twiter: profbetinho1973

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