O Expresso Periférico conversou com quatro amantes da cultura do vinil para entender como essa paixão surgiu e se sustenta nos dias atuais. Por Professor Betinho e Evinha Eugênia

Como falar de cultura sem reconhecer aquele que revolucionou o universo da música com suas micro ranhuras que, tocadas magicamente por uma agulha, nos leva a experimentar sons e palavras que  provocam, em vários tons, risos, alegrias, choros e outras sensações, o disco de vinil ou, simplesmente, o vinil? E qual o melhor lado? Sim, o lado A ou B? Apesar dele só se completar ouvindo os dois lados, os apaixonados dizem que o lado A é, via de regra, o primeiro a ser ouvido, mas o lado B…tá ali… só esperando a agulha descobrir suas pérolas,  guardando surpresas que só aqueles que apreciam uma boa música, seja de qual estilo for, descobrem.

Em formatos diversos, os vinis sofreram mudanças ao longo da sua história, ganhando capacidade e espaço. Existem três tipos diferentes de discos de vinil. Eles giram no toca discos em diferentes velocidades, medidas em rotações por minuto (RPM). Os toca discos têm um seletor de velocidade que precisa ser alterado manualmente de acordo com o tipo de registro que você está escutando. Certo é que os amantes colecionam exemplares de todos esses formatos.

O compacto simples, lançado em 1949 com 7  polegadas e 45 rpm, comporta uma música de cada lado de 4 a 5 minutos. Eram discos menores e mais baratos que os LP’s. Serviam, muitas vezes, como um aperitivo para um álbum completo, um “abre alas “. O compacto duplo tem duas músicas de cada lado. No Brasil, os compactos deixaram de ser vendidos em 1989. Foi durante os anos 70 e início dos 80 o auge das vendas deste modelo de disco (os amantes do compacto defendem que o som é melhor do que no vinil maior).

O disco de 10 polegadas e 78 rpm é o mais raro formato de disco de vinil. Foi produzido entre 1898  até meados da década de 50. Com capacidade de 3 a 5 minutos por lado, exige um toca discos  específico que toca 78 rpm. O formato praticamente desaparece em 1955.

Já o  LP (simples ou duplo) tem 12 polegadas, diâmetro de 30, 48 cm e toca em 33 rpm. O mais famoso disco de vinil foi criado em 1931 e armazena, normalmente,  22 minutos de música de cada lado  e, quando ultrapassa essa cronometria, opta-se pelo LP duplo (dois discos no mesmo encarte). Pesa, em média, 180 gramas.

Fontes: Wikipédia e Classic Rock  Brazil Store Blog

Chamamos para essa prosa quatro apaixonados pela cultura dos toca discos e pelos discos de vinil, que, mesmo à distância, gentilmente atenderam ao nosso apelo. Afinal, eles amam também falar sobre o vinil, como perceberemos abaixo.  São eles: 

Fernando (Arquivo pessoal)

Fernando Barbosa, DJ, discotecário desde os 15 anos de idade e hoje com 38 anos de estrada nas noites de São Paulo. Iniciou com a equipe Phantasy, a qual parou as atividades nos anos 90, retornando nos anos 2000 como equipe e no ano de 2007 como família Club do Vinil, com a qual está em plena atividade nestes últimos 13 anos.

Professor Edimilson (Arquivo pessoal)

Edimilson Carlos Oliveira, professor de língua portuguesa na rede pública municipal de São Paulo e já em fim de carreira. Em 2017, criou o Sarau das Imbuias e desde então vem militando na área artística da periferia, abrindo espaço para livres manifestações, festas culturais, produção de artistas (daZimba Produções). Aventura-se na poesia e na prosa em textos desde a década de 90, nunca publicados, mas que em breve sairão para as ruas. Nunca deixou de escrever, nunca deixou de ouvir música, nunca deixou de comprar discos, outra obsessão. Amante e estudioso das produções em vinil de artistas consagrados ou não, é frequentador de feiras, sebos e lojas de discos de São Paulo, do Brasil e do mundo, sempre à procura daquela raridade. Tem um bom acervo, seja de artistas nacionais ou da gringa. Diz que “ouvir vinil não tem preço, como soaria aquela propaganda”.

Costela (Por Marcela Rocha)

Aelton Souza Alves, Costela,  é membro fundador do coletivo Sarau do Vinil.  DJ e Produtor Cultural, participou dos projetos Discotekombi – DISCOcobrindo o Brasil e Cacete de Aguia 100% Forró – 100% VINIL. Desenvolveu, junto ao coletivo Sarau do Vinil, o livro “180 gramas – Antologia poética”. Antes da pandemia, trabalhava como freelancer na área de eventos..

Alê Ferraz (Por Marcela Rocha)

Alessandra Ferraz de Azevedo, Alê Ferraz, mulher negra, militante das lutas da periferia, artista da música, poeta, co-fundadora e organizadora do Sarau do Vinil na quebrada da Vila Joaniza  – Cidade Ademar – que existe desde 2011, coletivo cultural que além de realizar o Sarau, articula e fomenta ações socioeducacionais voltadas para a questão periférica.

Canta, escreve e explora os vinis, através do coletivo e é também DJ. Membra organizadora do grupo musical  ” Os FerrAIS”.

Optamos por duas questões introdutórias semelhantes para todos e depois uma abordagem mais personalizada mediante a atuação e particularidade de cada um. Eis o resultado:

Expresso Periférico:  Como você conheceu o vinil e se apaixonou por ele?

Fernando: Conheci o vinil desde criança, pois meus irmãos maiores já faziam os bailes na minha casa e minhas irmãs também tinham alguns discos que tocavam na vitrola. Já me apaixonei muito cedo. 

Edimilson: Sou dos anos 60, época áurea do rádio e do vinil. Ouvia muito as rádios populares aqui de São Paulo como a Difusora, Excelsior, Bandeirantes, América e tantas outras, tudo em AM. Comprar coletânea era uma saída pra gente que não tinha grana, que era nosso caso. Minha irmã, 5 anos mais velha, começou a comprar umas coletâneas dessas rádios e aí eu fui entrando no mundo do vinil ao ter contato com elas. Tenho até hoje, por apreciação e recordação, alguns discos daquela época. Estão muito riscados, por sinal. Quando comecei a trabalhar, comecei a comprar discos de gente que eu gostava. No começo dos 80, um disco por mês ou de dois em dois meses, não me recordo. Não era barato comprar discos naquela época, como não é comprar os lançamentos em 180 gramas hoje!

Passei a frequentar e ganhar horas nos sebos de livros e discos nos 90 e aí virou uma festa: discos bacanas e baratos. Usados, mas em ótimo/bom estado. Começa o colecionismo, baseado na vontade de ouvir e ter aquele trabalho do artista, em seu formato mais puro/bonito/completo. Cantar a letra junto lendo o encarte, lembra? Não parei mais. Anos 2000, com a internet e a possibilidade de comprar fora, vixe, frete barato, gastei pouco e comprei muito. Muito rock, muito blues rock, muito tudo.

Hoje em dia, as compras se alternam entre sebos e lojas de discos – que em São Paulo são muitas, ainda bem -, e via Net, entrega em casa e tals. Sem esquecer que em 2014 surgiu o primeiro clube de vinil da América Latina, a Noize Record Club, que entrega um vinil e uma revista por mês aos seus associados. Hoje em dia temos três clubes de vinil no Brasil, a Noize, a Três Selos e a Vinyl Brasil. Como pesquisador e amante do vinil, me associei aos clubes para apreciação e estudo.

Costela: Na adolescência, nos anos 90,  naquela fase em que você começa a sair para as baladas, eu tive  contato com DJs e na época todos tocavam com vinil.

Fiz um curso de DJ em uma rádio comunitária que tinha ali próximo a escola Zenaide e comecei a comprar discos.

Alê Ferraz: Lembro que, pequena, já tinha um fascínio pelos discos e pela vitrola, em casa. Meu pai tinha um cuidado danado com tudo, com medo que a gente quebrasse a agulha, riscasse algum disco. Demorou um tempo para que tivesse acesso livre e, quando aconteceu, foi  uma descoberta irreversível. Para além do som em si (que eu gosto até do chiado da agulha), era um mundo à parte. Desde a arte das capas até as histórias que os encartes contavam. As letras, as informações mais técnicas (compositor, músicos, produção, ano das gravações…). Enfim, com 10 anos, eu não conseguia desgrudar de um disco duplo do Vinicius de Moraes, que seguia o seguinte formato: na primeira faixa, alguém contando uma história sobre ele, na segunda, uma das suas poesias e na terceira, uma música. Era lindo, vivo, surpreendente, completo. Tinha como, não se apaixonar?     

Expresso Periférico: O vinil já foi dominante, quase saiu de moda com a chegada dos CDs, mas nunca saiu totalmente do gosto de alguns apreciadores de boa música. O que ele tem de tão especial?

Fernando: Na verdade, o vinil nunca saiu de moda. Somente aqui no Brasil houve esta parada, mas no exterior nunca pararam de produzir vinis. Com a chegada dos CDs, ficou muito nítido que a qualidade do vinil era muito superior, (fato) reconhecido pelos melhores músicos. No vinil você sente com nitidez o grave, o médio e o agudo. Fora o fato do retrô, que é maravilhoso. Só quem viveu tudo isso sabe do que estou falando. 

Edimilson: Ah! O vinil é único! A sonoridade é melhor – estudos provam e um ouvinte atencioso também. Você tem todo o pacote: o disco, a capa, o encarte, as fotos, as letras, tudo físico, tamanho grande, pode apreciar. O som é distribuído, você ouve os instrumentos e o vocal separados, é diferente de qualquer outro formato, seja CD, seja streaming. E o processo? Pegar o disco, botar no toca discos, ajustar graves e agudos, ouvir, virar o disco, tirar o disco, botar na capa, guardar. 

Costela: Realmente, o CD quase levou o vinil à extinção. Teve uma época (para ser mais exato em 1998 -1999)  que chegava um vinil na minha mão, eu passava as músicas para CD e me desfazia do vinil (eu cometia essa atrocidade, rsrsrs). 

Na época eu não tinha capacidade para perceber que se tocado em um bom toca discos, a qualidade sonora do vinil é superior.

Alê Ferraz: Ah, o vinil tem essa coisa de ser uma obra de arte, completa e viva. Tem cheiro, textura, caminhos… O vinil é uma experiência sensorial. O CD não tem isso e, depois dele, esse jeito digital de ouvir música que adotamos hoje em dia tem uma importância de ser mais acessível, mas é tão superficial!… A gente não devora e se apropria, como faz com um disco.

Expresso Periférico: Para além da questão musical, um vinil apresenta outras riquezas, que podem (e devem) ser exploradas. Como você costuma explorar essas riquezas do vinil, que vão além da questão musical (capa, encartes, imagens, informações)?  

Costela: O vinil tem uma riqueza de informações que faz falta em outros meios onde as músicas são executadas nos dias de hoje. Quando você vai comprar um disco, você começa a conhecer o trabalho pela capa e contracapa. Uma das coisas que eu olho primeiro é quem são os autores das músicas, quem são os músicos que fizeram a gravação, qual  gravadora que está lançando o disco. Só depois eu vou escutar o disco.

Expresso Periférico: Os DJs contribuíram para a volta dos LPs? Em suas picapes, eles são os responsáveis pelo baile?

Fernando: Na verdade, quem contribuiu com o renascimento do vinil no Brasil foram os colecionadores que guardaram os seus arquivos e os discotecários da antiga, pois os bailes de hoje (alguns) perderam a essência. Fazem bailes com CDs, pen drives etc.  Detalhe: com isso, todo mundo é DJ hoje, basta apertar o play…

Expresso Periférico: Na sua opinião, o vinil, em uma determinada época,  popularizou e/ou democratizou a arte da música ou, ao contrário, elitizou?

Edimilson: Acredito que popularizou. Embora não fosse barato comprar discos nos anos 70, 80, 90, as pessoas compravam discos, davam de presente – creio ser um dos presentes mais dados em festas de final de ano. Dessa maneira, a obra do artista era valorizada, era vendida, chegava em mais pessoas. Desde artistas do mainstream da chamada MPB como artistas mais populares, chamados de bregas durante muito tempo. Não podemos nos esquecer do compacto, simples ou duplo, no qual os artistas podiam mostrar uma parte da sua arte. Muitos artistas só lançaram compactos. Muitas músicas de artistas renomados só saíram em compacto.

Expresso Periférico: Um sarau temático, que busca aproximar-se dos apreciadores dos discos, de onde vem esse desejo de organizar um Sarau do Vinil?

Alê Ferraz: Acho que foram dois desejos principais (em comum pros dois fundadores): primeiro, a necessidade enorme de fomentar um encontro cultural na nossa quebrada. Se hoje ainda sofremos na Cidade Ademar com a falta de espaços públicos culturais, imagina há 10 anos. Então essa era a principal urgência. E a decisão de ter os vinis como motivo, foi exatamente por essa “experiência completa” que ele significava para a gente. Para além da poesia e da música, já fizemos exposições lindas com algumas capas, por exemplo. 

Tivemos uma edição especial, também, levando para o microfone do Sarau as dedicatórias que as pessoas fizeram nas capas. Tanta história linda! Nosso acervo é, principalmente, fruto de doações. Então, estávamos ali, no mic, dividindo emoções de épocas e de pessoas que a gente nem conheceu.  

Expresso Periférico: Algumas raridades de gêneros musicais (jazz, soul, samba, caipira/sertanejo, brega, MPB…) são encontradas apenas em vinil? Ele ressurge para resgatar essa atração e prazer que provoca o ritual de ouvir uma boa música num toca discos? 

Edimilson: Sim, muitos discos desses gêneros só saíram em vinil e hoje em dia são difíceis de se achar e, quando se acha, o preço é uma facada. Alguns títulos estão sendo relançados, por essa vontade do consumidor de ouvir o seu artista com um som mais puro, mais nítido e no formato vinil, com a capa para apreciar e o encarte para cantar junto. Ouvir música em vinil é parar para ouvir música ! 

Expresso Periférico: Existe um movimento cultural dos colecionadores apaixonados por vinil, que superam  as novas mídias com seus áudios de altíssima qualidade?

Fernando: Bom, existem alguns eventos denominados projetos de vinis, onde se reúnem DJs, colecionadores e amantes do vinil.  Eu continuo com o bom e velho vinil, o bolachão à moda antiga . Espero ter colaborado de alguma forma mantendo meu arquivo antigo e atualizado de vinil.

Deixo bem claro que não sou contra a modernidade e atualidade, mesmo porque tenho e toco com CD e controladora, porém, nas festas corporativas (casamentos, aniversários). Nos meus bailes, toco somente vinil. Não perco a essência jamais !

Expresso Periférico: O vinil em algum momento deu visibilidade a uma geração de compositoras/cantoras? Qual a relação de ocupação das mulheres junto aos colecionadores, ou ainda é um reduto de homens?

Alê Ferraz: Que difícil articular essa resposta. Qual nicho cultural está realmente livre de ser um reduto de homens? Acho que temos ainda um longo caminho pra chegar numa relação de igualdade. Especialmente quando falamos do meio musical, é ainda mais evidente. Na década de 70, a Maria Bethânia foi a primeira mulher a vender mais de 1 milhão de cópias no Brasil, com o disco Álibi (se você que está lendo essa matéria, nunca ouviu esse disco inteiro, ouça agoraaa… e termina a leitura depois!). Enfim, alcançar esse número fez com que todas as gravadoras na época abrissem mais espaço para as mulheres. 

Ainda assim, se a gente olhar de perto a história de várias compositoras, cantoras, musicistas, DJs, no Brasil e no mundo, é fácil identificar todas as limitações, quantas vezes foram preteridas, negligenciadas, desvalorizadas.

E a gente segue até hoje lutando, brigando, explicando. Por isso, a beleza e importância de um projeto como o DEIXA ELA TOCAR. Da nossa quebrada pro mundo, grito urgente: DEIXA ELA TOCAR (se você ainda não conhece, procure saber, procure sentir – pelamô!).  

Expresso Periférico: Os avanços das tecnologias digitais podem apagar a história do vinil presente na musicalidade de algumas gerações?

Costela: Acredito que o vinil continuará tendo o seu espaço. É crescente o número de artistas que lançam seus trabalhos em vinil. Atualmente, fábricas de discos estão sendo reativadas no Brasil e no mundo, tem uma galera muito jovem se interessando por vinil. 

O vinil é um jeito mais prazeroso de ouvir uma música, tem a capa que, por vezes, é uma verdadeira obra de arte, tem textura, peso e tem até cheiro. O vinil explora outras sensações que estão além da auditiva, sem falar o vinil e o toca discos fazem uma dupla muito charmosa kkkkkkk.

Expresso Periférico: Dono de um acervo precioso, conta para nós como garimpar um bom disco?

Edimilson: Esquece o tempo. Garimpar quer dizer horas e mais horas olhando, procurando, até achar algo relevante. Às vezes o dia ajuda, você estava no local certo na hora certa e encontra uma pérola. Tem que conhecer quase tudo, senão um bom disco, uma boa prensagem, passa batido por suas mãos e daí, outro, esquece… Eu costumo dizer que não há segunda chance pro vinil. Achou, pega e leva. Em São Paulo, temos muitas lojas de vinil, principalmente no Centro, Nova Barão, 24 de Maio, onde se pode achar quase de tudo, basta ter tempo, paciência e, muitas vezes, grana. As raridades não são baratas. Existe muito disco barato como muitos discos caros. Vai de você e de seu gosto musical.

Gostaria de agradecer a oportunidade de falar um pouquinho sobre o mundo dos vinis e sua sobrevivência nesses tempos. Existem pessoas que colecionam discos pelas capas, outras pelos selos, tantas outras pelos artistas favoritos, muitas pelo ano, só bandas ou só cantores ou só cantoras. Existem muitos tipos. Eu coleciono músicas. Em formato de vinil!

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