Olá parceira do lado de lá… E você do fundo?

Olá parceira do lado de lá

E você do fundo?

Da esquerda?

E você teto com esses sustentáculos de metal?

E no centro, este esteio que mais parece um pelourinho onde as pessoas negras eram torturadas no período escravocrata. 

Diga alguma coisa, vai!

Chão amassado, onde se dorme, chora, sonham com liberdade.

E você porta com todo esse aparato de metal e boca ao centro? Carrancuda, sempre carrancuda! Se abre vai! Deixa sair este ar sufocado e entrar o que vem livre pelos corredores. 

Será que vai passar o foguinho hoje?

Estou louca por um cigarro, mesmo sabendo do mal provocado pela nicotina, mas ao tragar e soltar uma fumaça é a única maneira de aliviar a dor que sinto no peito em saber que minha filhinha e outras crianças foram maltratadas.

Ouça o barulho da chuva lá fora.

Quanta água! Aqui dentro apenas um caneco de água para saciar a sede e a higiene pessoal.

Já estamos há mais de trinta dias sem poder tomar banho.

A comida é sempre regrada, se somos quinze pessoas só vem pra dez e tem dias que não conseguimos degustar, devido às péssimas qualidades.

O Clóvis de Castro deverá ser liberado amanhã e ao sair daqui irá ao encontro de outras pessoas que lutam por liberdade, mesmo sabendo que corre o risco de ser detido de novo e ter que enfrentar aqueles sádicos a serviço do poder tirano que sentem prazer com o sofrimento alheio.

Hoje mais alguém vai subir.

Quem será que vai?

Este é um dos piores momentos vivenciados aqui dentro.

São horas e horas respondendo por crimes que não cometeu.

O segundo andar é todo dele, o Fleury, ninguém entra lá sem a sua autorização. Tem o espaço reservado para a cadeira do dragão. Recebeu treinamento de tortura nos Estados Unidos.

Outras vozes e marcas  já estiveram nestas paredes, mas foi a partir de 1968  que elas tomaram um outro sentido, sentido de sentir dores dias e noites.

Esperamos que estas barbaridades sejam reveladas e seus responsáveis sejam punidos e que nunca, nunca mais se repitam as perversidades do uso das torturas.

Visita ao Memorial da Resistência com o depoimento do ex-preso político, Clóvis de Castro.

Imagem: Fotografia de Levi Fanan, de uma das celas do espaço prisional do antigo Deops/SP, retirada do site do Memorial da Resistência.

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Escrito por Juarez José

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