Poemas de Evania Vieira.

Desafio

Quem é capaz de amar a preta?
Veste-se com penduricalhos alegres
Para amarrar a tristeza
Seca o sangue com mãos suadas
Enquanto tece o entardecer na estrada

Quem é capaz de amar a preta?
Carrega tijolos,
mas também beija lenços
Costura a pele rasgada
mas também acaricia os lábios
cantando a dor
catando a flor
que ela própria planta
a cada concreto armado
em arame farpado

Quem é capaz de amar a preta?
lhe descobrir mulher
imprevisível,
Mas assanhada?
com a dança de seus desejos
entre as pernas
samba
Mas também é valsa
buscando o peito ninho
onde dormita sua menina
cansada

Quem é capaz
de lhe tirar os sapatos
e abraçar seus pés rachados?
de lhe tocar os lábios
e embebedar suas curvas
sua vulva
seus seios fartos
Sua alma enfadada?
Quem é capaz de lhe assumir, de fato?

Quem é capaz de lhe perceber mulher
em sua força arrebatada
em sua roupa suada
em sua polpa voluptuosa,
mas trêmula
tão trêmula
tão desconfiada?
Pela dignidade roubada
pelos sonhos perfurados?

Quem é capaz de amar a preta?
ter seu soluço entregue à madrugada
ter sua voz rouca, rasgando a estrada?
enquanto espera, apenas
o peito ninho
como qualquer folha
que fica ali, tão delicada
entre os faróis e a calçada.

(sem título)

Uma Preta não nasce no parto
mas de um encontro com o espelho
aos trinta, quarenta
aos 15 anos enquanto trança os cabelos,
aos oitenta enquanto recorda sua resiliência,
aos 29 quando bate a porta e vai embora

Ela nasce da decisão de lutar por sua existência, produzindo a reflexão da justiça.
e quando nasce uma Preta dentro da preta,
o mundo todo pode renascer

Enganam-se os que pensam que gritamos por guerra.
o nosso grito,
ainda que cheio de ódio,
é pela ternura.

Imagem: Bruno O.

Leitura: Cícera Batista

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Escrito por Expresso Periférico

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